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20 de novembro de 2025

As promessas da testosterona: entenda, de vez, se você deve usar ou não

As promessas da testosterona: entenda, de vez, se você deve usar ou não

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Treinei por 20 anos sem tomar nada e nunca cresci, porque quem cresce de forma natural é planta”, me disse, com convicção, um motorista de aplicativo em um deslocamento por São Paulo.

“A bomba salvou meu shape e minha autoestima, e, agora, com 39 anos, já estou na idade de repor mesmo”, prosseguiu, mal sabendo que eu estava iniciando uma investigação sobre a substância que ele usa com tanto orgulho.

Ao conferir o celular, me deparo com uma postagem no Instagram: “Finalmente chipada!!!”, comemorava uma influenciadora, toda sorrisos. “E com indicação médica!”, fez questão de frisar.

Os relatos não paravam de aparecer: “Minha aluna de 30 anos foi ao médico com queixa de dificuldade para ganhar massa muscular. Saiu de lá com a prescrição”, comentou um personal da academia que frequento, entre uma série e outra. “Entrei na menopausa e me receitaram para recuperar a energia”, confidenciou uma pessoa no trabalho.

“A amiga da minha orientadora de TCC foi internada com dez chips hormonais no corpo”, contou uma colega. “Acredita que na escola onde dou aula adolescentes aplicam anabolizante na própria enfermaria?”, me confessou uma professora.

Não era impressão: a testosterona está, sim, por todo lugar.

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“E ela não é um privilégio dos homens”, alega um e-mail que recebo alguns dias depois, vindo de uma clínica ginecológica. “Descubra como o hormônio pode revolucionar a saúde, a energia e o bem-estar das mulheres acima dos 40 — e por que ainda é tabu no Brasil”, convida a mensagem.

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Nos consultórios, nas redes sociais, nas academias, nas ruas, os depoimentos se acumulam. Seja através de gel, por meio de implantes ou injeções: cada vez mais gente está usando testosterona.

Prova disso são os dados do Google Trends fornecidos com exclusividade a VEJA SAÚDE. As buscas sobre a reposição do hormônio aumentaram 110% no Brasil em cinco anos e, em outubro de 2025, bateram o recorde de interesse em duas décadas!

Entre as perguntas mais digitadas, estão “Como aumentar a testosterona?” e “Como tomar testosterona?”. Nosso país já lidera o ranking mundial de procuras sobre o tema.

O movimento virtual se reflete também fora das telas: segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as vendas de esteroides à base de testosterona sintética saltaram 670% entre 2019 e 2024.

A testosterona virou a solução para todas as mazelas da humanidade”, afirma o endocrinologista Clayton Macedo, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem). “Está cansado? Libido baixa? Potência diminuída? Quer ganhar músculo e secar a barriga? Tudo é testosterona. O problema é que, na grande maioria das vezes, isso não tem respaldo científico”, critica.

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Em meio à essa festa hormonal, prosperam discursos de que os homens estão produzindo menos testosterona do que no passado e de que os hábitos modernos sabotam a virilidade.

Cresce também, exponencialmente, o mercado de chips hormonais voltados às mulheres. Eles são apresentados com o rótulo sedutor de “reposição pela saúde” ou mesmo como um atalho certeiro para o corpo dos sonhos.

A testosterona é o principal hormônio sexual masculino, mas também é produzido pelo organismo feminino. E, de fato, a versão natural é essencial ao bem-estar fisiológico, assim como existem situações em que sua administração é realmente indicada.

Ocorre que a maioria das propagandas e panaceias pregadas por aí não atende aos critérios de segurança e eficácia construídos por estudos robustos e confiáveis.

E a fórmula ainda comporta inúmeros riscos à saúde. Para diversos especialistas, esse mercado virou um problema de saúde pública.

