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- Author, Koh Ewe
- Role, De Singapura para a BBC News
- Author, Ade Mardiyati
- Role, De Bali (Indonésia) para a BBC News
Mas também vem deixando cada vez mais pessoas desiludidas, como aconteceu recentemente com Zoe Rae.
“Desde que aterrissamos em Bali, algo parecia estar errado“, conta ela, em um vídeo gravado em julho no seu quarto de hotel e publicado no YouTube.
“Viemos para Bali com muitas expectativas porque havíamos visto todos se divertindo nas redes sociais. Mas, se você tirar uma foto da cafeteria e afastar o zoom, verá qual é a realidade.”
Rae não descreveu a realidade que ela observou, nem respondeu às perguntas encaminhadas pela BBC antes da publicação desta reportagem.
Mas o que ela encontrou foi suficientemente inquietante para que ela reservasse um voo de última hora para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para continuar ali a comemoração do seu aniversário de casamento.
E não é preciso ir muito longe para encontrar pistas.

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As redes sociais estão repletas de publicações sobre “expectativas vs. realidade” em Bali.
São imagens de pessoas comendo em um restaurante junto à praia, observando o pôr do sol. Ao lado delas, pilhas de lixo se espalham ao longo das frágeis escadas que levam para o local.
Em outra foto, uma pose de biquíni em frente a uma cascata, enquanto uma enorme fila de turistas espera sua vez, sobre rochas escorregadias.
Ou smoothies ao ar livre, com canudos de bambu, ao lado de motocicletas soltando fumaça, sem conseguir andar nas ruas congestionadas.
Milhões de pessoas viajam para Bali todos os anos, em busca do Shangri-lá espiritual prometido no livro e no filme Comer, Rezar, Amar (2010). Mas o que elas encontram são multidões de pessoas, trânsito e o barulho das obras, que se intensificaram com o auge do turismo, após a pandemia de covid-19.

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A crescente tensão na ilha provocou muitas queixas e gestos de incredulidade. Mas, em setembro, os acontecimentos tomaram um rumo sombrio.
Mais de uma dezena de pessoas morreram em inundações incomuns na ilha. As autoridades afirmam que a má gestão dos resíduos e o desenvolvimento urbano descontrolado agravaram a situação.
Desde então, o governo local anunciou que irá restringir as novas construções. Mas muitos consideram que estas medidas são insuficientes e chegaram tarde demais.
Como Bali chegou a esta situação, depois de ter sido considerada por décadas o “último paraíso”?
#Bali no Instagram
Aventureiros ocidentais visitam Bali desde o início do século 20. A ilha era considerada um local exótico e afastado, que abrigava templos hindus e campos de arroz.
Em Bali, existe profunda espiritualidade e respeito pela natureza.
Macacos, vacas e pássaros possuem significado sagrado. Os moradores locais acreditam que as grandes árvores antigas abrigam espíritos e que o monte Batur, um vulcão popular e ideal para caminhadas, é protegido por uma deusa.
Bali foi “um dos primeiros lugares onde se falou de utopia, grande beleza e cultura”, afirma a escritora de viagens Gisela Williams. Ela mora em Berlim, na Alemanha, e visita a ilha desde os anos 1990.
“A cultura hindu balinesa foi quem criou este mito local”, destaca ela.
Na última década, o turismo em Bali disparou, passando de 3,8 milhões de visitantes em 2014 para 6,3 milhões, no ano passado.
Em 2025, a ilha aparentemente baterá um novo recorde. Bali está a caminho de receber mais de sete milhões de turistas estrangeiros.
Mais do que pelas suas tradições únicas e seus locais idílicos, a ilha atualmente é mais conhecida pelos seus clubes de praia e casas de surfe.
É fácil conseguir álcool e o uso de menos roupa é mais aceitável em Bali do que no restante da Indonésia, o maior país muçulmano do mundo. E a maioria dos visitantes também quer mergulhar nos luxuosos hotéis, pousadas e spas da ilha.
“Muitos ocidentais realmente aproveitam a acessibilidade de um estilo de vida de luxo”, segundo Williams.
“Desde que as redes sociais tomaram o controle, elas se tornaram uma forma muito superficial de compreender um lugar… Você vê apenas uma foto e viaja em seguida.”

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A desilusão de Zoe Rae com a realidade que encontrou em Bali questiona a imagem idealizada de muitos visitantes ocasionais.
Em resposta à sua publicação, a criadora de conteúdo britânica Hollie Marie, que mora em Bali, alertou em um vídeo no TikTok que “simplesmente pesquisar Bali no Instagram trará uma realidade distorcida da ilha em si”.
“O problema em Bali é que as pessoas vêm para cá e ficam apenas em certas regiões porque querem ver cafeterias bonitas e visitar lugares instagramáveis”, explica Marie à BBC. “E esquecem que Bali é uma ilha culturalmente muito rica.”
As pessoas que vivem ali, ou exploraram além dos lugares mais óbvios, irão dizer que a beleza natural de Bali está viva e radiante, desde o avistamento de golfinhos e explorações submarinas até a exuberante paisagem do norte da ilha, mais tranquilo.
Bali é “muito, muito mais” do que os “lugares de festa” que os turistas costumam visitar, segundo Canny Claudya. Ela se mudou da capital da Indonésia, Jacarta, para Bali.
“Se você acha que Bali está superlotada, é porque não está nos lugares adequados.”

