
Crédito, Luiz Silveira/STF
- Author, Leandro Prazeres e Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Os dois primeiros votos no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciados nesta terça-feira (9/9), foram marcados pelas menções a Bolsonaro como líder da suposta organização criminosa que teria tentado dar um golpe de Estado no Brasil e por ironias direcionadas ao presidente americano, Donald Trump.
Na sua visão, o general Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), o general Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e o deputado federal e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL-RJ) tiveram participações menores na tentativa golpista e devem receber penas mais baixas que os demais.
Falta apenas mais um voto para que seja formada a maioria pela condenação.
Também estão sob julgamento o general e ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto; o almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, que fez um acordo de colaboração premiada.
Eles são acusados de crimes como abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano a patrimônio da União e deterioração de patrimônio público.
Os oito negam envolvimento em planos ou ações autoritárias. Delator, Cid diz que apenas recebia ordens e nega responsabilidade na tentativa golpista.
Bolsonaro, por sua vez, alega ser alvo de uma perseguição política. Seu advogado, Celso Vilardi, disse não concordar com os votos dados até agora.
“Acho que as questões preliminares foram muito pouco desenvolvidas, não concordamos com a análise de mérito, mas vamos aguardar a condução do julgamento.”
A sessão foi suspensa no final da tarde e deverá ser retomada na quarta-feira (10/9), pela manhã. O próximo a votar será o ministro Luiz Fux, que deu, ao longo da sessão de terça-feira, demonstrações de que pode divergir dos dois primeiros votos.
Já no início do voto de Moraes, ele interrompeu o ministro. Isso ocorreu quando o relator negava questões preliminares levantadas pela defesa, ou seja, questionamentos à legalidade do processo que são avaliados pelos ministros antes da análise de culpa ou inocência de cada um.
Entre essas preliminares estão questionamentos sobre a validade da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um dos réus do processo, e sobre a Primeira Turma não ser o foro adequado para o processo ser julgado — as defesas argumentam que isso deveria ocorrer na primeira instância da Justiça ou no plenário do STF.
Quando o STF aprovou a abertura do processo contra Bolsonaro, Fux defendeu que o julgamento não deveria ocorrer na Primeira Turma. Naquele momento, ele votou pela validade da delação, mas disse que analisaria melhor esse ponto ao longo do processo, indicando que pode mudar sua posição agora.
“Só pela ordem, excelência. Vossa excelência está votando as preliminares: eu vou me reservar o direito de voltar a elas no momento em que apresentar o meu voto. Desde o recebimento da denúncia, por questão de coerência, eu sempre ressalvei ter ficado vencido nessas posições”, disse Fux, ao interromper Moraes.
Apóso voto de Fux, será a vez de Cármen Lúcia e do presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin. A previsão é de que o julgamento seja finalizado na sexta-feira (12/9).

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O papel de liderança de Bolsonaro, segundo Moraes
A sessão da terça-feira começou com o voto de Alexandre de Moraes. Antes de anunciar se votava pela condenação ou não dos réus, Moraes rebateu as questões preliminares levantadas pelas defesas.
Entre os questionamentos levantados pelos advogados, o principal era o pedidos de anulação da delação de um dos réus, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid.
Segundo ele, as defesas dos réus “beiraram” a litigância de má fé, que é quando advogados utilizam o direito de defenderem seus clientes usando subterfúgios mal-intencionados, e rechaçou a tese levantada pelas defesas de que Mauro Cid teria apresentado oito versões diferentes em depoimentos prestados às autoridades, o que indicaria uma contradição em sua delação.
“As defesas insistem e confundem os oito primeiros depoimentos dados sucessivamente […] com oito delações contraditórias. Isso foi reiteradamente dito aqui como se fosse verdade. Isso beira a litigância de má-fé”, disse o ministro.
“Não há nem oito, nem nove e nem catorze delações”, afirmou Moraes.