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Nesta reportagem, investigamos a fundo o papel, as promessas e os riscos do uso da testosterona. Aqui você ainda confere:

  • O que é a testosterona e como ela age no organismo?
  • A história da popularização do uso desse hormônio
  • A química e a matemática dos derivados de testo
  • Testosterona impacta o coração?
  • Quais as consequências para fígado e rins?
  • Testosterona em mulher: mitos e verdades
  • Reposição de testosterona na menopausa
  • Reposição de testosterona: quando é indicada e segura, segundo a ciência
  • É possível aumentar testosterona com algum suplemento?
  • Os perigos da panaceia hormonal

O que é a testosterona e como ela age no organismo?

Para entender a verdade sobre esse hormônio, precisamos dar um passo atrás e compreender a biologia nos bastidores.

Entre os homens, a produção de testosterona começa na vida dentro do útero, na gestação. Ela é a responsável pelo desenvolvimento do genital (já visualizado no ultrassom obstétrico) e de outras características masculinizantes.

Na infância, a carga hormonal se mantém baixa, e é na puberdade que ocorre a guinada, com a fabricação acentuada pelos testículos e a glândula suprarrenal.

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É sob o estímulo desse hormônio que surgem os pelos pubianos e a barba, a voz engrossa, o pênis e os músculos crescem

Ao longo da vida, a testosterona continuará a ter múltiplas funções: preserva a massa muscular e óssea, estimula a produção de células do sangue, regula o desejo sexual

No aspecto funcional, ela é extremamente importante para a saúde do homem”, diz o endocrinologista Alexandre Hohl, autor do principal tratado médico sobre o assunto no país, Testosterona: Dos Aspectos Básicos aos Clínicos.

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Nas mulheres, ainda que haja um aumento na cota do hormônio a partir da adolescência (inclusive produzido pelos ovários), seu volume e funções são mais discretos. Mesmo assim, ele ajuda, por exemplo, na criação e na manutenção da massa magra.

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(Ilustração: Eugênio Medeiros/VEJA)
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Isso posto, se a testosterona é tão útil e importante, o ideal seria garantir níveis lá em cima, certo? Não é bem assim. E é aí que mora o perigo.

A história da popularização do uso desse hormônio

Além de ser o principal hormônio androgênico, a testosterona é, por definição, um esteroide anabolizante.

Isso significa que, biologicamente, ela se origina a partir de moléculas de colesterol (daí o esteroide, a mesma matriz de outros hormônios, como estrogênio e cortisol) e estimula o crescimento dos tecidos corporais (anabolizante), sobretudo o muscular.

Nenhum outro hormônio exerce tanto impacto na massa e na força quanto a testosterona.

“É por causa disso que os homens naturalmente são mais fortes e acumulam menos gordura que as mulheres”, explica o educador físico Diego Leite de Barros, especialista em fisiologia do exercício pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“E também é justamente por causa dessa ação que é impossível uma pessoa ‘natural ‘gficar tão musculosa como outra que usa o hormônio sintético”, completa.

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Muito antes de a ciência identificar a substância e sua atuação, seus efeitos já eram percebidos e comentados entre os sábios lá atrás.

Na Antiguidade, práticas como a castração de homens para produzir servos leais e obedientes se baseavam no conhecimento empírico de que, sem os testículos, os homens deixavam de ser viris e agressivos.

Mais tarde, apareceram relatos de cantores castrados para preservar o tom soprano da pré-puberdade. Mas foi apenas no século 20 que os pesquisadores isolaram o hormônio e passaram a entender seu papel fisiológico. E, na década de 1930, ele foi sintetizado pela primeira vez em laboratório.

No início, o uso clínico buscava corrigir quadros de sintomas de testosterona baixa ou atraso da puberdade. Só que não tardou até que enxergassem na molécula um caminho mais curto para ganhar músculos.

“De fato, quem faz uso de esteroides consegue em meses o que uma pessoa levaria anos para obter tanto do ponto de vista estético como de performance”, observa Barros.

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A química e a matemática dos derivados de testo

A injeção de altas doses de testosterona começou a ser documentada ainda nos anos 1950, principalmente com levantadores de peso soviéticos que impressionavam o mundo com sua força sobre-humana.