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‘Deteriorando-se dia após dia’
Ainda assim, os moradores locais afirmam que sua ilha mudou, sem dúvida, devido às exigências do turismo. E, quando ouvem queixas de que aquele não é o paraíso que os visitantes esperavam, alguns destacam a ironia desses comentários.
“Quando os turistas dizem que estão decepcionados porque Bali está mais concorrida, eles também fazem parte dessa multidão”, afirma o pesquisador balinês I Made Vikannanda. Ele defende a proteção da natureza e da população da ilha.
“É como quando estamos em um engarrafamento e nos perguntamos: ‘Por que há tanto tráfego?'”, exemplifica ele. “Mas nós estamos em um carro. Somos nós que dirigimos o carro, somos nós que provocamos o tráfego.”
Ni Kadek Sintya, de 22 anos, recorda uma época em que costumava percorrer na sua scooter as tranquilas estradas de Canggu, no litoral sudoeste da ilha, passando pelos arrozais onde parava para comer.
Cinco anos depois, Canggu sofre com alguns dos maiores congestionamentos de Bali. O trajeto de Sintya até seu trabalho, em um resort, é repleto de pousadas e cafeterias. As buzinas de motoristas impacientes a acompanham por todo o caminho.
“Não me dou ao trabalho de parar, muito menos descansar ali”, ela conta.
“Agora, sempre que passo pelo lugar onde costumava me sentar, sinto uma grande tristeza. Sinto que Bali está se deteriorando dia após dia.”

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À medida que o turismo aumenta, os hotéis, cafeterias e bares vão se expandindo a partir do congestionado sul da ilha.
O último destino da moda é Canggu, antes uma tranquila vila de pescadores que passou a atrair surfistas de todo o mundo.
Canggu segue os passos de outros locais da ilha, como Uluwatu e Seminyak, que eram tranquilos, mas se transformaram à medida que os turistas buscam novas “joias ocultas”.
Esta migração fez com que cafeterias da moda, academias e espaços de co-working surgissem ao longo de estreitas rodovias rurais.
Pererenan, no norte de Bali, vem sendo aclamada como um Canggu mais tranquilo. E, ainda mais ao norte, nas florestas de Ubud, complexos turísticos são anunciados como santuários para escapar do rebuliço do sul.
“É uma verdadeira encruzilhada”, segundo Marie.
“De um lado, sempre é bom incentivar as pessoas a visitar diferentes regiões… mas acredito que isso também traz um risco, pois animará as pessoas a construir em todo e qualquer lugar.”
“As pessoas cuidam de Bali meio que como se fosse um parque de diversões”, lamenta ela.

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Não passa um mês sem que turistas mal comportados apareçam nas manchetes da imprensa.
Eles se envolvem em acidentes graves dirigindo motos embriagados ou sem capacete. Há casos de estrangeiros deportados por andar nus em locais sagrados e outros enfrentam problemas causados por brigas sob o efeito do álcool.
Somam-se às recentes tensões os milhares de cidadãos russos e ucranianos que se instalaram em Bali para fugir da guerra.
O diretor da Agência Nacional de Narcóticos da Indonésia alertou recentemente sobre o problema cada vez maior causado pelos russos e ucranianos dedicados a atividades criminosas em Bali.
Limpeza
O ressentimento local vem se agravando e os justiceiros das redes sociais denunciam publicamente os turistas que se comportam mal. Mas os balineses mantêm sua hospitalidade mundialmente famosa.
“Muitos turistas pensam que, como são eles que gastam dinheiro na nossa ilha, nós, moradores locais, deveríamos aceitar tudo o que eles fazem”, segundo Sintya.
Como muitas outras pessoas da sua geração, ela hoje depende da estabilidade proporcionada pela sua carreira no setor turístico.
“Eu me sinto em uma armadilha porque vivemos do turismo”, descreve ela. “Se deixarmos de receber turistas, vamos viver do quê?”

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Apesar do “crescimento descontrolado” do turismo, Vikannanda acredita que “o desenvolvimento de Bali e a harmonia com a natureza ainda podem ser mantidos”.
“Continuo otimista, especialmente com a participação dos jovens”, afirma ele.
De fato, empresas e ativistas colocaram em marcha iniciativas para incentivar o desenvolvimento sustentável — desde a educação sobre a gestão de resíduos até a limpeza das praias.
As autoridades, criticadas por não regulamentar suficientemente o turismo, também estão tentando limpar a ilha.
No início deste ano, Bali proibiu os plásticos descartáveis e publicou diretrizes de comportamento para os visitantes. O objetivo é “garantir que o turismo em Bali continue sendo respeitoso, sustentável e em harmonia com nossos valores locais”.
A polícia foi destacada para as regiões mais populares, para garantir que os visitantes cumpram as normas.

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“O governo indonésio finalmente compreendeu que Bali também é um bem natural, não apenas um mercado turístico a ser explorado”, explica à BBC Maria Shollenbarger, editora de viagens da revista How To Spend It, do jornal britânico Financial Times.
“Bali, em muitos sentidos, é uma prova de fogo para o turismo excessivo”, afirma ela.
“Mas, independentemente do lugar do mundo aonde você for, acredito que é importante que as pessoas tenham em mente que é sua responsabilidade, como turista, comportar-se no destino de forma responsável.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


