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A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) surgiu na política em meio às manifestações contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015. Advogada e empresária — dona de um motel em Campo Grande (MS) —, a senadora se juntou a grupos pró-impeachment que surgiram naquela época, com forte discurso anti-corrupção.
Nascida em Dourados (MS), ela ficou mais conhecida na capital sul-mato-grossense em meados de 2016 e 2017, quando ajuizou ações populares contra o grupo JBS e o então governador do Estado, Reinaldo Azambuja (na época no PSDB), por um suposto esquema de pagamento de propinas.
Na mesma época, ela também apresentou um pedido de impeachment contra o governador, que não foi exitoso.
Chegou a mandar prender o então prefeito de Campo Grande, Gilmar Olarte (União Brasil), por descumprir uma liminar que obrigava a Prefeitura a disponibilizar professor especializado em educação especial para sua cliente, uma menina de 9 anos com Síndrome de Down.
Oficializou-se na política ao se filiar ao partido Novo ainda em 2017. No ano seguinte, mudou para o PSL, então sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por onde se candidatou ao senado pelo Mato Grosso do Sul como “a senadora do Bolsonaro”.
Embora não performasse nas pesquisas eleitorais, aparecendo sempre com menos de 10% das intenções de voto e nunca entre os três primeiros candidatos, teve a força da legenda e acabou eleita com 16% dos votos válidos.
Mas a relação da senadora com o capitão se rompeu, ainda sem uma razão específica para isso, logo depois, entre 2019 e 2020. “O não escutar a opinião, esse foi um dos problemas”, disse ela, em entrevista à BBC News Brasil em seu gabinete em Brasília.
Em 2022, seu partido se transformou no União Brasil, e Bolsonaro foi para o PL. Soraya Thronicke se lançou candidata à presidência, fazendo forte oposição ao ex-presidente, que tentava a reeleição.
Ganhou mais atenção durante os debates eleitorais daquele ano, ao chamar o presidente de “tchutchuca com outros homens” e “tigrão com outras mulheres”, em defesa à jornalista Vera Magalhães, que havia sido ofendida por ele.
E virou meme, ao perguntar ao candidato padre Kelmon Luis Souza (PL), se ele não tinha “medo de ir para o inferno”, e depois o chamando de “padre de festa junina”.
Naquela eleição, ficou em 5º lugar, com 0,5% dos votos.
Em junho de 2023, anunciou sua migração para o Podemos, partido pelo qual ela diz que tentará se reeleger no próximo ano.
Antes “candidata de Bolsonaro”, hoje ela afirma que “se deixou enganar” por ele, e corrige quando é chamada de uma política de direita: “Sou centro-direita.”
Diz acreditar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem “chances” de ser reeleito devido aos “bons índices” do governo, ao passo que o bolsonarismo é uma “seita”.
“Eu fui vítima do gabinete do ódio [termo para designar um grupo dentro do Palácio do Planalto durante a gestão Bolsonaro que supostamente disseminava mensagens difamatórias contra adversários de Bolsonaro]”, disse.
“Eu já era antes de romper com eles. Eles são kamikazes, por isso que eu chamo de seita. Na seita você tem que seguir o líder e não pensar.”

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BBC News Brasil – A senhora foi relatora da CPI das bets, que terminou com a maioria votando pela rejeição do seu relatório que pedia o indiciamento de 16 pessoas, dentre ela duas influenciadoras bem conhecidas, a Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra. Na época, a senhora chegou a falar que “não era pizzaiola”, e que não ia acabar em pizza. Por que então sua posição saiu derrotada?
Soraya Thronicke – Eu entendo que foi uma posição política dos colegas e não técnica sobre o relatório. Eu tive muita dificuldade durante todo o decorrer da CPI e não acabou em pizza, por mais que o relatório tenha sido derrotado, foi por um voto. E foi a segunda vez, num período de dez anos, que um relatório de uma CPI é derrotado. E o que eu entendo? [Há] interesses de parlamentares membros da CPI na questão das bets.
Houve um lobby muito forte e muita gente cedeu.
BBC News Brasil – A senhora acha que as bets controlam o Congresso hoje?
