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O Supremo Tribunal Federal condenou na quinta-feira (11/9) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus por golpe de Estado.
Bolsonaro já cumpre prisão domiciliar, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes nos autos do inquérito que apura a conduta do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação da chamada trama golpista e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Ainda assim, Bolsonaro e seus aliados têm afirmado que o ex-presidente será candidato à Presidência no ano que vem. Ao mesmo tempo, Bolsonaro condiciona seu apoio a outra candidatura a uma anistia ou indulto a si próprio, deixando o campo da direita embolado a um ano da eleição.
Para Christian Lynch, professor e pesquisador em Direito, Ciência Política e História do Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), não há interesse dos políticos do chamado centrão em apoiar Bolsonaro.
“Os políticos não querem Bolsonaro porque os políticos, no fundo, não confiam em Bolsonaro, porque Bolsonaro nunca confiou neles”, afirmou, em entrevista à BBC News Brasil.
Por isso, de acordo com Lynch, apenas a família de Bolsonaro quer realmente tirá-lo da inelegibilidade. E, mesmo sabendo disso, diz o professor, o ex-presidente só vai renunciar de uma candidatura na última hora, para “elevar o preço da transferência ao valor mais astronômico possível”.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) radicalizou o discurso durante a manifestação de 7 de setembro na avenida Paulista, criticando a “tirania” do ministro Alexandre de Moraes. Isso já era um reflexo do julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal?
Christian Lynch – O problema do Tarcísio é que ele tem que resolver se vai ser candidato à Presidência, como quer o centrão, ou se vai se candidatar à reeleição em São Paulo.
Ele acha que a reeleição em São Paulo está relativamente garantida. Então ele só vai ser candidato à Presidência da República se ele achar que tem realmente chances de vitória.
E para ter chance de vitória, ele precisa do apoio do miolo direitista do centrão, o que significa que não basta ter apoio da extrema direita do PL. Tem que ter apoio da base do centrão que apoiou o Bolsonaro: União Brasil, Progressistas, Republicanos, não esse centrão que é uma centro-direita, que é o MDB e o PSD.
Ele recebeu uma sinalização do centrão de que o centrão topa ir com ele. Mas existe uma percepção generalizada de que, para ele ter chance de vitória, ele tem que ir ungido por Bolsonaro, o que também significa ser ungido por Silas Malafaia.
E tem os obstáculos mais complicados, que são os herdeiros do Bolsonaro: Carlos, Eduardo e a esposa Michelle. A Michelle não é das primeiras [escolhas], porque Bolsonaro só confia nos próprios genes. Mas a preocupação da família Bolsonaro é perder o domínio da direita, porque eles sabem que, no momento em que Bolsonaro apoiar Tarcísio, e Tarcísio disser ‘sou eu’ [o candidato], se Tarcísio vencer, eles [os Bolsonaro] estão liquidados. Acabou a família Bolsonaro.
BBC News Brasil – Por quê?
Lynch – Porque o espólio de Bolsonaro vai ser transferido para Tarcísio ou para quem vier. Então, das duas uma: ou ele não quer transferir os votos, ou quer elevar o preço da transferência ao valor mais astronômico possível.
Existe essa preocupação que é uma preocupação de natureza política. E Bolsonaro, pessoalmente, a preocupação dele é sair da cadeia quanto antes.
Ele não precisa nem ficar elegível, mas não ficar na cadeia. Então ele vai vender o saco de votos para quem garantir o máximo possível a viabilidade de uma anistia ou que prometa dar indulto.
Ele não vai tirar da família dele esse cabedal de votos que ele tem desde 2018 se não for para alguém que garanta que vai tirá-lo da cadeia e depois, se conseguir tirar da cadeia, reverter a inelegibilidade.
Então ele fica numa situação em que ele não consegue decidir. Ele não sabe o que é mais garantido.
Ele teme apoiar o Tarcísio e depois ser traído. E teme não apoiar Tarcísio e ficar na cadeia se Lula ganhar. E teme apostar em algum dos filhos, e o filho perder sem o apoio do centrão.
Por isso ele vai adiando o máximo possível a decisão final e sempre jogando para cima o preço.
O Tarcísio e o centrão tentaram aproveitar que Bolsonaro está num momento particularmente frágil para mostrar que Tarcísio é o único homem capaz de tirar ele da cadeia.
E toda essa briga não tem a ver imediatamente com o Lula nem com esquerda, é uma briga da direita.
