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18 de novembro de 2025

Após pressão, MEC recua e defende APAEs em novo decreto

Após pressão, MEC recua e defende APAEs em novo decreto

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O ministério da Educação deve publicar um novo decreto que assegura expressamente a possibilidade de crianças com deficiência severa frequentarem o ensino regular nas escolas especializadas. A medida representa um recuo em relação à orientação ideológica da pasta, que defende a “inclusão total” – conceito que, embora soe positivo, na prática obriga alunos com limitações significativas a permanecerem em classes comuns, sem atendimento adequado às suas necessidades. A Gazeta do Povo teve acesso exclusivo ao novo texto.

As mudanças, que protegem o funcionamento de instituições como o APAEs e Pestalozzis, só foram possíveis graças a uma série de fatores. A articulação liderada pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), o apoio do presidente da Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e de outros 54 senadores que se manifestaram contra o decreto, além da mobilização de famílias de crianças e adolescentes com deficiência, pressionaram o MEC a rever a proposta.

Meta de 100% de matrículas em classe comum é suprimida

A principal conquista da comunidade é a inclusão explícita das escolas especializadas dentro da Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. Outro ponto relevante é a alteração do dispositivo que prevê a meta de matricular 100% dos alunos com deficiência em classes comuns. Essa exigência diverge de legislações vigentes, como a Lei de Bases e Diretrizes Educacionais (LDB) que garante a existência de escolas especializadas com atuação exclusiva em educação especial (art. 4º).

A formação mínima exigida a professores para atuar com crianças com necessidades especiais também deve sofrer alterações. O texto atual prevê, preferencialmente, carga horária mínima de 80 horas de formação específica em educação especial. O novo decreto, porém, deve tornar obrigatória a formação específica, elevando para 360 horas. Já os profissionais de apoio passarão a ter formação mínima de 180 horas, bem acima das 80 horas previstas anteriormente.

O novo documento também contempla medidas como a obrigatoriedade do Plano de Ensino Individualizado (PEI), a retomada do apoio financeiro a entidades sem fins lucrativos, como APAEs e Pestalozzis, e a previsão expressa de educação ao longo da vida.

Especialistas aguardam publicação oficial para comemorar

Os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo aguardam a publicação oficial do decreto para comemorar as alterações. Luiz Fernando Zuin, doutor em Educação Especial pela UFSCar, considera as mudanças bastante relevantes. “As escolas especializadas precisam ter segurança jurídica para seguir com seu trabalho, por isso a importância de estarem presentes na redação do decreto, conforme já previsto na LDB. Foi exatamente isso que foi dialogado na reunião com o MEC”, avalia.

Lucelmo Lacerda, doutor em Educação pela PUC-SP, também vê avanços. “Se, de fato, este texto for publicado, será muito bom. Ele sinaliza que o MEC deu uma resposta adequada à sociedade e que houve um ajuste de rumo diante do radicalismo que vinha acontecendo mais recentemente”, analisa. Segundo Lacerda, o novo decreto será superior ao anterior, de 2011, que contemplava as escolas especializadas, mas não as mencionava de forma explícita.

Se confirmadas, as alterações também podem impactar a ADI 7796, que contesta a legalidade de leis estaduais do Paraná que garantem o financiamento público para escolas especializadas. A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, autora da ação, argumenta que as leis sustentam um modelo educacional excludente e preconceituoso, defendendo que todos os alunos com deficiência devem estar matriculados em escolas comuns.

Congresso Nacional e famílias da APAE pressionaram o MEC

Propostas de Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a política publicada pelo MEC tramitavam tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. No Senado, os requerimentos de urgência para pautar o PDL de Flávio Arns receberam o apoio de 54 senadores, um número expressivo que aumentou a pressão sobre o MEC. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre, também se manifestou favorável à votação da proposta. Na Câmara, o requerimento de urgência e o PDL do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) também chegaram a ser pautados no plenário, mas não foram apreciados.

Além de apresentar a proposta para sustar a iniciativa, Arns buscou diálogo com o MEC para sugerir ajustes no texto, elaborados em conjunto com a Federação Nacional das APAEs (Fenapaes), Pestalozzi Nacional e a Associação Brasileira de Autismo (ABRA). Como resposta à pressão, o MEC apresentou um novo texto acatando parte das sugestões, mas os articuladores não se satisfizeram e decidiram manter a tramitação do PDL para garantir a suspensão do documento original.

No último dia 11, ocorreu uma nova reunião para tentar um acordo. O ministro da Educação, Camilo Santana, recebeu Arns, as senadoras Professora Dorinha (União-TO) e Teresa Leitão (PT-PE), além da deputada federal Laura Carneiro (PSD-RJ). O presidente da Fenapaes, Jarbas Feldner, também participou do encontro. Nessa reunião, o MEC se comprometeu a publicar o novo decreto conforme os ajustes negociados.

Por outro lado, grupos favoráveis a “inclusão total” pressionam o governo Lula para que o decreto seja apenas revogado, sem apresentação de um novo texto com mudanças. “De um lado, estão as históricas entidades conservadoras, que lutam pela segregação em escolas e classes especiais[…]. Do outro lado, estão os defensores da inclusão escolar que, para não permitirem o retrocesso, abrem mão de debater com seriedade o teor problemático da nova Política porque isso seria ‘combustível’ ao campo oposto”, afirmou a professora Maria Teresa Eglér Mantoan, um dos principais nomes da “inclusão total”, em uma carta aberta ao presidente Lula.



Fonte. Gazeta do Povo

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