
Crédito, Reuters
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
O local — alvo de denúncias por superlotação e estrutura precária — já recebeu outros condenados políticos célebres no passado, como o ex-ministro petista José Dirceu e Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.
O destino de Bolsonaro, porém, ainda não foi decidido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator da ação penal em que o ex-presidente foi condenado. Isso acontecerá quando a Corte determinar o trânsito em julgado do processo, ou seja, quando se esgotarem os recursos da defesa, o que pode ocorrer em breve.
Agora, a defesa terá até domingo (23/11) para apresentar um segundo recurso, conhecido como embargos dos embargos.
A atual situação de Bolsonaro
Segundo a criminalista Marina Coelho Araújo, professora do Insper e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, esse segundo recurso pode ser julgado mais rapidamente, apenas por Moraes, caso ele considere que se trata de uma manobra da defesa para adiar o cumprimento da pena.
Nesse caso, é possível que o ministro determine o fim do processo e defina onde Bolsonaro deve ser preso.
“Ele pode julgar [que são apenas] protelatórios e decidir monocraticamente”, disse à reportagem.
Outra opção é ele levar o caso novamente ao plenário virtual da Primeira Turma, o que demandaria mais dias para o julgamento do recurso.
A defesa ainda pode tentar apresentar outro tipo de recurso, os embargos infringentes, que servem para questionar decisões tomadas sem unanimidade.
No entanto, é provável que o Supremo rejeite esse recurso sem nem analisar seu conteúdo. A jurisprudência atual da Corte estabelece que apenas decisões das Turmas que tenham ao menos dois votos divergentes podem ser contestadas por embargos infringentes. E, no caso de Bolsonaro, o placar ficou em 4 votos a 1 por sua condenação.
Atualmente, Bolsonaro está preso preventivamente em sua casa em Brasília e, devido a problemas de saúde do ex-presidente, a defesa deve tentar manter a prisão domiciliar, caso eventuais novos recursos sejam rejeitados.
Collor, porém, chegou a ficar preso poucos dias em uma cela individual, numa ala especial do Presídio Baldomero Cavalcanti de Oliveira, em Alagoas, antes de receber a prisão domiciliar.
Caso Bolsonaro também seja enviado a uma prisão, há dois destinos possíveis dentro do complexo da Papuda. Ou pode ser enviado para uma das cinco unidades gerenciadas pela Secretaria de Administração Penitenciária ou para o 19º Batalhão da Polícia Militar, que fica dentro do complexo e é conhecido como Papudinha.
Esse batalhão tem condições melhores que as prisões da Papuda e costuma receber presos com direito à prisão especial, principalmente policiais militares.
Outra possibilidade é que ele fique preso em uma sala da Superintendência da PF no Distrito Federal, como ocorreu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou 580 dias detido na Superintendência da PF em Curitiba, quando foi condenado na Operação Lava Jato.
O petista foi solto em 2019, quando o STF reviu sua decisão de autorizar o cumprimento da pena após condenação em segunda instância, antes do esgotamento dos recursos. Depois, sua condenação foi anulada em 2021 pela Corte, devido a ilegalidades na condução dos processos na Lava Jato.

Crédito, Defensoria Pública do DF
As condições precárias da Papuda
Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, Moraes enviou uma assessora ao Complexo da Papuda, no início de novembro, para avaliar se há um espaço adequado para receber o ex-presidente. O STF não confirmou nem negou a informação oficialmente.
Já o governo do Distrito Federal (GDF), comandado por Ibanês Rocha (MDB), aliado de Bolsonaro, pediu a Moraes, no início de novembro, que fosse feita uma avaliação médica do ex-presidente para determinar se ele teria condições de cumprir pena no sistema prisional do DF.
Moraes não atendeu ao pedido, considerando que ele não era pertinente no momento. A expectativa é que a solicitação de avaliação médica seja analisada pelo STF apenas após o esgotamento dos recursos, quando for decretado o cumprimento da pena.