O que marcou, no entanto, o voto de Moraes foi o foco na suposta atuação de Jair Bolsonaro como líder da organização criminosa por trás da suposta tentativa de golpe de Estado.
Moraes acolheu a tese da Procuradoria-Geral da República (PGR) segundo a qual Bolsonaro e integrantes do governo, entre militares de alta patente, atuaram para se perpetuar no poder apesar da derrota eleitoral em 2022.
“Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa, constituída por um grupo político, não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa constituída por um grupo político liderado por Jair Bolsonaro não sabe que é um princípio democrático e republicano a alternância de poder”, disse.

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Em outro trecho de seu voto, Moraes cita notícias de que ele seria relator de um caso que apuraria uma tentativa de homicídio contra si mesmo e aponta Bolsonaro como líder da suposta organização criminosa novamente.
“É mais um ato executório dos crimes imputados pela Procuradoria Geral da República demonstrando que a organização criminosa, em unidade desígnios, divisão de tarefas, com um líder, Jair Bolsonaro, pretendia realmente impedir que o presidente eleito tomasse posse”, afirmou Moraes.
O professor de Direito Penal na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino considerou o voto de Moraes “muito completo e convincente”.
Para ele, o ministro fundamentou bem a ligação do ex-presidente com os atos de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicais insatisfeitos com a eleição de Lula depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
“Vai ser difícil divergir [do voto de Moraes] com qualidade”, afirmou, em referência ao ministro Fux, que já indicou que apresentará um voto diferente.
Na visão do professor, há dois caminhos para um voto divergente: enfraquecer as provas, questionando a validade da delação de Mauro Cid, ou defender uma condenação mais branda, com penas menores.
Para o advogado criminalista, mestre em Direito e professor convidado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), José Vicente Tinoco, o voto de Moraes não chegou a surpreender quem vinha acompanhando o caso, mas foi marcado por sua contundência, inclusive em relação a pontos sensíveis levantados pela defesa como a validade o não da delação de Mauro Cid.
“Foi um voto muito detalhado. Podemos ver isso pelas quase cinco horas de duração. Ele citou diversos elementos de prova e acho que, na mesma medida em que não era um voto mais ou menos esperado, foi um voto muito contundente pela condenação dos réus”, diz Tinoco à BBC News Brasil.
Tinoco avalia que as interrupções de Fux ao longo do julgamento desta terça-feira indicam que o ministro possa divergir dos votos proferidos até agora.
“Tanto pelas interrupções quanto pelo fato de ele já ter manifestado discordâncias em outras sessões mostram que ele deverá divergir da forma como o assunto foi votado até agora. Não saberia dizer se ele vai votar para absolver os réus, mas alguma discordância pode surgir.”
Dino rebate Tarcísio e ironiza pressões de Trump: ‘Nem o Mickey’

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Segundo a votar, Flávio Dino rebateu ataques e críticas à Corte. No domingo, feriado da Independência, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que “ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes” e chamou o ministro de “ditador”, ao participar de um ato convocado por bolsonaristas na Avenida Paulista.
Em aparente resposta a essa fala, Dino disse: “Os federalistas nos Estados Unidos, é curioso isso, trataram de como os tribunais são anteparos contra as tiranias. É no mínimo exótico dizer que o tribunal profissional é tirânico, porque é exatamente o oposto”.
Já no final de seu voto, o ministro ironizou as pressões do governo de Donald Trump, que aplicou sanções econômicas ao Brasil e sancionou Moraes com a Lei Magnistky.
Na segunda-feira (08/09), véspera da retomada do julgamento de Bolsonaro, o subsecretário de Diplomacia Pública dos Estados Unidos publicou em suas redes sociais uma postagem acusando Moraes de ser contrário às “liberdades fundamentais”.
Dino afirmou que, apesar das críticas, o julgamento da tentativa de golpe de Estado é “absolutamente normal”.
