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27 de outubro de 2025

Cachaça: livro avalia 200 rótulos do destilado no Brasil – 27/10/2025 – Comida

Cachaça: livro avalia 200 rótulos do destilado no Brasil – 27/10/2025 – Comida

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O empresário e pesquisador Felipe Jannuzzi provou cerca de 200 rótulos de alambiques do Brasil antes de escrever o “Guia Mapa da Cachaça“, lançado neste ano pela editora Senac. Durante 15 anos, Jannuzzi catalogou diferentes tipos da bebida para registrar as tradições e as inovações do destilado considerado patrimônio nacional do país.

“Você conta a história de um povo falando sobre uma bebida”, afirma o pesquisador. “Estou convencido de que a cachaça é um dos nossos grandes patrimônios, porque é uma bebida que a gente produz desde o século 16 em praticamente todos os estados brasileiros”.

Foi o interesse pessoal pelo destilado que motivou a pesquisa de campo do autor. Ao longo de anos, ele descobriu viajando pelo Brasil que há muitas variações na fabricação da bebida, com diferenças que refletem a tradição histórica de cada local, as preferências da população e as inovações introduzidas no processo.

“Se eu tomo uma cachaça branca em Paraty (RJ), ela é completamente diferente de uma cachaça branca do Rio Grande do Sul. Comecei a entender que as receitas são muito diferentes, porque o costume local de como consumir cachaça é muito diferente”, conta.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, o consumidor gosta de cachaça com o mínimo que ela pode ter de teor alcoólico, 38%. Em Paraty, a bebida tem nível mediano, de 42% a 44%. Na Paraíba, os rótulos mais potentes, entre 46% e 48% de teor alcoólico, o limite que a legislação permite, fazem mais sucesso.

Um dos estados que demonstra bem a variedade de produção e perfis sensoriais é Minas Gerais, que produz cachaça desde os tempos da mineração.

Em Coronel Xavier Chaves, a 170 km de Belo Horizonte, um alambique produz com a mesma receita cachaça criada por um parente de Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira.

Já em Salinas, mais ao norte do estado, um produtor inovou no início do século passado ao deixar a cachaça envelhecer em barril de madeira brasileira por dez anos. “Ninguém fazia isso há quase cem anos, porque era economicamente inviável”, explica Jannuzzi.

Enquanto a cachaça de Coronel Xavier Chaves é incolor, mas potente, e traz os aromas do bagaço da cana, a de Salinas tem tom mais esverdeado, aroma de anis-estrelado, de erva-doce e de cravo.

“São perfis tão diferentes que elas nem são concorrentes. O pessoal lá fora faz isso com vinho, essas distinções de territórios. Aqui a gente está começando agora a fazer isso com a cachaça”, diz o especialista.

A pesquisa de Jannuzzi registrou também as particularidades dos processos de fabricação. Muitos fatores influenciam o sabor final do produto: o tipo de cana, o cenário climático de cada plantação, as leveduras que transformam o açúcar do caldo de cana em álcool, as panelas de cobre usadas para a destilação, os tipos de madeiras dos barris que armazenam o produto, entre outros.

Para documentar as variedades e variáveis, Jannuzzi desenvolveu ferramentas de descrição e avaliação. Ele reuniu um time de especialistas em bebidas alcoólicas e organizou testes às cegas de cerca de 200 rótulos de cachaças. “A ideia era que todo mundo estivesse na mesma página para entender o que é doce, o que é ácido, o que é defeito, o que é identidade local”, conta.

Destas, as que obtiveram pelo menos a nota mínima exigida —83 pontos— foram submetidas a análises laboratoriais para certificação de que todas as normas legislativas estavam sendo seguidas. As cachaças que passaram nos testes foram documentadas no livro. O “Guia Mapa da Cachaça” avaliou também a identidade visual dos rótulos e a sustentabilidade dos alambiques.

A pesquisa revelou que o mercado da cachaça tem espaço para tradição e inovação. Os produtores “raiz”, de acordo com Jannuzi, seguem receitas e métodos de fabricação seculares. Já os mais novos utilizam tecnologias diferentes em suas produções, com mudanças no envelhecimento e na fermentação.

Têm aparecido mais no mercado cachaças que descansam por barris de jerez, cerveja e uísque. “Isso muda a bebida e cria mais uma camada de complexidade”, explica o especialista.

Mas tantos os produtores mais antigos quantos os mais novo desejam que o produto seja mais valorizado no mercado. Segundo o autor, um dos pontos a se melhorar é na apresentação e na distribuição.

“É o trabalho de melhorar a qualidade, e não só do líquido, mas também da embalagem e da comunicação da marca. Às vezes o consumidor vê uma garrafa linda de gim e uma garrafa muito feia de cachaça”, pontua.

A crise relacionada ao metanol em bebidas destiladas adulteradas, que provocou cerca de 15 mortes confirmadas por contaminação no país, tem sido um alerta para a indústria de cachaça também se aprimorar ainda mais.

“Essa crise do metanol não tinha cachaça envolvida, mas acabou impactando toda a cadeia de destilados. Foi uma coisa horrível, mas talvez uma luz de fim de túnel é que isso ajude a separar o joio do trigo”, defende o especialista.

“O mercado da cachaça ainda é um mercado muito informal. Hoje a gente está num momento em que o produtor entende que ele precisa fazer o seu trabalho mais bem feito, aprender também com as outras outras categorias para conseguir passar uma boa experiência para o consumidor”.



Fonte.:Folha de São Paulo

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