O Complexo Penitenciário da Papuda fica a menos de 20 quilômetros da Praça dos Três Poderes, na região administrativa de São Sebastião.
O nome foi herdado da fazenda Papuda, que ocupava o local antes da inauguração da primeira unidade prisional, em 1979.
O folclore local diz que o nome veio de uma moradora da fazenda que sofria de bócio, uma doença que causa o aumento da glândula tireoide.
Atualmente, o complexo tem cinco unidades: o Centro de Detenção Provisória (CDP), destinado a custodiados em regime provisório; o Centro de Internamento e Reeducação (CIR), destinado ao regime semiaberto; e as Penitenciárias I, II e IV do Distrito Federal, voltadas ao regime fechado — já a Penitenciária III está em construção.
O sistema enfrenta problema crônico de superlotação. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária informou à BBC News Brasil, a Papuda possui 8.072 vagas e abriga 14.173 custodiados, ou seja, 75% a mais que sua capacidade.
Relatórios da Defensoria Pública do DF também apontam queixas dos presos sobre a qualidade da comida oferecida e a falta de materiais básicos de higiene e de ventilação. Outro problema é a demora na prestação de atendimento médico às pessoas com comorbidades.
“Nas inspeções que a gente faz, a reclamação número um é sobre a comida, fornecida por duas empresas terceirizadas. Chegam relatos de comida apodrecida”, contou à BBC News Brasil o defensor público Alexandre Fernandes da Silva.
Outras queixas, contou, são banhos de sol e horários de visitas pouco frequentes, além da água do chuveiro, que às vezes vem turva.

Crédito, Defensoria Pública do DF
Coordenador do Núcleo de Assistência Jurídica de Audiências de Custódia e Tutela Coletiva dos Presos Provisórios do Distrito Federal, Silva conhece de perto a realidade da Papuda.
Ele explicou à reportagem que o Centro de Internamento e Reeducação (CIR), destinado a presos em regime semiaberto, também recebe alguns presos em regime fechado, com uma ala especial para policiais e outra para idosos.
Pela “lógica” de funcionamento da Papuda, afirma o defensor, Bolsonaro, por ter 70 anos, seria encaminhado para esta parte do presídio.
Para receber Bolsonaro, o local precisaria ser adaptado, nota o defensor, caso a intenção seja garantir ao ex-presidente condições semelhantes às que foram dadas a Lula em Curitiba.
A cela do petista era uma sala de cerca de 15 metros quadrados adaptada para recebê-lo isoladamente, com uma cama de solteiro e uma mesa.
O ex-presidente tinha também acesso a banheiro privativo e a uma televisão com sinal de TV aberta, mas não tinha ar-condicionado, nem frigobar. As janelas eram do tipo basculante – podiam ser abertas, mas não permitiam uma boa visão de fora.
Já as celas do Centro de Internamento e Reeducação (CIR), na Papuda, são coletivas. Segundo o defensor, o banheiro não possui vaso sanitário, mas uma bacia turca (um buraco diretamente no chão que se usa agachado). Há também chuveiro e pia. Os presos não têm direito à televisão.
Na avaliação de Silva, uma alternativa seria adaptar uma sala da área administrativa da Papuda para Bolsonaro, que ficaria isolado dos demais presos.
“O que a gente espera, enquanto defensoria, é que a preocupação que se tem com a forma de cumprimento de pena dele, que seja estendido ao restante da população”. defendeu.
“É óbvio que, por ser uma ex presidente, há toda uma preocupação legítima, mas essa preocupação poderia ser universalizada [para todos os presos]”, disse ainda.

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‘Papudinha tem condições mais humanas’
O advogado Newton Rubens De Oliveira contou à BBC News Brasil detalhes do interior da Papudinha, outro possível destino de Bolsonaro. Como presidente de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do DF, ele costuma visitar o local para verificar as condições de atuação dos defensores, além de já ter tido clientes detidos no batalhão.
Segundo Oliveira, há celas coletivas e individuais no batalhão da PM, com estrutura e confortos melhores do que nas unidades prisionais da Papuda, local que ele também frequenta como advogado.
