
- Author, Alfred Lasteck
- Role, BBC Africa
- Reporting from Northern Tanzania
Aviso: este artigo contém detalhes de violência gráfica que algumas pessoas podem achar chocantes.
Na Tanzânia, cada período eleitoral reabre feridas antigas para Mariam Staford, 42 anos.
Para a maioria, os comícios, cantos festivos e mensagens de campanha são oportunidades de fazer sua voz ser ouvida. Mas para pessoas com albinismo, eles representam fonte de terror.
“A primeira coisa que me vem à mente é o medo”, conta ela à BBC, enquanto os eleitores se preparavam para votar em um presidente e no parlamento na última quarta-feira (29/10).
“Sei que os assassinatos de pessoas com albinismo acontecem principalmente em períodos eleitorais na Tanzânia, quando as crenças em feitiçaria se intensificam. Por isso não participo das campanhas… Tenho muito medo.”
O albinismo é raro, afetando uma em cada 17 mil pessoas aproximadamente. Mas na Tanzânia, os números são altos: a condição afeta cerca de 30 mil pessoas na Tanzânia (uma a cada 2,3 mil pessoas), é uma doença genética rara que reduz a melanina, o pigmento que dá cor à pele, aos olhos e aos cabelos. Em alguns casos, o distúrbio também provoca problemas de visão.
A superstição transformou pessoas com essa condição em alvos privilegiados. A falsa crença de que partes do corpo de pessoas com albinismo trariam riqueza, sorte ou sucesso político alimentou ataques em toda a Tanzânia.
Ativistas afirmam que essas crenças se intensificam perto das eleições, quando há disputas pelo poder político.
Mariam conhece pessoalmente esse perigo.
Em 2008, um dos anos mais sangrentos para pessoas com albinismo na Tanzânia, durante os preparativos para as eleições locais, homens armados com facões invadiram seu quarto em Kagera, uma região do noroeste do país.
Eles chegaram tarde da noite, cortaram sua mão direita (acima do cotovelo) e a levaram, depois cortaram também a mão esquerda…
No dia seguinte, Mariam foi levada inconsciente a um posto de saúde, e o médico que a examinou disse: “Essa pessoa já está morta, leve-a para casa e enterre-a.”
Contra todas as expectativas, Mariam sobreviveu; mas ela estava grávida de cinco meses e seu bebê não sobreviveu.

Crédito, AFP via Getty Images
O ataque não apenas deixou Mariam com deficiências permanentes, mas também a obrigou a abandonar Kagera, um dos epicentros dos assassinatos rituais de pessoas albinas na época.
Ela acabou se estabelecendo na região relativamente pacífica do Kilimanjaro, onde uma associação de defesa dos direitos das pessoas albinas, Under the Same Sun (Sob o Mesmo Sol, na tradução livre), construiu uma casa para ela e a ensinou a tricotar. Hoje, ela faz suéteres.
Dezessete anos depois, o trauma persiste.
“Mesmo agora, às vezes sonho com aquela noite”, conta Mariam. “Quando acordo, toco meus braços e lembro que eles não estão mais lá. É uma experiência da qual nunca escaparei.”
O que aconteceu com Mariam faz parte de uma série de ataques direcionados a pessoas albinas e a partes de seus corpos.
A Under the Same Sun relata que 211 incidentes desse tipo foram registrados na Tanzânia entre 2008 e hoje:
- 79 ataques resultaram na morte da vítima;
- 100 pessoas foram mutiladas, mas sobreviveram;
- 3 vítimas não foram feridas;
- 2 vítimas foram sequestradas e ainda estão desaparecidas;
- 27 túmulos foram profanados e partes de corpos saqueadas.
Somente no ano de 2008, pelo menos 35 pessoas com albinismo foram assassinadas, e muitos outros casos provavelmente não foram reportados.
Esses assassinatos geraram condenação internacional e levaram a uma repressão por parte do governo. O presidente da época, Jakaya Kikwete, condenou os ataques e pediu medidas firmes contra os assassinos.
Como consequência, a Tanzânia intensificou as investigações sobre assassinatos de pessoas com albinismo ligados à feitiçaria e reforçou as leis contra a discriminação.
Também foram feitos esforços para conscientizar o público sobre o problema.
Em uma rotatória da cidade de Sengerema, no noroeste do país, um monumento foi erguido em memória das crianças, mulheres e homens albinos que perderam a vida ou foram mutilados durante ataques.
A estátua em tamanho real representa um pai carregando uma criança albina nos ombros, enquanto a mãe a protege do sol.
O nome de Mariam está gravado no monumento, assim como o de Mariamu Emmanuel, que tinha apenas cinco anos quando foi morta em 2008.
Sentado em sua casa em Mwanza, seu irmão, Manyashi Emmanuel, hoje com 25 anos, lembra-se daquele dia. A dor ainda o assombra.
“Eu tinha oito anos e vi suas pernas, mãos e língua arrancadas pelos agressores… Desde então, tenho medo. É particularmente difícil ouvir falar de ataques quando as eleições se aproximam.”
Um ataque foi registrado este ano, em junho, na cidade de Simuyu, no noroeste do país. A vítima saiu ilesa, mas foi colocada em local seguro.
A presidente Samia Suluhu Hassan recentemente alertou contra o que chamou de crenças tradicionais potencialmente perigosas, afirmando que elas não têm lugar nas eleições tanzanianas.
“Senyi Ngaga, comissária distrital de uma das áreas mais expostas aos ataques, afirma que as campanhas de conscientização do governo ajudaram a melhorar a compreensão da situação, mas que as zonas rurais ainda são vulneráveis às superstições e à discriminação.
Ela defende maior envolvimento de todos os membros da comunidade para pôr fim aos ataques.
“Recentemente organizamos um festival com curandeiros tradicionais, onde discutimos juntos”, disse a comissária à BBC.
“Com a aproximação das eleições, também os aconselhamos a serem bons embaixadores, incentivando outros a rejeitar tais atos e a garantir a proteção das pessoas com albinismo.”

Embora grupos de defesa dos direitos humanos e sobreviventes afirmem que o governo ainda tenha muito trabalho a fazer, avanços foram alcançados.
As campanhas de conscientização, os programas da sociedade civil e as iniciativas de inclusão escolar ajudaram a reduzir os incidentes em algumas regiões.
As comunidades começam, pouco a pouco, a entender que pessoas com albinismo não são amaldiçoadas e que superstições podem ter consequências fatais.
Mas o assassinato, no ano passado, de Asimwe Novath, uma menina de dois anos, raptada de sua casa na região de Kagera, lembrou que o problema ainda persiste.
Testemunhas relataram que a menina foi forçadamente levada por dois homens não identificados enquanto brincava com a mãe.
Dezessete dias depois, partes do corpo de Asimwe foram encontradas dentro de uma sacola, abandonada sob uma ponte na mesma região. Seu corpo foi posteriormente enterrado na casa da família.
Nove suspeitos foram acusados de assassinato premeditado relacionado a este crime, mas o caso ainda não foi concluído.
Para Mariam, o episódio trouxe à tona lembranças perturbadoras.
“Isso me lembrou da minha própria noite de agressão em 2008. Eu conheço essa dor e sei que a mãe dela nunca esquecerá.”
Sua experiência mostra que o medo faz parte de seu dia a dia. Ela evita sair sozinha e raramente deixa sua casa sem acompanhamento.
À medida que se aproximava a votação de quarta-feira, Mariam declarou que não votaria, cética quanto ao impacto que isso teria em sua vida.
Ela passou o dia tranquila, em sua casa, no Kilimanjaro.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