Iniciava-se também a era dos derivados de testosterona e do doping. Para além do hormônio puro, substâncias como nandrolona, oxandrolona, estanozolol, dianobol e até trembolona se popularizaram.

“Todos esses compostos mantêm uma estrutura esteroide, mas as mudanças em outras partes química alteram como a substância é absorvida, distribuída no organismo e age”, explica o farmacologista Lucas Gazarini, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 

Em resumo, essas modificações estruturais têm grande impacto não apenas no metabolismo, mas também no perfil de efeitos indesejados (estrogênicos, androgênicos, hepáticos), o que repercute nos chamados “ciclos de uso”.

“Sabe-se que, se você usar muito de uma só substância, é bem provável que ela vai te dar efeitos colaterais que você não quer, como a atrofia dos testículos“, explica Rafael de Almeida Azevedo, mestre em Educação Física e pós-doutorando que estuda esteroides no Centro de Medicina do Estilo de Vida da Universidade de São Paulo.

“A ideia dos ciclos é tentar conseguir os efeitos positivos ou desejáveis reduzindo os colaterais, por isso muita gente usa até cinco derivados diferentes por vez”, completa o pesquisador.

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Alguns exemplos de substâncias anabolizantes derivadas da testosterona (Ilustração: Eugênio Medeiros/Veja Saúde)

Em 1965, nascia o Mr. Olympia, o mais prestigiado campeonato de fisiculturismo até hoje. Nas competições, músculos esculpidos pela testosterona passaram a ser exibidos como obras de arte.

Nas Olimpíadas, nos palcos e nas academias, o uso do hormônio ganhou popularidade. Mas havia algo a mais acontecendo dentro daqueles corpos poderosos e invencíveis: a saúde estava ruindo.

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Efeitos colaterais do abuso

Multiplicavam-se relatos médicos de casos de pacientes jovens com problemas graves — de infarto e AVC a insuficiência hepática.

Ciente de que o denominador comum dessas tragédias era a testosterona sintética, em 1975 o Comitê Olímpico Internacional (COI) baniu os esteroides anabolizantes e similares das competições.

Em paralelo, estudos foram revelando os riscos em jogo. Ainda em 1987, uma pesquisa publicada no periódico da Associação Médica Americana (JAMA) constatou que, entre fisiculturistas e levantadores de peso, os níveis de colesterol ruim LDL disparavam (e os do bom HDL eram derrubados) depois que passavam a injetar o hormônio.

Antes o problema se resumisse ao colesterol. Mas essa foi uma das primeiras evidências de que a droga podia atingir nada mais nada menos que o coração.

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Excesso de testosterona e coração: alto risco

O coração é um músculo. Quando exposto a um estímulo anabolizante, ele também tende a hipertrofiar, ou seja, fica maior e mais espesso”, descreve o cardiologista Silvio Póvoa, do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo.

“No longo prazo, o excesso de testosterona faz com que o tecido cardíaco perca suas características fisiológicas saudáveis e se enfraqueça gradativamente”, afirma o médico. É assim que se instala a insuficiência cardíaca, uma das sequelas mais graves do uso de esteroides.

“Estudos mostram que metade dos usuários desenvolve disfunções no coração”, expõe Póvoa.

Não é por acaso que deparamos com notícias frequentes de fisiculturistas sofrendo infarto e AVC ou mesmo morrendo precocemente na casa dos 30 anos. O uso abusivo do hormônio repercute tanto nas artérias e no músculo cardíaco que pode ser fatal.

E isso é dose e tempo dependente: quanto mais se usa ao longo dos anos, maior o risco. Mesmo assim, a ciência adverte que não existem limites seguros para um indivíduo saudável.