Soraya Thronicke – Não, porque não me controlou, não deu conta de me segurar, não controla muitos de nós. Mas que exerce um poder sobre muitos, isso eu acredito sim.
E diante de tudo que nós investigamos, a gente sabe que há parlamentares envolvidos com bets. Eles se assustaram quando a CPI aconteceu, quando eu consegui, em menos de 24 horas, assinaturas a mais do que o necessário [para a abertura da CPI].
E pessoas que não assinaram viraram membros e trabalharam o tempo todo contra.
Eu não consegui investigar a gama de… que necessitava o caso, justamente por conta desse boicote que eu sofri. E também não consegui a prorrogação da CPI, que era necessário. Então, eu considero que foi uma questão política, mas não acabou em pizza, porque foram apurados crimes e indícios fortíssimos.
Diante desse relatório, obviamente eu tenho que tomar uma atitude porque estou diante de crimes. Eu entreguei o relatório para a Polícia Federal, para a PGR [Procuradoria Geral da República] e também para o Poder Executivo, o próprio ministro [da Fazenda] Fernando Haddad.
Uma vez lá, se engavetar, se não investigarem, se não fizerem nada, a pizzaria é em outro lugar, é outro poder.
Mas a minha parte eu fiz, porque mesmo derrotado, nada impede de ir adiante tudo que foi levantado. E essa derrota para mim, na verdade, foi uma grande vitória, porque foi a derrota que fez com que aparecesse. Foi um susto para a imprensa, foi um susto aqui dentro.
E aqui dentro todo mundo sabe por que derrotado.
BBC News Brasil – Por que foi derrotado?
Soraya Thronicke – Por conta de interesses pessoais nas bets.
BBC News Brasil – A senhora sofreu pressão naquela época?
Soraya Thronicke – Muita. Eu sofri pressão, sofri calúnia…
BBC News Brasil – Ameaças?
Soraya Thronicke – Ameaças.
BBC News Brasil – Que tipo de ameaças?
Soraya Thronicke – “É melhor você parar”, “você não sabe onde você está mexendo”.
BBC News Brasil – Isso de dentro do Senado?
Soraya Thronicke – Dentro e fora do Senado. “Você está sendo seguida”, “fica de olho”, “cuidado”, “é melhor você pegar leve, não indiciar ninguém”.
Foi muito difícil. Teve um parlamentar que saiu me caluniando pelos corredores.
BBC News Brasil – Recentemente saiu uma reportagem no UOL sobre a bancada das bets no Congresso. A senhora acha que a CPI fez alguma diferença?
Soraya Thronicke – Fez. Fez total diferença para dar publicidade a tudo isso. Mostrar para as pessoas o que é isso, a gravidade de algo que hoje é legal no Brasil.
O que a gente faz uma CPI, numa CPMI é muito importante porque tem um cunho pedagógico muito bom. Nós temos limites de apresentação de documentos, porque nós recebemos também muitos documentos sigilosos e nós temos responsabilidade sobre eles.
As pessoas acompanham e ali a gente conscientiza. Então, até hoje todo mundo me pergunta, todo mundo fala e todo mundo vem me falar “eu conheço alguém”, “meu filho faz isso”… E eu comecei a receber uma enxurrada de pessoas pedindo apoio.
BBC News Brasil – É uma epidemia, a senhora acha?
Soraya Thronicke – É uma pandemia. É uma doença mental que nós, brasileiros, os nossos CAPS [Centro de Atenção Psicossocial], o nosso SUS, não estavam preparados para isso. Na verdade, nem sabíamos que isso estava eclodindo.
Nós estamos acostumados a lidar com o vício em bebida, cigarro, drogas. E são vícios evidentes. Você sabe que uma pessoa está sob efeito de álcool, você consegue enxergar, a família consegue perceber.
O cassino está dentro da tua casa, está 24 horas por dia [pega o celular e mostra], e a pessoa está ali.
E muitas famílias foram à bancarrota. Muita gente se matou. É algo gravíssimo. Nós precisamos controlar.
