4:54 AM
5 de julho de 2025

audiência de conciliação no STF divide juristas

audiência de conciliação no STF divide juristas

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A decisão proferida na sexta-feira (4) pelo ministro Alexandre de Moraes (STF) determinando audiência de conciliação entre governo e Congresso na disputa sobre o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) consolida uma tendência do STF de recorrer cada vez mais a audiências do gênero envolvendo os poderes da República.

Os casos do STF que passaram por audiências de conciliação incluem as ações contra o governo Bolsonaro questionando as políticas de vacinação contra a covid-19, a ação do governo Lula questionando a lei de privatização da Eletrobras, a ação na qual o ministro Flávio Dino determinou medidas ao governo federal para combate a incêndios na Amazônia e a ação que questiona as emendas parlamentares no Orçamento.

O expediente, controverso entre juristas, se intensificou a partir de 2020, com a edição de resoluções pelo próprio STF criando órgãos internos dedicados à conciliação, de acordo com as pesquisadoras Maria Cecília de Araujo Asperti e Danieli Rocha Chiuzuli, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

Segundo as pesquisadoras, as audiências de conciliação costumam ser usadas quando há conflito entre entes do Estado e seria especialmente frequente nos chamados processos estruturais, definidos pelo advogado Leonardo Corrêa como “ações judiciais que pretendem reformar sistemas inteiros”, pelos quais, conforme critica, “tribunais passaram a escrever planos de governo detalhados”.

Na decisão do ministro Alexandre de Moraes desta sexta-feira (4), na qual marcou a audiência de conciliação, Moraes destacou o fato de que tanto o governo Lula quanto o Congresso (na figura do PL, partido de oposição) propuseram ações um contra o outro na disputa envolvendo o aumento do IOF. Conforme o ministro, esse fato constituiria um “reconhecimento pelos demais Poderes da República da necessidade dessa SUPREMA CORTE exercer sua COMPETÊNCIA JURISDICIONAL para resolver os graves conflitos entre os demais Poderes”. Escreveu ainda que isso não deveria ser confundido com “um suposto e indefinido ativismo judicial”, criticando “discursos vazios de autocontenção do Poder Judiciário”.

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Asperti e Chiuzuli apontam que as audiências de conciliação feitas pelo STF já foram criticadas por diversos juristas no meio acadêmico. Geralmente, o argumento é de que a conciliação pressupõe que as partes tenham a possibilidade de desistir da sua reivindicação jurídica como parte de um acordo, o que não seria o caso das ações que alegam a inconstitucionalidade de uma norma. 

O advogado Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, explica que esse entendimento sempre foi adotado pelo próprio STF: “por versarem sobre matéria de interesse público indisponível, tais ações não comportariam desistência pelo autor — nem tampouco negociação nos moldes típicos da conciliação”.

Já o representante do Congresso, cujas leis têm sua constitucionalidade questionada, não pode desistir, numa audiência judicial, das leis que o Congresso aprovou, o que só pode ser feito votando outra lei para revogar a anterior, com a participação de todos os parlamentares, explicam os juristas. 

Por sua vez, o Judiciário também não poderia abrir mão de declarar uma lei inconstitucional, como explica a juíza aposentada Ludmila Lins Grilo: “A constitucionalidade de uma norma não pode ser objeto de acordo, pois decorre de juízo técnico e vinculante, e não de negociações entre Poderes. Constituição não pode ser objeto de transação.”

A ex-juíza é taxativa: “Ao propor essa audiência, o ministro substitui o julgamento técnico por um acerto político, o que viola frontalmente os princípios do devido processo legal, da imparcialidade e da separação dos poderes.”

Asperti e Chiuzuli afirmam que esse impasse é resolvido tratando apenas de “questões tangenciais” nas audiências: “o STF contorna a análise de mérito acerca da constitucionalidade da matéria em discussão, não colocando sob transação a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade”. Em vez disso, seriam discutidas entre os participantes medidas políticas relacionadas ao objeto da ação, mas fora dos pedidos formalmente apresentados ao STF.  

Chiarottino concorda, e explica que não se trata das audiências de conciliação clássicas previstas em lei, sendo mais propriamente chamadas de “mediação institucional” as que o STF tem promovido. “Essas audiências têm servido como espaço de composição política”, afirma. Para o constitucionalista, não há ilicitude: “Do ponto de vista jurídico, isso é possível — ainda que inovador.”

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Esse argumento, contudo, não convence outros juristas, que enxergam indevida politização do STF.

O advogado e historiador Enio Viterbo afirma que, com a decisão, Moraes se coloca como “Poder Moderador”, em referência à figura constitucional que existia no período do Império e que atribuía ao imperador a função de intervir sobre os outros poderes quando falhassem ou entrassem em conflito.

Ludmila Lins Grilo argumenta que “a função do Supremo Tribunal Federal, nesse contexto, é exclusivamente a de exercer o controle de constitucionalidade das normas, e não facilitar acordos entre os Poderes.” Ela afirma que a audiência de conciliação marcada pelo ministro do STF é indevida por “transformar o Judiciário em instância de negociação política”.

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Fonte. Gazeta do Povo

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