Além de ser um famoso analgésico, a aspirina é estudada e utilizada desde o século passado em algumas doenças cardiovasculares, especialmente por seu efeito contra a formação de coágulos.
Aqui, vale lembrar que parte importante do nosso sangue é composta por plaquetas, que previnem grandes sangramentos e ajudam na cicatrização de feridas. Pois a aspirina atua impedindo que essas células fiquem “grudadinhas” e atrapalhem o fluxo sanguíneo.
Por isso, ela é uma aliada na prevenção de ataques cardíacos (que geralmente envolvem vasos sanguíneos entupidos por coágulos) em pessoas que já sofreram alguma encrenca no coração.
As diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) orientam a utilização adequada da medicação, especialmente no tratamento da síndrome coronariana, quadro caracterizado pela tal obstrução na circulação de sangue para o órgão, tanto crônica quanto aguda.
Nos últimos 70 anos, a ciência continuou a fazer o seu trabalho de investigar o quão efetivo é o uso do fármaco no contexto cardiológico. Pesquisas recentes mostram que o tema segue em efervescência — com o perdão do trocadilho, já que esse é seu modo famoso de administração.
A aspirina foi destaque na última edição do congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC, em inglês), realizado recentemente em Madri, na Espanha.
Destacamos alguns trabalhos apresentados no evento a seguir:
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Estudo brasileiro
Ao mesmo tempo em que age inibindo a formação de coágulos que podem entupir uma artéria, a aspirina também pode aumentar o risco de sangramentos.
Por isso, o acompanhamento próximo dos pacientes e as investigações na área são tão relevantes. Neste sentido, um estudo clínico do Brasil foi reconhecido no congresso europeu.
A análise liderada pelo Einstein Hospital Israelita, em parceria com o Ministério da Saúde, versou sobre uma das indicações do uso de aspirina na cardiologia: o tratamento pós-infarto, que considera a combinação do analgésico com outro medicamento mais potente que evita que as plaquetas fiquem “grudadas”.
O que os cientistas queriam saber?
Após o infarto, pode ser necessário colocar, por meio de um procedimento chamado angioplastia, um aparelho chamado stent, que nada mais é que um tubo pequeno de metal que atua expandindo a artéria e impedindo o bloqueio do vaso sanguíneo.
Os pesquisadores avaliaram, então, se seria seguro suspender a aspirina no cenário descrito acima, lembrando que isso pode ser interessante pelo risco de sangramento do fármaco.
Para isso, acompanharam ao longo de um ano mais de 3,4 mil pacientes com síndrome coronariana aguda, que consiste em uma emergência médica e descreve um conjunto de condições que podem resultar no bloqueio repentino do fluxo arterial para o coração.
De acordo com estudos anteriores, aliar aspirina aos medicamentos anticoagulantes por alguns meses seria um bom negócio para proteger o peito de um novo piripaque. Restava saber se ela poderia sair de cena logo após o infarto. Sendo direto: não parece a melhor escolha fazer essa mudança, de acordo com o que foi observado.
Sim, a retirada antecipada resultou em uma redução marcante nos sangramentos, com uma incidência de 2% no grupo que não utilizou aspirina, em comparação a 4,9% no grupo que manteve a terapia dupla.
Mas as vantagens param por aí… Ajustar o protocolo padrão também provocou mudanças na proteção contra eventos cardiovasculares graves. Na lista podemos citar infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
“O artigo confirma que a monoterapia antiplaquetária, ou seja, o não uso da aspirina, reduz sangramentos, mas ainda não alcança a segurança necessária para substituir completamente a estratégia padrão nas primeiras semanas ou meses após o infarto”, explica Pedro Lemos, diretor do programa de cardiologia e pesquisador do Einstein, autor sênior da publicação, em nota.
O estudo envolveu 50 centros hospitalares de diversas regiões do Brasil. Os achados foram publicados no prestigiado New England Journal of Medicine (NEJM).
A outra face da aspirina
Ela é vilã, ela é heroína? Ela tem um lado que não que não conhecemos tão bem? No universo científico, as nuances são um pouco mais complexas do que a trama da novela das nove. Lembra do tribunal da comida?
O outro grande estudo apresentado no congresso da ESC aborda a forma crônica da síndrome coronariana. Os pacientes com o agravo apresentam um estreitamento ou, de maneira mais simples, um tipo de aperto nas artérias do coração. Isso faz com que haja uma redução no fluxo sanguíneo e a manifestação de sintomas como dor no peito e falta de ar.
Além de infarto, as complicações incluem arritmias e insuficiência cardíaca, com risco de morte súbita. Ela por si só, porém, não se trata de uma emergência médica. “Na síndrome coronariana crônica, não temos a mesma pressa e a mesma urgência de tratar o indivíduo como na forma aguda”, afirma o médico Rogério Sarmento Leite, presidente da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI).
O estudo, que avaliou quase 900 pessoas, apontou que o uso de aspirina aumentou o risco de eventos cardiovasculares, sangramento grave e morte em portadores da síndrome crônica considerados de alto risco, que já haviam sido submetidos a implante de stent e estavam recebendo anticoagulação oral crônica de longa duração.
O trabalho, que conta com a participação de experts de diversas instituições renomadas da França e de 51 centros de pesquisa, também foi publicado no New England Journal of Medicine.
Após um acompanhamento de pouco mais de dois anos, o estudo foi interrompido antes do fim por recomendação do Conselho Independente de Monitoramento de Segurança de Dados devido à mortalidade por todas as causas observada no conjunto aspirina.
Na avaliação do cardiologista do presidente da SBHCI, os ensaios acrescentam novas evidências científicas sobre o tema e não são comparáveis entre si, considerando que são cenários e regimes farmacológicos diferentes.
“Nesse estudo também foram testadas situações diferentes, como anticoagulação administrada por via oral. São remédios mais potentes, que mexem em outra via da cascata da coagulação”, resume Leite.
Os achados podem ser considerados em futuras diretrizes da ESC.
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Fonte.:Saúde Abril