Eu vejo que a regulamentação que está acontecendo ainda é muito fraca. Eu tenho um projeto de lei que está tramitando sobre a proibição de pessoas e animais, seres vivos, fazendo campanha, publicidade ou influência sobre o tema.
Porque se uma pessoa não pode aparecer [na propaganda], quantos pets são famosos e tem perfis? A pessoa vai usar o pet.
Os influenciadores jogam em plataformas manipuladas especificamente para eles, então, ao vivo, eles ficam jogando e ganhando. É algo impressionante e ninguém ganha das bets. Essa é a conclusão que nós chegamos, ninguém ganha das bets, nem mesmo nós como sociedade.
BBC News Brasil – A senhora está propondo agora uma criação de uma nova CPI, para investigar a transferência das responsabilidades das operadoras privadas para o SUS. Como a senhora acha que pode resolver esse problema?
Soraya Thronicke – Essa informação chegou para mim e eu me debrucei sobre ela a partir do momento em que foi designada uma relatoria para mim de um projeto de lei do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), proibindo que as operadoras tomem decisões unilaterais.

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BBC News Brasil – Tem outros projetos nesse sentido e não são aprovados.
Soraya Thronicke – Pois é, mas esse vai passar. Eu já estou com o relatório pronto e até pedi um tempo a mais porque eu pedi inclusive um apoio do atual presidente da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], o Wadih [Damous]. Ele foi indicado para ANS justamente porque na Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor ele percebeu um número absurdo de reclamações em relação a planos de saúde e acabou se dedicando muito ao tema.
E quando eu me encontrei com ele, ele falou “olha Soraya, este é um tema que é muito caro para mim”. E aí eu pedi para ele dar uma olhada no meu relatório e me dizer se ele tem alguma contribuição a fazer, porque toda contribuição é bem-vinda. O presidente da comissão está esperando só eu realmente pedir a data, mas vai andar sim.
Principalmente porque eu descobri situações muito impressionantes, o tanto que planos de saúde devem para o SUS. Pessoas que pagam planos de saúde e tem uma negativa do tratamento de certo problema, elas vão para a fila do SUS e aí o SUS presta este serviço.
São cerca de R$ 16 bilhões a dívida dos planos de saúde com o SUS e pagaram menos da metade deste valor.
Ali também eu percebo que existe um abuso de poucos planos de saúde, que inclusive um deles, um dos maiores, ele que determina os códigos [das doenças].
BBC News Brasil – Qual plano?
Soraya Thronicke – O Bradesco.
O Bradesco faz o seguinte. Essas são as informações que eu tenho, informações que eu obtive da ANS.
Eles determinam entre eles, juntam todos num oligopólio e determinam as próprias regras. E o Bradesco se autorregula. Ele fala “olha, eu determinei que o código para o tratamento de tal doença é o código X e este código não consta no nosso contrato”.
Mas quem tem que regulamentar é a ANS.
[Nota da redação: A BBC News Brasil procurou a Bradesco Saúde, via assessoria de imprensa, que respondeu: “A Bradesco Saúde atua em total conformidade com as normas da ANS e demais regulamentações do setor, com todas as suas coberturas seguindo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde vigente. A operadora mantém sólido compromisso com a qualidade e transparência na prestação de serviços, comprovado em diversas pesquisas de satisfação com seus beneficiários.”]
BBC News Brasil – Mas por que a ANS não regulamenta?
Soraya Thronicke – Essa é uma boa pergunta, que eu tenho que fazer para o antigo [presidente da ANS].
Eu tenho certeza que a partir de agora, como eu conheço o Wadih, e ele tem essa verve muito voltada para o consumidor, eu acredito que ele vai colocar freios.
BBC News Brasil – A senhora acha que as operadoras, assim como as bets, exercem uma influência indevida no Congresso?
Soraya Thronicke – Muito. O dia que eu entrei com o pedido de abertura da CPI, eu já comecei a ser procurada.
BBC News Brasil – Parlamentares ou lobistas estão tentando impedir?
Soraya Thronicke – Lobistas, por enquanto. Na CPI das bets, [foram] parlamentares e lobistas.