“A cela individual da Papudinha é bem diferente de uma cela comum, de grade de aço. São mais condignas, efetivamente. Com a cama comum, daquelas que a gente está acostumado a ver, e não como no sistema prisional, que praticamente é só o concreto”, descreveu.
“Tem um banheiro próprio. É possível ter as instalações de chuveiro elétrico, televisão e até ventilador”.
A alimentação também é melhor, disse, tanto pela comida fornecida na Papudinha, como pela possibilidade de as famílias levarem mantimentos, que os presos do batalhão podem armazenar em geladeiras individuais ou coletivas.
Segundo ele, os contratos de fornecimento de comida são diferentes nos dois locais, já que a Papuda é administrada pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do DF, enquanto a Papudinha é de responsabilidade da Polícia Militar.
“Eu nunca comi [a refeição oferecida na Papudinha], mas, pela nossa experiência, ciente de ambas as unidades, seja do sistema prisional comum, seja do batalhão, os presos indicam que a alimentação do batalhão, sem dúvida nenhuma, é bem melhor”.
“Até porque a família também pode levar mais coisa do que o sistema prisional permite. É claro que isso tudo sob o rigor da avaliação da Vara de Execuções Penais, do Ministério Público. Não é nada também extravagante”, ressaltou.
A BBC News Brasil solicitou à PMDF informações sobre a estrutura da Papudinha e a quantidade de pessoas presas, mas a instituição não forneceu detalhes.
“O local recebe militares do Distrito Federal presos provisoriamente e pessoas com prerrogativa legal de prisão especial, conforme artigo 295 do Código de Processo Penal. O funcionamento e a segurança da unidade seguem as normas previstas nos decretos que regulam o apoio da PMDF ao sistema penal do Distrito Federal”, disse nota da instituição.
“A estrutura opera exclusivamente dentro dos parâmetros legais e sob acompanhamento permanente das autoridades competentes”, continuou o comunicado, destacando ainda que a Papudinha “é unidade oficialmente reconhecida e fiscalizada pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal e integra a listagem do TJDFT de estabelecimentos autorizados para custódia”.
Segundo Oliveira, além de policiais militares, o batalhão pode receber criminosos de outras categorias com direito à cela individual, chamada de sala de Estado-Maior — é o caso de advogados, membros do Ministério Público e juízes.
“Tem hoje sua lotação, mas nada parecido com o sistema prisional”, afirmou.
“As condições, obviamente, no meu ponto de vista, são bem mais humanas do que no sistema prisional. A forma como os policiais lidam com aquelas pessoas, o próprio atendimento, é realmente bem diferente.”
Na sua visão, faz sentido que Bolsonaro, como ex-presidente, cumpra pena na Papudinha ao invés de ir para a Papuda, caso seja enviado a uma prisão.
“Isso considerando aspectos de saúde e aspectos da mais alta autoridade do país. Afinal de contas, um líder do Executivo também tem como uma das suas metas combater o crime. Vai colocar com criminosos comuns? Eu acho um perigo”.
“Realmente, vai ter que fazer uma avaliação médica [do Bolsonaro] e verificar também se a equipe médica que atende a Polícia Militar tem condições de assegurar que ele vai ser bem atendido. Não havendo essa certificação, o caminho seria uma prisão domiciliar”, pondera.
Relembre a condenação de Bolsonaro

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Bolsonaro foi considerado pelo STF como líder de uma organização criminosa, com militares, policiais e aliados, que atuou para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-presidente foi declarado culpado de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Além de Bolsonaro, os outros sete réus na ação penal também foram condenados: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a organização criminosa agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista — a chamada “minuta do golpe”.
Gonet citou ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula.
A PGR destacou ainda os ataques de 8 de janeiro de 2023 como o ato final da tentativa golpista.
Ao fim do julgamento, o STF considerou haver provas suficientes das acusações da PGR e condenou os réus.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