“É comum a gente ver jovens dizendo que só usam um pouquinho, que não vai fazer mal, mas não é assim que funciona. Independentemente da dose, há risco de desenvolver hipertensão, arritmias, entre outros problemas nos vasos sanguíneos e no coração”, esclarece a cardiologista Edielle Melo, pesquisadora do Einstein Hospital Israelita, em São Paulo.

A médica também destaca que os efeitos negativos ao coração podem ser irreversíveis.

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fonte dos dados da imagem: Windfeld-Mathiasen et al. Circulation 2025 (Ilustração: Eugênio Medeiros/Veja Saúde)

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Como a testosterona afeta o fígado?

O fígado é outro órgão que sofre diretamente com uma enxurrada de hormônios sintéticos.

“Quando um homem adulto aparece com um tumor hepático, sem histórico de alcoolismo e cirrose, a primeira suspeita hoje recai sobre o uso de testosterona”, conta o hepatologista Raymundo Paraná.

Segundo o especialista, condições antes raras como a peliose hepática, problema marcado pelo surgimento de bolsas de sangue no órgão, com alto risco de hemorragia, estão se tornando corriqueiras devido à utilização dessas substâncias.

Outra complicação preocupante é a trombose da veia porta, responsável por transportar o sangue que vem do aparelho digestivo até o fígado.

Doses elevadas de testosterona contribuem para a formação de coágulos que podem obstruir essa estrutura e levar o organismo ao colapso.

Não se trata mais de casos isolados. Grupos de hepatologistas de todo o Brasil estão estarrecidos com o aumento de complicações graves associadas ao uso indiscriminado de testosterona”, lamenta Paraná.

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Rins: prejuízos diretos e indiretos

Para completar a tríade de órgãos mais afetados pelo boom hormonal, entram em cena os rins. Com a missão de filtrar tudo quanto é líquido que flui pelo corpo, eles são prejudicados de forma direta ou indireta pelas doses de testosterona.

“Os glomérulos, as unidades de filtragem dos rins, podem sofrer lesões que levam à perda de sua função”, alerta o médico José Moura Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).

“E uma série de fatores, como a hipertensão, as tromboses e a hipertrofia do coração, também afetam seu funcionamento, podendo levar a consequências sem volta”, completa.

Por tudo isso, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) vive se manifestando efusivamente contra a febre de testosterona, anabolizantes e implantes hormonais.

A entidade médica aponta que, para além do que já foi citado, o abuso de hormônios pode levar a infertilidade, acne, queda de cabelo, dependência, lesões ortopédicas…

Em resumo: botar hormônio em campo não é algo irrisório. Tanto é que o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu o uso de esteroides para fins estéticos ou de performance.

Mas, se antigamente quem recorria aos hormônios era só a turma dos competidores e ratos de academia, agora o público é bem mais amplo, e envolve também muitas mulheres.

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Mitos sobre testosterona em mulheres

É comum muitas mulheres colocarem chips hormonais desconhecendo totalmente a dose de testosterona ou derivados contida ali.

Por isso, não é raro vermos relato do aparecimento de características masculinas, como voz grossa, pelos no rosto e aumento definitivo do clitóris.

Aliás, nessa onda atual de endeusamento da testosterona, propagar que uma “reposição” pode fazer bem a todas as mulheres é a alegação que carrega menos embasamento científico.

“Já começa que é errado dizer que a testosterona na mulher é baixa. Ela está nos níveis ideais para cumprir suas funções”, pontua o ginecologista Lucas Resende, especialista pela Universidade de Uberaba (MG).

Acredite: ao contrário do que se difunde nas redes sociais, testosterona alta na mulher é um problema, não uma solução. Quando há excesso, podem não só ser surgir os traços masculinizantes como indicar também distúrbios hormonais (tipo a síndrome dos ovários policísticos) e até tumores nos ovários.

“Na prática clínica, a gente dosa a testosterona com exames em casos de suspeita de um excesso hormonal, não de falta”, afirma o médico, que desmitifica o tema na internet.