E estão exercendo sim uma pressão enorme sobre parlamentares.
BBC News Brasil – A senhora sofreu assédio de um stalker recentemente. A senhora e outras parlamentares. Poderia contar um pouco sobre esse tipo de assédio que a senhora sofreu nos últimos anos?
Soraya Thronicke – Eu sofri algumas situações, xingamentos, durante a campanha de 2018. Mas, a partir do dia que eu fui eleita senadora, na segunda-feira de manhã, eu já estava sendo xingada e hostilizada, injuriada, caluniada.
E sobre este exatamente, eu vou confessar aqui agora, que eu pedi acesso ao processo à Advocacia do Senado, que pediu o acesso à investigação porque ainda está em fase de inquérito. Eu não sabia, não foi uma denúncia minha, porque nós já cansamos.
Eu acho que a Polícia Federal pinçou este porque achou mais grave. Tanto que nem a minha assessoria me conta, uma por uma, porque às vezes são tão graves.
BBC News Brasil – Mas chega por onde?
Soraya Thronicke – Pelas redes sociais, no inbox, no meu e-mail.
BBC News Brasil – Mas é o quê? São fotos que enviam, são ameaças?
Soraya Thronicke – Fotos e todo tipo de palavras que você imaginar. E ameaças também. Ameaças de morte.
Uma muito séria foi a ameaça de morte que eu sofri por um funcionário público de carreira, de um órgão público. Mais de 40 anos de carreira com um salário de R$ 47 mil.
E aí eu fiquei um tempo sem poder pisar na minha cidade natal, que é Dourados. Já tomaram providências e esse servidor já foi afastado.
O principal: [ele enviava as ameaças] do e-mail corporativo. A coragem é tanta, a certeza de impunidade é tanta, que não foi uma, não foram duas, não foram três [ameças]. E ele só ameaçou duas pessoas, eu e o ex-presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
E o próprio presidente falou “você tem que andar inclusive com segurança”. Porque as pessoas estão tão fora de si, dentro de uma dissonância cognitiva coletiva, isso é um surto coletivo de loucura, de achar que pode tudo, de achar que se eu estou no palanque eu tenho que levar pedrada.
E a rede social virou a nova praça pública em que se apedrejam as pessoas até a morte. Uma morte social.
BBC News Brasil – E o que é ser mulher de direita no Congresso?
Soraya Thronicke – Eu sou centro-direita e se precisar tomar atitudes necessárias, que sejam populistas, como foi o caso do auxílio emergencial, eu tomo. Nós estamos vivendo um momento de erros de conceito, de falta de compreensão.
O conservadorismo, o verdadeiro conservadorismo, é o institucional e não de costumes. Porque se você é liberal na economia, você não se importa, o Estado não se importa com o que você faz dentro de quatro paredes, desde que não seja crime.
Então o verdadeiro conservadorismo é institucional, e quem se diz conservador tentou dar um golpe de Estado.
Eu não considero o antigo governo, o governo Bolsonaro, liberal na economia. Poderia ter vendido estatais que servem só de cabide de emprego, que dão prejuízo para o erário, e simplesmente não venderam, foram vender o que era importante.
BBC News Brasil – A senhora até falou recentemente que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é mais liberal que o ex-ministro Paulo Guedes, e que isso era um elogio. Como a senhora avalia, então, o governo Lula?
Soraya Thronicke – Eu avalio mais liberal, porque para mim é muito importante essa questão da economia. Muita gente discorda, mas foi o marqueteiro do Ronald Reagan que lançou isso: se a economia vai bem, tudo vai bem.
Nosso problema também não é dinheiro. Metade do nosso orçamento é destinado para a saúde. O problema é de gestão. Mas lógico que saber gerir e arrecadar bem, arrecadar de forma justa, ter uma justiça tributária, isso tudo é importante.
Então eu vejo que, além de não ter havido uma transição, porque não houve sequer a entrega da faixa [presidencial], algo inédito, não houve uma transição exatamente.
Com quem eu converso [do governo Lula], me dizem que eles [do governo Bolsonaro] sonegaram informações, entregaram tudo de uma forma pífia, não fizeram como deve ser feito.
