Nascida em São Paulo há 32 anos, Isabella Cêpa se transferiu para a Europa há aproximadamente um ano. Em 10 de junho, solicitou o status de refugiada [o nome do país não será informado na reportagem a pedido da Isabella, que alega questão de segurança]. O pedido foi aceito no dia 25 de julho de 2025.
A partir deste momento, ela passa a ser reconhecida oficialmente como uma cidadã perseguida pelo Estado brasileiro por motivações políticas. O caso tem a ver com falas da ativista sobre a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).
Isabella conta, agora, com proteção e cuidados com o sigilo pessoal equivalentes aos concedidos a refugiados de locais em conflito militar. Não pode retornar ao país e precisou ceder seu passaporte nacional, que será substituído por um documento específico para refugiados reconhecidos internacionalmente.
Publicitária e autodeclarada “ativista anarquista e feminista”, ela responde judicialmente no Brasil por crime de injúria racial. A denúncia tem a ver com uma publicação nas redes sociais feita em 2020 sobre o resultado das eleições municipais daquele ano. Nos vídeos, ela questionava que a “mulher mais votada para a Câmara de Vereadores de São Paulo”, Erika Hilton, “era, na verdade, um homem”, como disse à época. A deputada federal é mulher transexual.
Em janeiro de 2022, Isabella foi informada sobre um boletim de ocorrência por injúria racial contra ela, registrado por Erika Hilton. Com base no documento, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou uma denúncia contra a publicitária, em que alega que “a denunciada, de forma voluntária e consciente, praticou e incitou discriminação e preconceito contra mulheres transgênero e travestis”.
Processo de Erika Hilton prossegue mesmo com pedidos de arquivamento
Isabella Cêpa sentiu o impacto da denúncia em sua vida pessoal e em suas atividades profissionais. “Perdi 11 mil seguidores em um dia e passei a receber ameaças diárias de morte”, declarou, na época, à Gazeta do Povo.
O caso chegou à Procuradoria da República de São Paulo, que recomendou o arquivamento, alegando que “as declarações imputadas à investigada não se investem de caráter discriminatório, vez que desprovidas de finalidade de repressão, dominação, supressão, eliminação ou cerceamento de direitos de um grupo vulnerável. As declarações não ultrapassam os limites da liberdade de expressão”.
A sugestão foi acatada pela 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo. No entanto, Erika Hilton, já no posto de deputada federal, apresentou uma reclamação constitucional ao Supremo Tribunal Federal (STF), citando uma decisão do órgão, datada de 2019, que iguala injúria racial a homofobia e transfobia.
“Com base no uso ilegítimo e criminoso da manifestação do pensamento, a denunciada passou a atacar e a depreciar mulheres transgênero e travestis”, alegou a integrante do PSOL em sua petição. Procurada pela reportagem, Erika não se manifestou. No início de agosto de 2025, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendou o arquivamento do pedido, mas o processo segue em tramitação no STF.
Brasil está sendo exposto como país em erosão democrática, diz assessoria
Isabella Cêpa concedeu há poucos dias uma entrevista ao jornalista americano Michael Shellenberger sobre a situação envolvendo Erika Hilton, em que afirmou: “Meu caso foi transferido da esfera estadual para a federal, que também recomendou o arquivamento. Ainda assim, o caso segue na Suprema Corte, que agora tem apenas duas opções: admitir que está aplicando uma lei que não existe [a decisão de 2019 de equiparação de injúria racial a homofobia e transfobia] ou me mandar para a prisão. Acho que sei qual será a decisão”.
A ativista conta com o apoio de organizações nacionais e internacionais. “Em 2020, Isabella apenas disse uma verdade factual, e outras mulheres estão passando pela mesma situação, afirma Celina Lazzari, diretora da organização Mulheres Associadas, Mães e Trabalhadoras do Brasil (Matria). A associação enviou uma carta de apoio para o pedido de asilo da publicitária, documento que foi anexado ao processo.
“Nesse mesmo processo da Isabella há outras indiciadas, convocadas a prestar depoimentos por postagens em rede social que não representam qualquer crime de ódio, mas sim críticas válidas ou constatações simples da realidade. Toda essa situação impactou fortemente a vida da Isabella, pois é uma perseguição clara, um abuso de poder político na tentativa de impor a ela e a todas nós uma crença que não tem qualquer base na realidade e que jamais poderá ser imposta à força”.
A assessoria de Isabella Cêpa diz que ela não está autorizada a conceder entrevistas neste momento, mas informa que “ela está segura em um Estado europeu, protegida sob o mais alto nível de proteção internacional existente, reservado apenas a casos extremos de perseguição política comprovada por parte do Estado”.
E argumenta: “Para mulheres ao redor do mundo, este caso representa um divisor de águas. O caminho para o asilo e a proteção internacional deixou de ser teórico: agora ele tem nome, rosto e precedente legal. E o preço dessa conquista histórica é a exposição do Brasil como um Estado em erosão democrática, marcado pela perseguição política e pela censura institucionalizada.
Fonte. Gazeta do Povo