
Crédito, Secretaria de Administração Penitenciária do DF
- Author, Luiz Fernando Toledo
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
O Brasil tem atualmente quase 1 milhão de pessoas em cumprimento de pena. Dessas, 122 mil estão em prisão domiciliar com uso de monitoramento eletrônico, número que só cresce a cada ano.
Para se ter uma ideia, em 2016, há uma década, eram 6 mil, segundo mostram dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen).
O mercado da produção de tornozeleiras, como consequência, também teve um boom, e a expectativa do setor é aumentar ainda mais a produção e ampliar a tecnologia, com mais capacidade de armazenar e compartilhar informações.
Sávio Bloomfield, presidente da Spacecom Monitoramento SA, empresa que afirma ser responsável por mais de 100 mil tornozeleiras monitoradas em 16 Estados do país, contou à BBC News Brasil que são raros os casos de tentativa de danificar o equipamento, como no episódio envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Bolsonaro admitiu ter usado um ferro de solda durante a madrugada de sábado (22/11) para tentar violar a sua tornozeleira. O ex-presidente afirmou que interrompeu a ação por conta própria e comunicou posteriormente o ocorrido aos agentes responsáveis pelo monitoramento.
A Spacecom Monitoramento SA, vale destacar, não é a mesma responsável pela tornozeleira utilizada pelo ex-presidente.
“Menos de 1% tenta evadir o sistema de monitoramento”, disse Bloomfield, com base em informações dos equipamentos da própria empresa.
E ele faz um alerta: “Vai ficar registrado, vai ficar no seu prontuário e você vai responder à Justiça. Você vai ser penalizado de acordo com o juízo acompanhando o caso. Eu não tentaria fazer.”
Ele disse que a empresa ainda não tinha visto casos de rompimento da tornozeleira com ferro de solda, embora haja outras formas de violação comuns. E que esses casos sempre ficam registrados.
“Já recebemos equipamento quebrado, furado, cortado. Mas nunca tivemos nenhum caso em que a Justiça tenha nos solicitado e que não tivesse prova do que houve com aquele apenado. Costumamos brincar que só não sabemos a cor da cueca do preso. Mas o resto que ele fez, eu sei.”

Crédito, Getty Images
Custo de monitoramento é menor
O uso de tornozeleira eletrônica pode ser decidido pelo Poder Judiciário tanto durante uma investigação ou instrução criminal quanto após uma condenação.
A ideia é que a medida permita, por exemplo, substituição à prisão provisória, medida protetiva em casos de violência doméstica, saída temporária para quem está no regime semiaberto e progressão de regime, quando não há vagas em estabelecimentos adequados.
Bloomfield avalia que o aumento do uso tem a ver com a visão do Judiciário de buscar penas mais justas e de gastar menos.
“Temos superlotação. Um preso custa, para o Estado, em torno de R$ 3 mil por mês. Uma tornozeleira, em média, custa R$ 260. É muito mais barato. Quando um preso vai para a penitenciária, há toda uma desestruturação da família da pessoa, que é pressionada pelos presos para que leve droga. Ou para que família dos presos prestem favores.”
Ele diz que o sistema de monitoramento eletrônico também foi ganhando mais confiança nos últimos anos.
“A Justiça acabou entendendo que, com a tecnologia da tornozeleira, é possível acompanhar a pena dessa pessoa. Desse pessoal que é monitorado, menos de 1% se evadem do monitoramento. Alguns cometem delito, mas é minoria. Esses números têm provado que é mais econômico pro Estado. Às vezes a pessoa faz um pequeno furto, um delito, uma pessoa nova. Então você consegue não deixar a pessoa entrar no sistema, não virar um membro de facção. É a razão do sucesso, que vem crescendo ano a ano.”
Poucas empresas oferecem o serviço, dada a complexidade do monitoramento. O Brasil representa um dos grandes mercados: segundo um estudo feito pela consultoria sueca Berg Insight com firmas deste setor enviado à BBC News Brasil, o Brasil concentra mais de 85% na América Latina.
“Estamos lidando com sistema penal, sistema judiciário. Tem de seguir as regras. Tenho de prestar informações para a Justiça cinco, seis, sete anos depois de um caso. Demanda investimentos, porque o Estado, quando faz licitação, não paga imediatamente, mas depois de prestar o serviço. É preciso fazer todo um aporte inicial para depois ser recebido ao longo do tempo”, diz Bloomfield.
Como funciona o monitoramento na prática?
A tornozeleira emite sinais que são captados por satélite e permitem identificar a posição exata da pessoa que está sendo monitorada. Os equipamentos possuem uma série de sensores para detectar se o usuário está mantendo a bateria carregada ou se tentou fazer algum tipo de violação.
A pessoa monitorada deve aceitar visitas dos responsáveis pelo monitoramento, responder aos contatos e obedecer a qualquer orientação.
Também não pode retirar nem permitir que outra pessoa retire sua tornozeleira. O usuário também deve manter a bateria sempre carregada e avisar as autoridades caso haja qualquer falha no equipamento. Outra demanda é respeitar a área de circulação permitida pela Justiça — nem todo monitorado precisa ficar somente em casa.
“Trabalhamos a quatro mãos com o Estado. O Estado tem a central dele. Mas nossa central também monitora e informa se acontece alguma infração. Entramos em contato com a penitenciária, mandamos e-mail e uma mensagem no próprio sistema. Tudo é feito online”, diz Bloomfield.
O tipo mais comum de tentativa de romper a tornozeleira, conta, é cortando o equipamento, o que pode causar o interrompimento do sinal e alertar as autoridades sobre a violação.
“Tem todo tipo de abertura: tem gente que serra, tem gente que fura. Não posso comentar especificamente o caso do Bolsonaro, porque é de outra empresa, mas se fosse nosso equipamento, se um equipamento metálico chegar perto da tornozeleira, dá pra detectar. Se houve acréscimo de temperatura, dá pra detectar. Se furou ou der pancada, também.”
Violação na ‘caixa’ da tornozeleira é tentativa de desativar GPS?
Um dos fatores que chamaram a atenção no caso da tentativa do ex-presidente Bolsonaro de romper a tornozeleira foi que o ferro de solda foi usado na própria caixa do equipamento, não no cinto.
“Não sei a psicologia dele ali. Algumas pessoas falam que ele surtou. Como não vimos o equipamento, é difícil comentar. Há vários vídeos na internet que ensinam a tirar isso ou aquilo [da tornozeleira]. Mas no momento em que se tira, está havendo a violação”, diz Bloomfield.
“Há quem tira a caixa, quem tira a cinta. Tivemos um caso em São Paulo, em 2012 ou 2013, onde o preso foi a uma empresa de assistência técnica [para tentar abrir o dispositivo]. A polícia foi lá e prendeu o preso e o técnico. Quando mostramos o prontuário com as informações geradas, é prova para a Justiça. O equipamento é como se fosse um relógio de ponto, mas com muito mais informação.”
Ele diz que, além de violar fisicamente os equipamentos, já houve também tentativas de ataques hacker aos sistemas da empresa e de acessar as informações dos dispositivos.
Embora admita que nenhum equipamento é inviolável, o fabricante diz que as informações sobre a violação sempre ficarão registradas.
“Vai ficar no seu prontuário e você vai responder à Justiça. E será penalizado de acordo com o juízo que está analisando o caso. Eu não tentaria fazer. Seja o rompimento da pulseira, seja violação do caso, isso vai ficar registrado e enviado para o juízo.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