Então você imagina entrar em um país com mil problemas, você entra sem a transição devida, você tem que arrumar um corpo de gestores e também políticos de um Congresso que vai tomar posse dali a um mês ainda. É difícil.
BBC News Brasil – Mas como a senhora avalia o governo?
Soraya Thronicke – Eu avalio que tem problemas como todos os outros. Eu acho que a articulação começou a melhorar aqui no Congresso. O diálogo começou a melhorar. E eu, o dia que desci do palanque em 2022, e voltei para minha cadeira de senadora, eu atuo com total independência.
Eu sinto que demoraram muito para acordar de algo grave, gravíssimo, que foi a articulação e a deslealdade de quem estava nos comandos de vários ministérios.
Os inimigos estavam dentro da casa deles e isso sempre me indignou. Foram tomar uma atitude tardia, mas antes tarde do que nunca.
Ainda há tempo de consertar. Só que é um trabalho dobrado.
BBC News Brasil – A senhora acha que Lula tem chance de ser reeleito ano que vem?
Soraya Thronicke – Eu acredito que tem. Nós estamos com bons índices. Eu olho números.

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BBC News Brasil – Nós quem?
Soraya Thronicke – Nós, o Brasil. Os índices de desemprego. O que precisa ser feito é algo em relação aos juros. Eu não sou economista, mas apresentei um projeto de reforma tributária e, até onde eu o meu conhecimento pode dizer, os índices econômicos não justificam a taxa de juros.
Sou membro da Comissão de Assuntos Econômicos e o próprio presidente, Renan [Calheiros, MDB-AL], disse que não entende. Nós teremos em breve uma audiência pública com o Banco Central e não virá o [Gabriel] Galípolo [presidente do BC], virão técnicos. Eu gostaria que o Galípolo viesse, porque, como o presidente Renan falou, “as nossas taxas de juros são pornográficas”. Não é um sentimento meu apenas.
Mas eu acredito que [Lula] tem condições [de se reeleger]. Os índices estão bons. A taxa de desemprego é uma das menores, conseguiu aprovar uma reforma tributária que ainda não está em curso, operando, mas conseguiu. Apesar de eu não gostar dessa reforma tributária, eu votei contra o texto base, mas não votei contra por questões políticas.
A PEC 45 [da reforma tributária] foi defendida pelo governo Bolsonaro até o último dia e eles não conseguiram aprovar. Mas quando entrou o governo Lula, o presidente Lula abraçou essa PEC 45, essa reforma tributária que já estava tramitando e tocou. E o que aconteceu? A oposição, que era a favor, ficou contra.
É porque o mito falou, o líder da seita falou, e aí eles fazem.
BBC News Brasil – A senhora pretende apoiar uma eventual candidatura do presidente Lula à reeleição?
Soraya Thronicke – No segundo turno de 2022, eu não apoiei ninguém, fiquei calada, fiquei quieta no meu canto e liberei, como presidente do partido.
Eu não sei o que vai acontecer no ano que vem, o mundo político, a vida, é tudo muito dinâmico. Eu só sei que eu não apoio alguém que seja anti-democrata, ou que se diz, mas não age tal qual.
BBC News Brasil – Tem algum pré-candidato hoje que a senhora apoiaria?
Soraya Thronicke – Eu não apoio ninguém que seja candidato da seita.
BBC News Brasil – Que seita?
Soraya Thronicke – Bolsonarista. Eu não considero o Bolsonaro de direita, nem de extrema direita.
BBC News Brasil – A senhora não apoiaria ninguém que seria indicado ou apoiado pelo Bolsonaro?
Soraya Thronicke – Jamais. Não apoio, porque eu vi, eu conheci de dentro dos bastidores, de dentro da cozinha. Eu conheci o discurso e conheci a prática.
BBC News Brasil – A senhora se sente enganada?
Soraya Thronicke – É… Eu posso ter me deixado enganar. Ele me enganou porque eu permiti. Sim, eu fui enganada, mas eu também permiti, porque a arrogância das pessoas, o ego nosso, a gente tem que cuidar disso, cuidar da questão do ego.