“Espanto alguém imaginar que alguém chega no Supremo e vai se intimidar com um tweet. Será que as pessoas acreditam que um tweet de uma autoridade de um governo estrangeiro vai mudar um julgamento no Supremo? Será alguém imagina que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar o julgamento no Supremo?”, criticou o ministro.
“Estamos aqui fazendo o que nos cabe, cumprindo nosso dever. Isso não é ativismo judicial, não é tirania, não é ditadura. Pelo contrário, é afirmação da democracia que o Brasil construiu”, reforçou.
Nesta terça-feira (9/9), durante o voto de Dino, a porta-voz do governo dos Estados Unidos, Karoline Leavitt, respondeu a uma pergunta sobre a possível condenação de Bolsonaro dizendo que o país não teria medo de usar seu poder “militar” para proteger a liberdade de expressão no mundo.
“Posso dizer que essa é uma prioridade para o governo. O presidente [Donald Trump] não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos EUA para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”, disse Leavitt.

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Dino considera todos culpados, mas de formas diferentes
Assim como Moraes, Dino considerou todos os réus culpados, mas avaliou que há diferentes níveis de responsabilidade.
Por isso, afirmou, alguns devem receber penas maiores que outros. A dosimetria da pena, momento em que é fixada a punição de cada um, só será definida ao final do julgamento, após os cinco ministros da Primeira Turma se manifestarem sobre a culpa ou inocência dos réus.
Para Dino, Jair Bolsonaro e Braga Netto ocupam a função dominante nos eventos.
“Não há dúvida de que a culpabilidade é bastante alta e, portanto, a dosimetria deve ser congruente com o papel eminente que eles exerciam”.
Por outro lado, Dino afirmou que o general Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), o general Augusto Heleno (ex-chefe do GSI) e Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) tiveram participações menores na tentativa golpista e devem e receber penas mais baixas que os demais.
Ramagem porque saiu do governo em março de 2022 e por isso, segundo o ministro, teria uma “participação de menor importância”.
No caso do general Augusto Heleno, Dino destacou o fato de que ele não participou das reuniões em que Bolsonaro discutiu com o comando das Forças Armadas minutas de teor golpista, prevendo a decretação de Estado de Sítio ou de Defesa no país.
“Isso também indica uma menor eficiência causal dele”, afirmou Dino.
Além disso, o ministro disse que examinou “com muito, muito cuidado” o caso do general Paulo Sérgio, ex-ministro da Defesa, por considerar “muito consistentes” as teses apresentadas por sue advogado.
No entanto, Dino considerou que houve “eventos muito graves”, citando a nota do Ministério da Defesa questionando a credibilidade do sistema eletrônico de votação divulgada em 10 de novembro de 2022.
Ele citou também as reuniões que Paulo Sérgio participou em que se discutiu as chamadas minutas golpistas. “Minha esposa é testemunha de que um juiz sério sofre, porque um juiz sério tem muita dúvida. E por isso mesmo eu li e reli [a defesa do general]. Mas a nota de 10 de novembro é um libelo acusatório contra a Justiça Eleitoral”.
“A reunião do dia 7 [de dezembro], mas sobretudo a do dia 14 de dezembro, ele convoca [o encontro com os comandantes das Forças Armadas], ele está com a minuta. E não há nada que justifique isso”, continuou.
Embora o general tenha dito ao STF que tentou demover Bolsonaro de ações autoritária, Dino diz que não fica claro se realmente Paulo Sérgio desistiu de uma atuação autoritária por conta própria, ou pela falta de adesão dos comandantes do Exército e da Marinha na reunião de 14 de dezembro.
Segundo Dino, fatores alheios à vontade de Paulo Sergio o levaram à “frustração” do plano.
Para Davi Tangerino, professor da UERJ, Dino foi muito “claro e tranquilo” em seu voto e “surpreendeu” ao propor penas menores.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL