Em requerimento ao ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), o Banco Central considera que uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso tem o “potencial para afetar diretamente o SFN [Sistema Financeiro Nacional]”. Também poderia desfigurar “no âmbito nacional” a política da concessão de crédito consignado.
A autarquia pediu para ser amicus curiae da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) impetrada pela Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro). O processo solicita que a legislação estadual seja considerada inconstitucional e que o STF conceda uma liminar a suspendendo. As duas requisições são apoiadas pelo BC.
Amicus curiae, o “amigo da corte”, é figura processual em que uma terceira parte interessada no processo quer subsidiar o magistrado com pareceres e informações. O Banco Central também pede para fazer sustentação oral no julgamento.
No início de novembro, foi aprovado o decreto legislativo 791 em Mato Grosso. A lei determina a suspensão por 120 dias (com possível renovação) dos efeitos dos contratos de cartão de crédito consignado de benefício, crédito direto ao consumidor e outras operações de créditos contratadas por servidores públicos estaduais.
Isso interrompeu, de forma imediata, o desconto das parcelas dos empréstimos nos benefícios dos servidores e o repasse dos valores para as instituições financeiras que têm acordos com o governo local. São 28 empresas que operam com empréstimos consignados, 12 com cartão de crédito consignado e 25 com cartão benefício.
Os bancos estimam 62 mil servidores com contratos em vigor, o que representa 60% dos 104 mil funcionários públicos de Mato Grosso. São cerca de 300 mil contratos ativos, o que representa uma média de 4,83 por pessoa.
Segundo o TCE-MT (Tribunal de Contas de Mato Grosso), a dívida referente a consignados no estado está em cerca de R$ 12 bilhões.
A ação do Consif considera que a legislação estadual viola o princípio da separação de poderes, já que a competência para legislar sobre direito civil e política de crédito é da União. Trataria-se, também, de uma violação ao princípio da proporcionalidade, da livre iniciativa e da igualdade.
Mendonça pediu manifestações ao Banco Central, ao governo de Mato Grosso e à Assembleia Legislativa. Em seguida, remeteu o tema para a AGU (Advocacia-Geral da União).
O Banco Central afirma que a lei, se mantida, pode aumentar o valor das despesas das instituições financeiras, impactando o resultado do exercício dessas empresas. Chama a legislação matogrossense de “oportunista e injustificável”, com capacidade para restringir a liquidez inclusive em outras modalidades de crédito.
“Esse impacto interfere diretamente na avaliação das instituições por investidores e depositantes e pode gerar redução do acesso das instituições a recursos disponíveis no mercado financeiro local e internacional, bem como no mercado de capitais”, diz a peça, assinada pelo procurador-geral do BC, Cristiano Cozer.
Em setembro deste ano, o volume da carteira de consignados no país era de R$ 718 bilhões, representando 10,55% do saldo das operações de crédito em geral do SFN no país (R$ 6,8 trilhões).
Em nota, o governo de Mato Grosso diz que, apesar de ter sido citada pelo ministro Mendonça, não tem relação com a lei.
O Executivo faz parte de polo ativo da ação do Ministério Público que investiga empresas que podem ter lesado servidores em operações de crédito consignado. “O estado tem trabalhado em todos os âmbitos para identificar e punir práticas ilegais ou abusivas que tenham prejudicado servidores públicos ou a Administração”, diz o governo.
Consultada pela reportagem, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso não respondeu aos emails enviados.
Em parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, a justificativa para a aprovação da lei foi resguardar a “dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial dos servidores superendividados, impedindo descontos em folha e cobranças durante o período da suspensão, bem como vedando a negativação dos nomes dos servidores e a aplicação de juros ou multas”.
O texto também citou a necessidade da Controladoria-Geral do estado fazer investigação das consignatárias para que contratos passem por revisão, anulação ou renegociação.
Fonte.:Folha de S.Paulo