Na cabeça do Tarcísio, se ele consegue a unção de Bolsonaro, ele fica quase imbatível no primeiro turno. E aí não tem para ninguém, nem para Caiado, Zema ou Eduardo [Bolsonaro]. Por isso ele fica radical o tempo inteiro.

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BBC News Brasil – Mas você acha que sem o apoio de Bolsonaro, Tarcísio sai candidato mesmo assim?
BBC News Brasil – E nesse cenário de hoje, com Tarcísio, Caiado, Ratinho Júnior, Zema e Eduardo, o candidato mais forte para Bolsonaro apoiar seria Tarcísio? Porque todos eles já defendem a anistia e o indulto em troca desse apoio.
Lynch – Sim, inclusive alguns deles já dizem que vão conseguir só a anistia, mas não inelegibilidade. Outros já acham que o Supremo vai vetar tudo, então pode prometer para o Bolsonaro tudo também. Então não precisa querer realmente tirar o Bolsonaro de lá.
Até porque, a impressão que eu tenho é que, tirando a família dele, ninguém quer tirá-lo de lá de verdade. O máximo que tiraria seria da cadeia.
BBC News Brasil – Tirar de onde?
Lynch – Ninguém quer tirar da inelegibilidade. Ninguém quer botar ele no jogo. Na melhor das hipóteses, tiram ele da cadeia.
BBC News Brasil – Por quê? Com o Bolsonaro no jogo ele ganha?
Lynch – Não, ele é um problema, porque ele não é confiável para o centrão. Só os reacionários bolsonaristas raiz, ultrarreacionários, esses que cantam hino para pneu, estendem a bandeira dos Estados Unidos no dia 7 de setembro, só esses caras querem Bolsonaro.
Os políticos não querem Bolsonaro porque os políticos, no fundo, não confiam em Bolsonaro, porque Bolsonaro nunca confiou neles.
BBC News Brasil – Então o melhor cenário para o centrão é o Bolsonaro inelegível?
Lynch – Claro. E de preferência na cadeia, desesperado, pedindo benção. E ele sabe disso.
BBC News Brasil – Esse julgamento então já sinaliza as peças que vão se mover em direção à eleição?
Lynch – Sim, mas aí que está. O Bolsonaro não vai resolver agora. Vai deixar para a última hora, para poder botar o preço astronômico pelo apoio dele.
E aí também vai ser complicado, porque vai amarrar o candidato no extremismo.
BBC News Brasil – Mas tem uma questão de tempo aí. Pelo que Bolsonaro diz, ele vai adotar uma estratégia parecida com a do Lula em 2018, de arrastar essa tentativa de candidatura dele até o último segundo. Ao passo que Tarcísio tem até abril para se decidir, porque ele vai ter que renunciar ao cargo de governador, algo que é preciso ser feito seis meses antes da eleição.
Lynch – Isso faz parte dessa estratégia de tentar se vender o mais caro possível. E o que o Tarcísio fez foi mostrar que ele é mais confiável para o Bolsonaro do que o Bolsonaro imaginava.
E é mais confiável do que o Malafaia achava e mais confiável do que o Eduardo Bolsonaro acha. Por isso ele está falando em anistia.
BBC News Brasil: Mas no caso da anistia, fica na mão do Congresso. Quem que o Bolsonaro vai ter que agradar, neste caso?
Lynch – O que todo mundo está querendo, na verdade, é fazer o Bolsonaro apoiar logo o Tarcísio, fazer a campanha, Tarcísio ganha, dá o indulto, o Supremo veta e acabou o Bolsonaro. No fundo é isso, e ele sabe. Ele sabe que está liquidado.
O problema é que é para esses atores da direita e da extrema direita, é a coisa mais fácil do mundo ficar jogando tudo nas costas do Supremo. O Supremo fica sofrendo uma usura danada.
A estratégia da extrema direita, e o discurso do Tarcísio, do [Donald] Trump, do [primeiro-ministro da Hungria, Viktor] Orbán, de [Benjamin] Netanyahu, é tentar vender a democracia liberal, que a gente conhece desde o fim da Segunda Guerra Mundial, como um regime esquerdista.
É transformar a democracia liberal governada por alguém que não seja de extrema direita como um regime fraco. E o Supremo Tribunal Federal, ao invés do guardião das regras do pluralismo democrático, ele é o defensor e garantidor da ditadura esquerdista.
