Ando cada vez mais convencida de que o futuro da comida e da bebida está no passado. No vinho, são muitos os indícios: o uso de ânforas, o método de fermentação ancestral para espumantes, o crescente interesse por vinhos da Geórgia e pelos vinhos laranja. Na América do Sul, temos uma invasão de rótulos novos e cada vez mais interessantes feitos com as uvas criollas.
Descendentes das primeiras vitis viníferas trazidas pelos espanhóis no século 16, a listán prieto e a moscatel de Alexandria, as criollas ganharam diferentes nomes e características em 500 anos de adaptação.
O período justifica o uso do termo “nativas”, afinal, são cinco séculos de seleção e mutação, como diz a Master of Wine Amanda Barnes, especialista em América do Sul. Entre as 120 variedades há algumas de que já ouvimos falar bastante, como a país, vinda do Chile, e a torrontés, da Argentina. Outras, também argentinas, estão deixando muita gente boquiaberta só agora: criolla grande, criolla chica (mesmo DNA da país), cereza.
Em comum, essas criollas argentinas fazem vinhos bem frutados e de corpo leve. Talvez por isso, durante o tempo em que o paladar pedia concentração de corpo e cor, eram consideradas uvas “menores”. Os primeiros rótulos que apareceram no mercado brasileiro há menos de dez anos eram rústicos, muitos eram “pipeños”, não filtrados, turvos, servidos em garrafões, mas hoje já encontramos vinhos super elegantes e mais complexos com essas uvas.
Na Argentina, elas são chamadas de “uvas patrimoniais” e muitos produtores estão assumindo o peso desse apelido em sua produção. A vinícola Rocamadre, por exemplo, quer fazer vinhos de uvas criollas seguindo a lógica do cru francês. Em um jantar em São Paulo em que apresentou seus vinhos ao mercado brasileiro, o produtor Juanfa Suarez contou que trabalha com as uvas criollas desde 2019 e que tem como maior objetivo plantar criollas nos melhores lotes de terra da família, locais em que sabe que há condições especiais de solo e mais altitude, e assim mostrar do que ela é capaz.
Suarez chama atenção para o fato de as criollas estarem em acordo com o gosto atual do mercado e também por serem muito resistentes às intempéries e, consequentemente, aos efeitos do aquecimento global. Prova disso é o vinhedo de mais de 80 anos plantado em Vista Flores, Mendoza, a 1.200 metros de altitude, em que criolla grande, criolla chica e cereza estão misturadas e são colhidas juntas. No Brasil, é vendido apenas o Rocamadre Criollas tinto, importado pela Domínio Cassis.
Do lado norte do mapa argentino, em Salta, a vinícola Lavaque também tem atenção especial às criollas. “Me propus, junto a vários outros produtores da minha geração, a voltar a valorizar esta variedade, que tem uma história incrível, a primeira vitis vinífera trazida à América”, diz Francisco Lavaque sobre o vinho feito em Huafín, com vinhas de 200 anos de idade, plantadas a 2.000 metros de altitude.
“A ideia é fazer boa viticultura, cuidar desses vinhedos como o patrimônio histórico que são, e fazer vinhos modernos, com a tecnologia e todas as condições necessárias para termos alta qualidade”, afirma.
Hoje, Lavaque tem dois tintos de criolla vendidos no Brasil, ambos importados pela World Wine: o Vallisto Extremo Criolla, delicioso e fácil, que traz nota de cereja e alecrim, e o Lavaque Criolla Chica Quebrada de Hualfín, mais sofisticado e complexo, que passa por madeira e traz notas de especiarias, além das de fruta e herbáceas.
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Outros produtores que fazem vinhos com criollas são a Bodega Niven, que tem o Criolla Argentina Blanco de Rosadas (R$ 119 na Degusti), bem floral, feito com pedro gimenez, torrontés mendocino e malvasia, e o tinto leve e delicioso da Finca Feliz (R$ 142 na Castas Importadora).
Anote na agenda
O mundo do vinho estará bem animado nas próximas semanas, com muitos eventos no calendário. Nesta quarta-feira (20), António e Joana Maçanita e Nuno Faria apresentam os vinhos que fazem em quatro terroirs portugueses no restaurante Cepa. Ingressos no Sympla. Já para os amantes de jerez, o próximo fim de semana marca o início da temporada da Sherry Week, com eventos que vão de aulas e jantares a feiras. Mais informações aqui.
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Fonte.:Folha de São Paulo