Contudo, o marketing pega pesado: em diversos anúncios, mulheres de 50 anos ou mais são convocadas a “recuperar a energia e o corpo de antes” sob o argumento de que o cansaço, a perda de massa e o ganho de peso se devem a testosterona lá embaixo. “Me mostre uma mulher que não sente isso em algum momento, principalmente nesse período da vida”, indaga Resende.

Testosterona para tratar menopausa?

Outro mito é o de que mulheres precisam repor testosterona na menopausa.

Veja a ironia: profissionais sem conhecimento ou ética têm prescrito o hormônio a essas mulheres justamente numa fase em que os níveis de testosterona endógena estão proporcionalmente mais elevados.

“Enquanto o estrogênio vai praticamente a zero, a testosterona natural cai bem menos, o que provoca mudanças no corpo feminino”, explica a médica Maria Celeste Wender, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

“Menos cabelo, aumento da barriga, redução das mamas, dos quadris e dos glúteos: repare que essas transformações lembram justamente o padrão de corpo masculino”, prossegue a médica.

Uma forma de contornar esse desbalanço é a reposição hormonal, sim — mas a de estrogênio, e, quando indicado, junto à de progesterona. A testosterona nunca entra no pacote para tratar sintomas da menopausa!

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Mai um erro difundido por aí é receitar implante de gestrinona (o “chip da beleza”) com o objetivo de controlar a endometriose e outras disfunções.

“Ela é uma das opções menos eficientes e com mais efeitos colaterais, fora que implantes manipulados não são uma via de administração estudada e segura, pois não se sabe como o hormônio vai ser liberado e absorvido”, alerta Resende.

Reposição de testosterona: quando é indicada e segura

Mas, afinal, então quem realmente tiraria proveito da reposição de testosterona aos olhos da ciência?

Bom, só existe uma indicação validada e segura para os homens: o hipogonadismo.

Vamos lá: diferentemente do que muita gente fala por aí, os membros da ala masculina produzem testosterona até o fim da vida — pois é, andropausa é outro mito! A quantidade do hormônio pode até oscilar, mas raramente despenca a ponto de precisar repor.

Porém, uma pequena parcela dos homens encara alguma situação que faz o corpo parar de produzir testosterona, e isso tem reflexos na qualidade de vida.

“A gente só dosa esse hormônio quando existem sintomas que indicam a condição, não é um exame de rotina”, elucida Hohl, um dos autores da nova diretriz nacional de hipogonadismo, formulada em conjunto pela Sbem, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a Associação Brasileira de Medicina e Saúde Sexual (ABEMSS).

Infelizmente, hoje muitos médicos prescrevem reposição fora dos critérios. “É uma má prática: o profissional vê um paciente com 400 ng/dl e receita testosterona alegando que o ideal é ter a partir de 800 ou 1 000 ng/dl”, expõe o endocrinologista.

Por isso, o novo documento estabelece parâmetros objetivos para o diagnóstico da doença: níveis abaixo de 264 ng/dl em duas dosagens configuram deficiência; entre 264 e 350 ng/dl exigem investigação; e acima de 350 ng/dl já descartam o diagnóstico.

“Nossa diretriz definiu o corte baseado nas melhores evidências disponíveis”, reforça o também professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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Para repor testosterona de forma segura, é preciso seguir esse passo a passo acima. (Ilustração: Eugênio Medeiros/Veja Saúde)

O especialista também observa que a maior prevalência de obesidade e diabetes tem tornado mais comum o que se chama de hipogonadismo funcional: uma queda temporária na produção de testosterona provocada por essas condições. Mas, quando se trata a causa, os níveis tendem a normalizar.

“E temos como alternativa um remédio que estimula a hipófise a aumentar a produção natural de testosterona pelos testículos”, diz Hohl.

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Aumentar a testosterona com suplementos é possível?

Por falar em dar um gás à fábrica, convém derrubar outra lenda: nenhum alimento ou suplemento isolado eleva consideravelmente as taxas do hormônio.