Por que você não pode mudar de opinião? Quando eu vi que o discurso não batia com a prática, aquilo começou a me preocupar. Já na reforma da Previdência, eles disseram que nós iríamos entregar uma solução para a Previdência, veio a reforma, veio a fama de ter sido reformista, de ter feito uma reforma, mas nós não temos a solução, e a conta vai chegar.
BBC News Brasil – Qual foi o momento exato que a senhora rompeu com o Bolsonaro?
Soraya Thronicke – Nós queríamos discutir tecnicamente a própria reforma previdenciária e a discussão não andava. Ninguém ouvia, principalmente ele não ouvia. Eu levei preocupações sobre a MP da liberdade econômica, que eu fui revisora, e falei “isso aqui não traz liberdade. Isso aqui é nada, não revoluciona”.
O não escutar a opinião, esse foi um dos problemas.
Outro problema foi nos incitar contra o STF [Supremo Tribunal Federal]. Todos eles provocaram em nós o que continuam provocando em muita gente.
Quando veio a CPI da Lava Toga, obviamente, pelo conjunto da obra, era, pelo caminhar da carruagem, era para todo mundo assinar.
Depois que eu assinei, a então senadora Selma Arruda (Podemos-MT), o então nosso saudoso Major Olímpio, quando nós assinamos, eles vieram para cima da gente, mandando retirar a assinatura aos gritos.
E eu falei “eu não vou tirar a minha assinatura”. A senadora Selma falou que também não iria e o Major Olímpio também.
Eu fui vítima do gabinete do ódio. Eu já era antes de romper eles. Eles são kamikazes. Por isso que eu chamo de seita. Na seita você tem que seguir o líder e não pensar. Numa seita você não pode dar opinião. Numa seita, você tem que idolatrar a liderança. Você não pensa e você entra numa situação em que você permite ser machucado, maltratado, ter perdas familiares, perdas significativas na tua vida, a perda da sua liberdade – esse pessoal do oito [de janeiro de 2023], está todo mundo preso – e continuar idolatrando a cegueira.
No meu score, dá 98% de votação junto com o governo Lula, porque a maioria dos projetos são projetos que tem um consenso, são projetos bons para o Brasil. E algumas questões realmente são muito sensíveis, e aí você tem que tomar uma atitude.
Mas eu confesso para você que eu não tenho uma opinião formada porque ainda está cedo para pensar nisso. Eu não sei quem são os candidatos.
BBC News Brasil – A senhora pretende tentar se reeleger ao Senado?
Soraya Thronicke – Eu virei para a reeleição.
BBC News Brasil – Ainda é cedo, mas as pesquisas mostram a senhora em terceiro, quarto lugar. Recentemente, a senhora foi vaiada em um show no Estado da senhora. Então a senhora está me dizendo agora que é de centro-direita, não está nem com Bolsonaro, num Estado bolsonarista, como é que a senhora pretende tentar essa reeleição? Conversando com quem?
Soraya Thronicke – Eu duvido dessas pesquisas que foram publicadas porque nós estamos fazendo pesquisas. O meu partido está fazendo pesquisas e está apostando muito. Como aconteceu em 2018, me ignoravam completamente na pré-campanha, durante a campanha e depois. E eu via pesquisas internas dos outros partidos, porque eu tenho amigos e eles diziam “Soraya, você está bombando”.
Eu saí em quinto lugar numa pesquisa no Mato Grosso do Sul na quinta-feira, antes do domingo da eleição. No domingo eu estava eleita. E tem sido assim sempre comigo.
Eles me ignoram, estão tentando me tirar do páreo, já me ofereceram o mundo para eu ser candidata a deputada federal. Eu não quero.

Crédito, Edilson Rodrigues/Agência Senado
BBC News Brasil – Do teu Estado?
Soraya Thronicke – Do meu Estado. Já recebi várias propostas de “olha, você vai se reeleger fácil, nós vamos ajudar”.
Eu não vou fazer isso. Principalmente porque eu já estou trabalhando com pré-candidatos, pessoas que pensam em se candidatar a federal, estadual. Nós estamos trabalhando em parceria e eu conquistei um público novo depois da campanha de 2022.
