A impositividade das emendas ao Orçamento e o sistema eleitoral proporcional de listas abertas são os dois principais problemas político-institucionais que o Brasil enfrenta.
O regime eleitoral, ao não garantir ao governo eleito a maioria dos deputados e senadores ou uma quase maioria, torna o país ingovernável, a não ser que esse governo tenha meios para controlar a liberação das emendas dos parlamentares.
Em 2015, o Congresso, ao tornar as emendas dos parlamentares ao Orçamento impositivas, tornou o Brasil ingovernável. Tirou do governo eleito a capacidade de realizar grande investimentos na infraestrutura, em um conjunto com a iniciativa privada.
Em vez disso, permitiu que deputados e senadores obrigassem o Governo Federal a investir nos municípios, nos seus currais eleitorais. Investimentos que são obrigação do próprio município, não do governo central.
Na verdade, o Congresso agiu em causa própria em vez de considerar o interesse público. Capturou o patrimônio público para que este possa garantir a deputados e senadores a própria reeleição.
Exceto os casos de países pequenos e muito homogêneos, como os escandinavos, há dois regimes eleitorais que podem ser compatíveis com a governabilidade: ou o sistema proporcional com listas fechadas, ou o sistema majoritário, por distritos.
O defeito do primeiro é tornar os partidos políticos poderosos no momento de compor a lista; o do segundo é tornar o Congresso menos representativo. Mas garantem governabilidade, enquanto o regime de listas abertas, como o brasileiro, não.
O sistema proporcional com listas abertas torna muito difícil a reeleição. Mas, em vez de reformar o sistema eleitoral, nossos deputados querem essa absurda impositividade ao Orçamento. E querem mais. Querem poder rejeitar propostas do governo que são fundamentais para o desenvolvimento do país e rejeitar os vetos do governo a elementos nos projetos de lei que obviamente não atendem ao interesse do país e de sua população.
Por outro lado, há o problema da racionalidade econômica e do custo. As emendas mais as chamadas “emendas paralelas” somam para este ano R$ 75,5 bilhões, ou seja, 1,5% do orçamento total. Enquanto isso, os gastos discricionários do Governo Federal, excluídas as emendas dos parlamentares, deve ser de R$ 47 bilhões. É menor, portanto, do que o valor das emendas, mesmo excluindo as emendas paralelas.
Desta maneira, as emendas parlamentares tornam o Brasil ingovernável duplamente. Porque, devido a elas, o governo não logra maioria no Congresso para governar e porque elas diminuem os gastos discricionários do governo, que, por outras razões, já são muito baixos.
Creio que é a partir desse quadro lamentável que vem agindo o notável ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino. Ele já há algum tempo interrompeu o gozo das emendas parlamentares pelos congressistas ao observar a sua falta de transparência (não se sabia ao certo quem era o autor da emenda, o tipo da obra e o município beneficiado). Só por isso já dá para perceber o absurdo da coisa.
Mas o ministro parece que não está satisfeito. Recentemente, os parlamentares, representados pelo presidente do Senado e pelo presidente da Câmara, foram ao STF para argumentar a seu favor. Eles estão com medo de que o ministro resolva discutir a constitucionalidade da própria impositividade das emendas ao Orçamento.
Eu não posso falar a respeito. Essa é uma questão para os constitucionalistas. Mas de uma coisa eu estou seguro. Não deveriam ser constitucionais práticas políticas que representam um grande prejuízo para a nação. A impositividade das emendas parlamentares é uma instituição contra o Brasil.
Fonte.:Folha de S.Paulo