E aí você repara no discurso, no vocabulário, nos conceitos. Ideologicamente, o que eles fazem é dizer que democracia é uma outra coisa, que democracia é o regime da ditadura da direita.

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BBC News Brasil – Mas agora, além do discurso, das ofensas aos ministros, eles têm um aliado muito potente que é o Trump, que está efetivamente agindo, aplicando tarifas às nossas exportações e sanções a ministros. Você acredita que os ministros do Supremo ficarão mais expostos, poderão sofrer novas sanções, após o julgamento?
Lynch – Quero crer que isso é uma maneira de botar medo nos juízes durante o julgamento. Mas eu não duvidaria de alguma coisa assim.
O Brasil vai tomar porrada enquanto o governo Trump estiver com o ânimo beligerante, nesse ímpeto de destruição da democracia liberal que ele tem nos Estados Unidos.
É um governo reacionário. E governo reacionário se pauta por essa ideia de ter um destino manifesto. É uma ideia de contrarrevolução, é um governo contrarrevolucionário. Trata todos os adversários na base da porrada, da violência. Não tem racionalidade. Tudo é convicção apaixonada.
Para eles, tudo aquilo que numa democracia liberal são adversários, são tratados como inimigos. Ou você é amigo, ou você é inimigo. E lugar de inimigo é na cadeia, ou tomando porrada, ou morto.
O que o governo Trump está fazendo em relação ao mundo inteiro, porque não é só com o Brasil, embora aqui a gente tenha uma especificidade [o julgamento de Bolsonaro] é porque ele acredita que os Estados Unidos estão decadentes e que essa decadência é culpa dos governos democratas.
O governo Trump acredita que os governos democratas são orientados por interesses antiamericanos e foram responsáveis pelo enfraquecimento da fibra e da virilidade do povo americano ao longo dessa globalização. E que o resto do mundo aproveitou a fraqueza ou a estupidez dos democratas para abusar dos Estados Unidos nos últimos 30 anos.
Isso significa que, para eles, agora acabou a sacanagem. A narrativa é a de que eles foram agredidos, e o emprego da força, da violência é justificada como se fosse em legítima defesa.

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Trump só respeita outros ditadores de direita. Em segundo lugar, ele respeita ditaduras de esquerda, e depois vem os governantes de democracias.
A tendência dele é tratar governos que não são de extrema direita ou como governos medíocres, fracos, indignos de apreço, ou, se esses países forem governados por alguém de esquerda, ou de centro esquerda, a tendência é tratar como se fosse a Venezuela.
Quando o Trump olha para o Brasil, é como se a extrema direita brasileira seguisse o mesmo padrão dele, encarando o governo atual como um “regime lulista.” É uma inversão, como se fosse uma ditadura e eles estivessem lutando pela preservação da democracia.
O Brasil é uma pedra no sapato dos Estados Unidos, porque é o principal país da região e é um país que está desalinhado. Ele tem razão dupla para atacar o Brasil, porque o Brasil está desalinhado e é [considerado por ele] uma ditadura comunista, como a do Maduro, e, em segundo lugar, porque estão querendo eliminar o único grupo que está comprometido com o projeto do Trump na América do Sul.
BBC News Brasil – Diante do tarifaço, há quem diga que a postura do Lula foi positiva para a imagem dele. Olhando para o ano que vem, e da maneira como as pré-candidaturas estão se formando, acredita que ele seja o favorito?
Lynch – Lula nunca deixou de ser favorito, desde 2002. Tanto é que, em 2018 houve um golpe branco para removê-lo da eleição, porque ele ganharia se fosse candidato. Ainda assim, ele voltou e ganhou de novo em 2022 e expectativa para 2026 é ganhar de novo.
Ele sempre é o favorito.
BBC News Brasil – Por quê?
Lynch – Ele já se elegeu três vezes e elegeu a Dilma duas vezes.
Porque ele tem um recall desde 1989. Ele fez uma porção de coisas, ele está na memória. A popularidade dele é pouco maior, eu acho, do que a impopularidade. E ano que vem ele tem a máquina na mão.
É claro que vai ser uma eleição muito disputada. Mas terá também um bom pacote de bondades, os juros devem baixar…
Mas, por outro lado, teremos um problema se o Lula for reeleito, mas o Congresso continuar cheio de deputado e senador de direita ou de extrema direita, porque aí vai prolongar esse estado meio de paralisia, mas de equilíbrio instável que a gente está vivendo.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL