A condição é a mesma para entrar numa sala de aula —deixar os celulares guardados e no modo silencioso. O ímpeto de fotografar e filmar será grande, mas, acredite, não adianta tentar. A menos que você tenha megacâmeras com lentes especiais, observar o céu noturno do deserto do Atacama, no Chile, é uma oportunidade apenas para os olhos.
Mas não precisa se preocupar. Em pouco tempo, ninguém vai fazer nada além de olhar para cima e aproveitar a experiência, na qual é possível ver não só estrelas, mas constelações inteiras —como o Cruzeiro do Sul e a Centauro—, nebulosas —como a de Órion— e galáxias além da Via Láctea.
O deserto do Atacama é considerado o melhor lugar do mundo para observar o céu à noite, tanto por guias de viagens especializados quanto por instituições como a DarkSky International, uma organização americana sem fins lucrativos voltada ao combate da poluição luminosa.
Isso se deve a uma série de fatores, como a altitude —2.500 metros acima do nível do mar—, a baixa umidade, que leva à ausência completa de nuvens —é o deserto mais árido do mundo— e a baixa luminosidade urbana —San Pedro de Atacama, cidade base para os hotéis e ponto de partida das excursões pelo Atacama, tem apenas 3.000 habitantes.
A vista a partir dos hotéis já é privilegiada. Alguns são projetados especialmente para aproveitar essa condição, caso do Awasi, que tem áreas em comum, inclusive o restaurante, a céu aberto.
No entanto, se quiser tirar o máximo proveito do fenômeno, há excursões que levam a pontos de observação estratégicos, ainda mais altos e afastados cerca de 20 quilômetros do vilarejo.
É importante notar que o passeio não ocorre durante quase metade do mês, nas semanas em que a Lua se encontra nas fases cheia ou quarto minguante, para evitar que a luminosidade dela prejudique a observação. Antes de planejar uma viagem, portanto, é preciso checar o calendário lunar.
Em geral, a excursão, que tem duração aproximada de três horas, é dividida em quatro etapas —o translado do hotel ao ponto de observação, um pequeno ensaio fotográfico e uma aula sobre astronomia, a observação em telescópios e um pequeno jantar em um domo aquecido. O preço médio é de 55 mil pesos chilenos, hoje equivalentes a R$ 310.
A segunda etapa, quando o guia faz dois ou três registros de cada turista com uma câmera especializada, parece ser oferecida estrategicamente no início do tour para que, em tempos de Instagram e TikTok, ninguém se preocupe com fotos e possa prestar atenção à aula que será dada em seguida.
Ela compõe, aliás, a maior e também mais interessante parte do passeio. Só olhar para cima e observar aquela beleza já é encantador por si só, mas aprender a identificar o que se vê enriquece a experiência e faz dela algo muito diferente do que se oferece em passeios semelhantes no Brasil.
Nem todo mundo, afinal, se lembra das aulas de astronomia e sabe diferenciar cada astro. Com a ajuda de um laser de alto alcance e de um mapa do céu, os condutores do tour mostram não só onde está cada constelação ou galáxia, mas ensinam como os navegadores usavam o céu para se orientar. Em seguida, o grupo se dirige aos telescópios para ver os principais planetas do Sistema Solar.
Essa terceira etapa pode divergir de tour para outro, com mais ou menos equipamentos à disposição do turista, mas o que a reportagem testou, da Astrocoya Atacama, oferecia dez telescópios profissionais, já posicionados nos planetas alvo da observação.
O espanhol pode ser um problema para aqueles que não são tão familiarizados com o idioma, já que a excursão não é conduzida em português ou mesmo em inglês, mas ninguém se irrita caso precise repetir algo para que todos possam entender.
O frio também pode ser difícil de enfrentar, já que os termômetros podem chegar a graus negativos mesmo fora do inverno. Há aquecedores espalhados pelo local, mas sozinhos eles não são suficientes. Vale, portanto, se agasalhar com muitas camadas, além de usar luvas e meias térmicas.
No fim, a impressão é de que, muito além de ter conhecido aquele que é considerado o céu mais bonito do mundo, pôde-se aprender muito sobre astronomia. Mesmo que seja difícil ver os astros em cidades poluídas como São Paulo, passa a ser automático tentar aplicar os conhecimentos adquiridos ali em outros lugares. Observar o céu à noite nunca mais será a mesma coisa.
Fonte.:Folha de S.Paulo