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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus começam a ser julgados nesta terça-feira (2/9) por tentativa de golpe de Estado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O julgamento deve durar cinco sessões, na terça e quarta desta semana (2/9 e 3/9) e na terça, quarta e sexta da semana que vem (9/9, 10/9 e 12/9).
As sessões devem se dividir em até três etapas: sustentações orais; leitura de votos pela condenação ou absolvição; e, em caso de condenação, uma última etapa de votos relacionados à fixação de penas.
Bolsonaro e os outros sete ex-integrantes do seu governo são acusados de cinco crimes relacionados a um suposto plano de golpe de Estado para impedir Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir o poder após as eleições de 2022.
Entre os oito réus, estão três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) — e Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
Também são réus Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez uma delação premiada que embasa parte da acusação.
Eles fariam parte do que a Procuradoria Geral da República (PGR) chamou de “núcleo crucial” de uma trama golpista contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Todos negam as acusações.
Entre os crimes imputados ao ex-presidente estão:
- liderança de organização criminosa;
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- golpe de Estado;
- dano contra o patrimônio da União;
- e deterioração de patrimônio tombado.
Caso Bolsonaro seja condenado por todos os crimes, as penas máximas somadas podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa.
No Brasil, penas acima de oito anos começam a ser cumpridas em regime fechado.
Embora a pena máxima possa superar 40 anos, isso não significa que, se condenados a ela, os oito réus passarão todo esse tempo presos. Isso porque a legislação penal brasileira prevê a progressão de regime.
Assim, o período total de reclusão depende de variáveis, como comportamento, se o condenado já cometeu outros crimes e o trabalho ou estudo no estabelecimento penal. Além disso, o tempo máximo de prisão no país não pode ultrapassar 40 anos.
Entenda, a seguir, o que são cada um dos crimes pelos quais Bolsonaro será julgado.
Organização criminosa
Na denúncia contra o ex-presidente, apresentada pela PGR e aceita pelo STF em março deste ano, o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, acusa Bolsonaro pelo crime de “liderar organização criminosa armada”.
A Lei nº 12.850 de 2013 define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.
A legislação afirma ainda que, para se enquadrar como organização criminosa, o grupo deve ter como objetivo obter vantagem de qualquer natureza, além de ter praticado infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos ou que sejam de caráter transnacional.

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A pena prevista para o indivíduo que integra, financia ou promove uma organização criminosa é de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
No caso de Bolsonaro, a PGR destaca as condições previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 2º, que preveem agravamento da pena se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo e se o indivíduo exercer função de comando na organização.
Na denúncia, Gonet fala em “uma trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas”. O procurador também aponta que o uso de armas bélicas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, era parte do plano de golpe liderado por Bolsonaro.
O assassinato do magistrado fazia parte do chamado plano “Punhal Verde Amarelo”, que também teria por objetivo assassinar Lula e o vice eleito Geraldo Alckmin.
Abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado
Ambos os crimes estão previstos no artigo 359 do Código Penal. Eles foram incluídos pela lei de crimes contra a democracia, de número 14.197, sancionada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.
Esta norma substituiu a Lei de Segurança Nacional, que era da época da ditadura militar.
Os dois crimes fazem parte do capítulo de crimes contra as instituições democráticas da lei e punem já a tentativa de atacar as instituições, mesmo que a ruptura institucional não tenha se concretizado.
O texto prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Também estipula de 4 a 12 anos de prisão para a tentativa de golpe de Estado por meio de violência ou grave ameaça.
Dano contra o patrimônio da União
Na ocasião, milhares de apoiadores radicais do ex-presidente, insatisfeitos com a eleição e posse do presidente Lula, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, o episódio foi fomentado e facilitado pela suposta organização criminosa da qual Bolsonaro faria parte. Segundo ele, o grupo deve ser responsabilizado “por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático.”
Ainda segundo a denúncia, a violência cometida teria gerado prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões.

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O crime de dano contra o patrimônio da União, pelo qual Bolsonaro foi denunciado, também está previsto no Código Penal.
O Ministério Público acusou o ex-presidente pelo crime de “dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima”.
O Código Penal prevê detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
E apesar de Bolsonaro não ter participado dos ataques pessoalmente — ele estava no exterior em 8 de janeiro de 2023 — Gonet defendeu que o resultado trágico dos eventos “não pode ser dissociado das omissões dolosas” dos denunciados.
O procurador disse ainda haver provas suficientes para demonstrar que o núcleo central da suposta organização criminosa estava em constante interlocução com as lideranças populares, “em claros atos de direcionamento, mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores”.
A denúncia fala ainda da omissão de membros da Secretaria de Segurança Pública “no âmbito das suas responsabilidades na segurança pública, de prevenir exatamente as barbaridades ocorridas.”
Deterioração de patrimônio tombado
A denúncia pelo crime de deterioração de patrimônio tombado segue a mesma justificativa da anterior: segundo o Ministério Público, apesar de não ter participado dos ataques de 8 de janeiro, Jair Bolsonaro deve ser vinculado aos resultados dos eventos daquele dia.
Segundo a denúncia enviada ao STF, o suposto plano de golpe de Estado “resultou na destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, incluindo bens tombados.”
“Todos os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos”, diz o texto.
O procurador-geral da República afirmou ainda que a suposta organização criminosa, por meio de seus integrantes, teria direcionado os movimentos populares e interferido nos procedimentos de segurança necessários, razão pela qual responde pelos danos causados.
O crime de deterioração de patrimônio tombado está previsto na Lei n. 9.605, de 1998, com pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
Gráfico por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil
Fonte.:BBC NEWS BRASIL