“Os suplementos mais associados a esse efeito, como tríbulos terrestres, ashwagandha ou feno-grego, não demonstram resultados clínicos consideráveis na maioria dos trabalhos, que resultam em efeitos pequenos, muito heterogêneos e inconsistente”, pontua o nutricionista Thales Faccin, especializado em fisiologia e bioquímica.

E vale destacar outro mito: consumir alimentos como soja, tofu ou edamame não “feminiliza” os homens e nem reduz a testosterona.

“Uma meta-análise que avaliou mais de 40 estudos mostra que a ingestão de proteína de soja e outros alimentos que contenham isoflavonas, como esses citados, não altera os níveis de testosterona total, livre, estrogênio ou SHBG em homens saudáveis”, pontua Faccin.

“Ou seja, a narrativa de que a ‘soja sabota a testosterona’ carece de fundamentação sólida”, conclui o especialista.

Sabe o que ajuda de fato? Praticar exercícios regularmente. O que é um conselho positivo para todos.

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E para mulheres, há reposição de testosterona segura?

Apenas em um contexto: o desejo sexual hipoativo, ou seja, baixa libido pós-menopausa.

“Eu brinco que flores e um beijo demorado do companheiro funcionam mais que testosterona”, diz Resende. “A sexualidade feminina é complexa, mais relacionada a aspectos comportamentais. Mesmo nos estudos que validam o uso da testosterona nessas circunstâncias, o resultado é modesto, aumentando uma relação sexual por mês”, justifica o ginecologista mineiro.

Aliás, as doses seguras para reposição nesse caso são baixas e não interferem no ganho muscular.

Se a testosterona prescrita faz a mulher ficar mais forte e trincada, pode apostar que vem em dose de bomba, com seus inúmeros riscos.

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Panaceia hormonal perigosa

No fim, a verdade é que, em um cenário em que tratamentos amparados em ciência disputam espaço com falácias, pílulas e implantes mágicos, vivemos uma guerra de narrativas. E as vítimas somos nós, os pacientes.

Médico que aplica implante manipulado não faz isso para promover saúde, faz porque dá lucro”, crava Macedo. “Ele compra o chip por 500 e vende a 5 mil reais. Se colocar dois por dia, ganha 200 mil por mês, um salário muito acima da média dos médicos sérios”, completa.

A maioria desses profissionais se autointitula “hormonologistas” ou “moduladores hormonais”. O problema é que isso nem sequer é uma especialidade reconhecida. Médico que lida com hormônio é o endocrinologista.

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Mas, numa sociedade que vê corpos sarados como símbolo de bem-estar, a testosterona flutua na lei da oferta e da demanda.

“Eu queria ser admirado não apenas pelo físico, mas pela imagem de disciplina, de alguém acima do padrão”, conta Matteus Caroni, de 23 anos, que começou a tomar esteroides aos 18. “Eu sabia dos riscos, sempre soube, mas subestimava.”

Nos três anos em que fez uso, Caroni foi ao fundo do poço algumas vezes, sofrendo com bulimia nervosa, compulsão alimentar e abuso de medicamentos.

No seu corpo? 900 mg de testosterona, 400 mg de deca, 300 mg de trembolona e 60 mg de dianabol. “Eu me sentia um monstro. Brincava com meu corpo como se fosse um laboratório”, relata.

Após tentativas frustradas de parar, ele só encerrou esse capítulo de vez após uma pessoa em situação de rua tentar lhe vender exatamente um dos anabolizantes que injetava.

“Eu já estava frágil, vivendo episódios depressivos, e caiu a ficha de que eu não sabia nem de onde vinha o que eu injetava no corpo. Bateu o choque e parei de usar”, recorda. Após um ano limpo, ele nunca se sentiu tão livre e feliz.

Ora, querer se sentir bem é superlegítimo. Só que não há shape ou receita ideais. Cada corpo é único. E a melhor forma de cuidar dele não é seguir o que é festejado por aí, mas o que diz a ciência.





Fonte.:Saúde Abril

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