
Crédito, Universal Pictures
- Author, Charlotte O’Sullivan
- Role, BBC Culture
Hedonista mal-humorada e fiel compradora de calcinhas desajeitadas, Bridget Jones surgiu pela primeira vez em uma coluna de jornal, nos anos 1990.
Quatro best-sellers e três filmes recordistas de bilheteria depois, a criação da escritora Helen Fielding pode, agora, ser vista em uma quarta aventura na tela grande, chamada Bridget Jones: Louca pelo Garoto. E a personagem-título, estrela de uma franquia britânica aparentemente incansável, é rotineiramente comparada com James Bond.
É claro que a Bridget infeliz de classe média não corre para salvar o mundo dos malfeitores. Ela pode ser encontrada com mais frequência em algum bar de Londres, tomando vinho branco com seus amigos tagarelas.
Ou, em vez disso, ela está em busca de homens – tradicionalmente, Daniel Cleaver (Hugh Grant) ou Mark Darcy (Colin Firth). Mas ela não fica totalmente indiferente ao que acontece pelo mundo.
Certa vez, ela tentou parecer consciente e sofisticada, comentando “não é terrível o que acontece na Chechênia?” (no filme original, O Diário de Bridget Jones, de 2001). Em outra oportunidade, por pura infelicidade, ela acabou presa em uma prisão na Tailândia (na sequência de 2004, Bridget Jones: No Limite da Razão).
E ter filhos realmente não estava na sua lista de afazeres, até que ela ficou acidentalmente grávida na casa dos 40 anos (em O Bebê de Bridget Jones, 2016). Ela passou os meses seguintes imaginando se Mark seria o pai.

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Alguns consideram que o retorno de Bridget Jones é uma triste notícia para o feminismo. Os críticos da personagem se desesperam com sua ingênua fixação ou com os homens invasivamente atrevidos e seu cavalheirismo absurdo – sem falar na sua obsessiva contagem de calorias.
No ano passado, após o anúncio do último filme, a revista Glamour publicou uma reportagem dizendo que “Bridget Jones era tóxica – não precisamos dela de volta”. A revista chama a personagem de “modelo de comportamento terrível e misógino”.
Mas outros declararam que o novo filme – que traz um namorado de 29 anos para Bridget Jones – é um presente empoderador para as mulheres.
Hollie Richardson, editora do jornal britânico The Guardian, escreveu que “é uma alegria ver uma mãe de 50 e poucos anos vivenciar um turbilhão de romance e sexo”.
É impossível discutir Bridget Jones sem pelo menos mencionar Jane Austen (1775-1817). Helen Fielding, ao mesmo tempo, canibaliza e ridiculariza as comédias românticas da escritora.
Basta dizer que, se você quiser ver viúvas elegantes e totalmente dedicadas aos seus filhos, como a sra. Dashwood em Razão e Sensibilidade, de Austen, você certamente não irá gostar de Louca pelo Garoto.
Agora com pouco mais de 50 anos, Bridget (Renée Zellweger – nunca esteve melhor) ainda vive o luto pelo seu amado Mark, morto por uma mina terrestre no Sudão, mas ainda presente como um belo fantasma.
Ela cria os dois filhos do casal, com o estranho auxílio do seu perverso ex, Daniel (Hugh Grant – atrevido, mas sutil).
Incentivada pelos amigos para sair mais, nossa heroína volta a trabalhar como produtora de TV. Ela entra no Tinder e logo se descobre fazendo muito sexo de excelente qualidade com um jovem supervisor de parques, Roxster (Leo Woodall, de Um Dia, 2024 – encantador). Ela também flerta com um sensível professor de ciências, o sr. Wallaker (Chiwetel Ejiofor – magneticamente irônico).