Existe um público que eu não tinha em 2018, que hoje eu tenho, e são duas vagas para o Senado. E eu consigo ser o voto número um de muita gente e o voto número dois de muita gente e dos dois campos. Eu não sou uma pessoa em cima do muro. Eu tenho os meus posicionamentos muito mais claros do que pessoas que se colocam dentro de um espectro ideológico.
Eu não gosto de utilizar o conceito de liberalismo do Reino Unido aqui no Brasil porque ele não cabe. As condições do nosso país, as condições sociais, nosso país é também muito jovem. Eu não posso fechar os olhos para uma necessidade de 33 milhões de pessoas passando fome.
“Ah, eu vou ser liberal na economia”, quem sempre se disse liberal, agora com essa questão do tarifaço de Donald Trump, veio pedir socorro para o governo. Vieram pedir a mão do Estado.
E sim, o governo trabalhou, mudou a rota de exportação, conquistou novos mercados, conquistou, inclusive, uma simpatia maior ainda. E muitos produtores rurais que acabaram não sentindo o baque do tarifaço — porque o governo se mexeu muito rápido e nós também, nós fizemos a nossa parte — continuam sendo “de direita” [faz aspas com os dedos].
A pessoa de direita é liberal na economia, mas depois ela vem pedir socorro, vem pedir subsídio. É contra o Bolsa Família, mas tem subsídio para plantar. Como é isso?
Se as pessoas me entenderem ou não, eu estou fazendo a minha parte de esclarecer, porque a ignorância é a pior coisa que pode existir. A ignorância pode deixar uma nação fadada ao insucesso. E a campanha de 22 foi por pouco [que Bolsonaro não ganhou]. As pessoas depois de uma pandemia ainda não tinham enxergado.
BBC News Brasil – A senhora acha que a pena do Bolsonaro foi justa?
Soraya Thronicke – Eu estou acompanhando os processos. Eu já assisti a cerca de 250 audiências, depoimentos dos condenados. Para mim, o que importa é se o devido processo legal está sendo respeitado.
BBC News Brasil – A senhora acha que sim?
Soraya Thronicke – Eu vejo que sim. A pena está sendo ok. Ele teve as causas de diminuição de pena que a legislação determina.
E além de tudo, é importante destacar que foi ele que sancionou a legislação que o condenou.
Além de tudo, existe uma determinação de que um juiz não pode fixar uma pena abaixo do mínimo legal. No meu entendimento, e eu estou falando tecnicamente porque eu sou formada em Direito, está tudo muito correto.
Era o que eu esperava, ainda não transitou em julgado, e eu respeito o devido processo legal, jamais irei injuriar, jamais irei xingar. Espero que ele cumpra a pena como tem que ser.
O que me dói são aquelas pessoas que, não são inocentes — elas quebraram essas vidraças aqui, esse gabinete estava tomado de água. Ninguém ali é inocente — mas muitos foram ingênuos.
A política é um jogo de cena, é uma encenação. Tem gente que acredita que um parlamentar está fazendo o seu trabalho e trabalhando porque ele está nas redes sociais o dia inteiro, colocando cortes. Ele entra numa comissão, vai lá, insulta alguém, faz um corte e sai. Ele não se debruça sobre os projetos, ele não sabe no que ele tá votando.
Não sei o que eu vou estar pensando no ano que vem, mas uma coisa é certa: eu venho para reeleição de Senado, eu não abro mão.
BBC News Brasil – Mas um candidato do Bolsonaro, a senhora não apoia?
Soraya Thronicke – À presidência não. Pode estar no partido dele, eu posso fazer uma dobradinha com candidato ao Senado. Eu vou olhar para a pessoa, mas um indicado por ele eu não apoio.
Não quer dizer que eu apoie outro. Pode ser que eu não apoie, que eu deixe livre e cuide do meu mandato e da minha campanha. Eu vou subir em todos os palanques que me permitirem, onde me quiserem, eu estarei, porque eu trabalho para quem gosta de mim, e para quem não gosta de mim.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


