A presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso, Clóvis Arantes, ingressou com uma ação civil pública (ACP) contra o vereador Rafael Ranalli (PL), de Cuiabá, por transfobia e discurso de ódio. O processo foi protocolado com o apoio da Defensoria Pública do Estado, que pede indenização de R$ 400 mil por dano moral coletivo.
A medida é uma resposta a declarações consideradas transfóbicas feitas por Ranalli ao defender a Lei Municipal nº 7.344/2025, de sua autoria, que proíbe a participação de atletas trans em competições femininas.
A norma é alvo de questionamento no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por suposta inconstitucionalidade, já que trataria de matéria de competência exclusiva da União.
De acordo com a ação, o vereador teria ridicularizado pessoas trans e promovido discurso de ódio em entrevistas concedidas à imprensa local. Ao site MídiaNews, Ranalli afirmou: “Não é justo que o João vire Sheila para competir com a Maria.”
Segundo Clóvis Arantes, a fala reduz a identidade trans a um mero capricho, com o intuito de ridicularizar e invalidar a condição existencial dessas pessoas.
Em outra ocasião, ao RDNews, o vereador comparou atletas trans a vermes ao criticar a ação civil pública: “Quando você toma vermífugo, geralmente os vermes se debatem.”
Para o movimento LGBTQIA+, a declaração carrega evidente carga de desumanização e reforça preconceitos estruturais contra a comunidade trans. “Essas manifestações extrapolam os limites de qualquer crítica política ou debate legislativo, configurando verdadeiro discurso de ódio, com o intuito deliberado de rebaixar pessoas transgênero”, destacou Arantes.Posição da Defensoria Pública
A Defensoria Pública endossou integralmente a ação e sustentou que o valor pedido tem caráter compensatório, punitivo e pedagógico. O objetivo é reparar os danos morais coletivos e inibir novas manifestações discriminatórias por parte de agentes públicos. A instituição também destacou que discursos de ódio proferidos por autoridades eleitas têm maior potencial lesivo, pois legitimam práticas de exclusão e violência simbólica.
A lei 7.344/2025 proposta por Ranalli ainda não entrou em vigor, pois é alvo de ação de controle de constitucionalidade no Tribunal de Justiça.
Segundo a Defensoria e entidades de direitos humanos, a norma viola direitos fundamentais e invade competência legislativa federal, uma vez que políticas esportivas e de identidade de gênero são matérias nacionais.
Contudo, o vereador ainda não foi citado judicialmente. Assim que for notificado, terá 15 dias úteis para apresentar defesa prévia à Justiça. Nessa etapa, poderá contestar o mérito, alegar imunidade parlamentar ou tentar extinguir a ação por ausência de dano comprovado.
Por envolver direitos fundamentais e possível discriminação, o caso deve ser encaminhado ao Ministério Público Estadual (MPE).
O órgão poderá endossar a ACP, pedir diligências adicionais ou até oferecer denúncia criminal, já que a transfobia é equiparada ao crime de racismo, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2019.
Se a Justiça aceitar a tramitação da ACP, o processo entra na fase de instrução probatória, com reunião de provas, depoimentos e vídeos.
Caso o pedido seja julgado procedente, o vereador poderá ser condenado a:
- Pagar R$ 400 mil por dano moral coletivo;
- Retratar-se publicamente;
- Participar de ações educativas sobre diversidade e direitos humanos;
- E, em ação criminal paralela, responder por crime de ódio, com pena de até 5 anos de prisão (Lei nº 7.716/1989).
Mesmo sem condenação, o caso pode ter efeitos políticos. Se houver denúncia criminal, Ranalli poderá enfrentar processo ético na Câmara Municipal de Cuiabá, sujeito a censura, suspensão ou cassação de mandato, conforme a Lei Orgânica do Município.
A tramitação de ações desse tipo pode levar de seis meses a dois anos em primeira instância. Decisões podem ser recorridas ao TJMT, STJ ou STF.
Outro lado
Por meio de nota, o vereador e policial federal Rafael Ranalli (PL) afirmou que ainda não recebeu citação judicial e, portanto, não tem conhecimento formal da ação.
Ele defendeu que a Lei nº 7.344/2025 é “um marco do mandato” e que Cuiabá é a primeira capital do país a legislar sobre o tema.
Segundo Ranalli, a proposta tem fundamento científico e suas falas tiveram caráter pedagógico, não ofensivo: “O que se defende na lei não é ideologia, mas realidade científica. O objetivo é garantir que a categoria feminina permaneça justa e equilibrada, sem vantagens biológicas.”
O parlamentar disse ainda respeitar todas as opções sexuais e escolhas individuais, afirmando que seu mandato busca “proteger o esporte feminino e assegurar justiça nas competições”.
Fonte.: MT MAIS