Quando as coisas ficam complicadas, Bridget busca consolo com um sérum de qualidade duvidosa, projetado para fazer seus lábios parecerem joviais e carnudos. O resultado são cenas hilariantes, enlouquecidas e verdadeiramente gloriosas, sem falar na intervenção notável de uma perplexa ginecologista, a Dra. Rawlings (Emma Thompson – arrasadora).
O que representa Bridget Jones
Para a crítica de cinema Larushka Ivan-Zadeh, Bridget Jones: Louca pelo Garoto marca um exuberante retorno à boa forma da produtora Working Title. Ela ficou conhecida por comédias românticas tipicamente britânicas, como Quatro Casamentos e um Funeral (1994). E também é motivo de orgulho para sua personagem central.
Para Ivan-Zadeh, “Bridget sempre foi a voz interna de uma geração, dizendo tudo o que pensamos, mas não podemos admitir, [com nossa ansiedade] de não sermos bonitas o suficiente e porque nunca iremos ganhar o prêmio Nobel da Paz”.
“Não sei ao certo se ela é uma ícone feminista. Mas ela aspira a ser e Louca pelo Garoto oferece este retrato completo do que significa ser mulher. Adorei o primeiro filme, mas a personagem realmente evoluiu.”
O que agradou particularmente a Ivan-Zadeh sobre o novo filme? “Que Zellweger/Bridget pode aparecer com rugas.”
“Será que posso dizer isso? Digamos apenas que outras atrizes, na faixa de idade do final dos 40 até acima de 50 anos, são privilegiadas porque usaram muita maquiagem, sua filmagem foi trabalhosa ou suas imagens foram alteradas. E o efeito é que elas parecem incrivelmente suavizadas.”
“Sim, nos pôsteres, Bridget parece suavizada”, prossegue ela. “Mas no filme, ela parece normal. Não temos a perfeição hollywoodiana.”
“É raro e maravilhoso ver uma atriz importante com esta aparência. Renée é corajosa – e também as pessoas à sua volta! – por permitir ser vista desta forma.”

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Para Ivan-Zadeh, esta coragem “diz muito sobre quem somos agora. Chamo isso de efeito Pamela Anderson.”
Ela se refere à ex-estrela de Baywatch: S.O.S. Malibu (2017), que se reinventou nos últimos anos – tanto na vida real, com seu visual “sem maquiagem” no tapete vermelho, quanto na tela, com sua apresentação similar, no filme The Last Showgirl. Com o rosto limpo, ela interpreta a personagem Shelly Gardner, de 57 anos.
“É como se as mulheres de meia-idade agora pensassem ‘oh, eu posso fazer isso!'”, prossegue Ivan-Zadeh.
“É claro que Zellweger e Anderson são mulheres belas e deslumbrantes. Mas, em The Last Showgirl e Louca Pelo Garoto, elas não parecem impecáveis ou perfeitas em todos os pixels.”
Para Ivan-Zadeh, o roteiro de Louca Pelo Garoto funciona porque Bridget Jones nunca é colocada sobre um pedestal. “Adoro a cena em que as crianças na escola a confundem com uma vovó”, ela conta.
Em outros trechos, o que não é dito, além das escalações de elenco, oferece surpresas agradáveis.
“Às vezes, tudo o que fazemos são ‘contas de idade'”, prossegue a crítica.
“Eu provavelmente não deveria admitir isso, mas faço no espírito confessional de Bridget Jones. Você se senta e calcula obsessivamente as idades relativas dos pares românticos. É claro que existe uma grande diferença entre Woodall e Zellweger. Também existe alguma diferença entre Zellweger [55] e Ejiofor [47]. Mas, nas cenas entre Bridget e o sr. Wallaker, a diferença de idade não é problema.”
“Isso, literalmente, nunca se alonga. Você simplesmente assiste e aprecia, sabendo que, historicamente, costumava ser muito diferente. Era completamente normal que uma protagonista amorosa fosse 10 ou até 20 anos mais jovem do que o seu parceiro. É agradável observar este desequilíbrio redesenhado”, afirma Ivan-Zadeh.
A linha do tempo do novo filme
Para a jornalista Lizzie Frainier, Bridget Jones sempre “quebrou tabus”.
Ela é a autora do livro recém-lançado sobre sua própria vida amorosa, chamado Main Character: Lessons from a Real-Life Romcom (“Personagem principal: lições de uma comédia romântica da vida real”, em tradução livre). Frainier acredita que o romance com diferença de idade de Louca Pelo Garoto não poderia ser mais oportuno.
“Tenho 31 anos e, cerca de um ano atrás, saí com alguém que tinha 29”, ela conta. “Pequena diferença de idade, certo? Ele falou nisso 10 vezes!”
“Ele disse que eu era a mulher mais velha com quem ele já tinha dormido e me chamou de mulher-puma [uma gíria usada em inglês para designar mulheres de meia-idade que procuram homens mais novos]. Existe muito preconceito por aí.”
“Adorei Bridget desde que descobri o livro, O Diário de Bridget Jones, na estante da minha mãe, quando eu tinha 13 anos de idade”, prossegue ela. “Nunca irei superar esta personagem. Obviamente, ela sempre será mais velha do que eu, mas penso nela como abrindo o caminho [para mim].”
A podcaster e escritora Olivia Petter tem 30 anos de idade. Seu livro Millennial Love (“Amor millennial”, em tradução livre) explora o cenário do namoro moderno. Ela concorda que Bridget Jones tem uma enorme quantidade de fãs na casa dos 30 anos de idade.
“Bridget é uma heroína para as pessoas da minha idade”, segundo ela. “Muitas de nós conseguimos nos identificar com seu espírito conflituoso e caótico.”
Ela também acredita que a personagem tem “características feministas”. “Ela enfrenta o trabalho e a maternidade neste novo filme e o trabalho é o que irá salvá-la, o que acho inspirador.”
Petter traça um paralelo entre a crescente popularidade de Bridget Jones e o sucesso atual da série And Just Like That…, uma sequência de Sex and The City (1998-2004). Sua terceira temporada deve ser lançada ainda este ano.
“Pessoalmente, adoro ver essas simbólicas personagens envelhecendo”, conta Petter. “Passamos tempo demais fetichizando a juventude e enviando a mensagem de que o valor da mulher, particularmente o valor sexual, é limitado à casa dos 20 e 30 anos de idade.”

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Victoria Smith, de 50 anos, é a autora do livro Hags: The Demonisation of Middle-Age Women (“Bruxas: a demonização das mulheres de meia-idade”, em tradução livre). Ela é a favor da celebração dos ícones com mais idade, mas traz uma advertência.
Smith ficou desapontada com uma recente entrevista de Helen Fielding para o jornal britânico The Guardian. A autora declarou que “Bridget não será a velha chata de ninguém”.
“Todas as gerações de mulheres pensam ‘muito bem, não vou envelhecer como fizeram nossas mães!'”, exclama Smith. “Mas nenhuma geração de mulheres, na verdade, é de velhas chatas. Todas elas tiveram vidas e desejos internos. Elas simplesmente foram marginalizadas.”
“Não vamos perpetuar isso”, prossegue ela. “Não vamos dizer ‘você só pode viver ação e aventuras se for glamourosa’.”
Smith também se irritou com o trailer de Louca Pelo Garoto e seu foco nos corpos sarados de Roxster e do sr. Wallaker. E ela ficou particularmente perturbada quando as amigas de Bridget cobiçaram o personagem de Woodall.
“É igualdade mostrar mulheres mais velhas tratando homens mais jovens como objetos?”, questiona ela.
Smith reconhece que “como existe muita hostilidade em relação às mulheres de uma certa idade, fico muito feliz quando qualquer mulher de meia-idade se destaca. E realmente sinto bastante afeição pela personagem de Bridget, que pelo menos consegue expressar suas inseguranças.”
“Todo o foco sobre a positividade e a neutralidade do corpo pode fazer com que as mulheres sintam vergonha de ter ansiedade”, prossegue Smith.
“Quando sou a pessoa mais idosa na sala, eu me sinto autoconsciente. Não fiz tratamentos, mas muitas das minhas colegas fizeram. A verdade é que vencer é muito difícil para as mulheres.”
“Estou no Facebook e você vê homens falando de Pamela Anderson, dizendo ‘não consigo acreditar que eu gostava dela’. Por isso, sim, apesar das minhas dúvidas, vou ver o novo filme.”
Visão discordante
A escritora e feminista de 29 anos Moya Lothian-McLean é anti-Bridget desde a adolescência (“acho que é idiotice!”). Ela afirma que nada poderia convertê-la à causa da personagem.
O motivo do seu ódio é que Bridget Jones “é inútil em todos os setores da vida”. Os exemplos da sua inépcia no novo filme variam desde pôr fogo em uma panela de macarrão até ficar presa no alto de uma árvore.
“Eles a tratam como uma piada ambulante”, queixa-se Lothian-McLean. “Será que não temos novas ideias em 2025? Não há outras histórias sobre mulheres de meia-idade para contar?”
Em Louca pelo Garoto, Bridget Jones é mostrada como uma competente produtora de TV, que conhece os temas relativos ao meio ambiente e à política governamental. Ainda assim, Lothian-McLean não se convence.
Ela acredita que os retratos das mulheres que trabalham mostrados na TV oferecem visões “muito mais expressivas e muito mais engraçadas”, como os trabalhos da atriz e produtora Sharon Horgan nas séries Catastrophe (2015-2019) e Motherland (2016-2022).
Lothian-McLean fica particularmente enfurecida quando Bridget é considerada uma “mulher típica”. Ela destaca que a personagem mora no próspero enclave de Hampstead, no norte de Londres, e que seus filhos estudam em escola particular.
“Talvez ela seja uma mulher típica das pessoas que moram em Hampstead”, explica ela. “Para aquela comunidade, eu acho que ela fica na média. Mas não para todas nós.”
Ainda assim, Lothian-McLean afirma que é “obrigada a ver” Louca pelo Garoto. “Minhas amigas estão se queixando de usarmos nosso passaporte do cinema para este filme (nós vamos ao cinema toda semana).”

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E as meninas da geração Z? Estarão elas animadas com Bridget Jones?
Ivan-Zadeh conta que sua filha mais velha (de 13 anos) está desesperada para saber mais sobre Louca pelo Garoto. “É porque ela está no TikTok e estão dizendo a ela que vale a pena ver.”
Diga-se, de passagem, que Louca pelo Garoto é recomendado para maiores de 15 anos no Reino Unido e para maiores de 14, no Brasil.
Ivan-Zadeh acredita que as espectadoras mais jovens irão achar Bridget uma personagem interessante.
Para ela, “Bridget não é incisiva, nem arrojada, nem assustadora, nem antissocial. Ela não é do tipo [da série de TV] Fleabag”.
“E este é o momento certo para ela. Se os cineastas tivessem feito Bridget mais parecida com Fleabag [2016-2019], ela ficaria bem desatualizada.”
“Bridget é o tipo de ícone feminino que não vemos há algum tempo”, prossegue ela.
“Ela não é uma caricatura. Claramente insegura e vulnerável, ela tenta de tudo para ser cuidadosa e solidária. Você entende por que os homens a adoram. Você entende por que seus amigos e filhos a adoram.”
“Ela é simplesmente uma pessoa boa e alegre. Para os jovens, eu acho, Louca pelo Garoto irá parecer algo bastante novo.”
Pelo menos em um ponto, as gerações X, Y e Z parecem estar de acordo. Quer você a adore ou deteste, Bridget Jones é imperdível.
Bridget Jones: Louca pelo Garoto está em cartaz nos cinemas brasileiros.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL