Um café cultivado por uma família indígena alcançou uma marca recorde na escala de qualidade sensorial da bebida. O resultado, no entanto, foi surpreendente. Isto porque o próprio produtor não tem hábito de degustar café –inclusive costuma tomar com açúcar.
O café faz parte do projeto Tribos, desenvolvido pela 3 Corações com povos Paiter Suruí da terra indígena Sete de Setembro, na Amazônia brasileira.
O lote alcançou a maior nota da história do programa. Dois avaliadores chegaram a dar a nota 100 –o máximo de qualidade na escala de avaliação técnica. Seria algo como um café perfeito, algo raríssimo no setor.
Entre esses provadores que atribuíram a nota 100 está Sílvio Leite, considerado uma referência mundial na degustação profissional de café. Provador há mais de 40 anos, Leite diz que esta foi apenas a quarta vez que deu a nota máxima, sendo a primeira para um grão da espécie canéfora –os demais eram da espécie arábica.
O café, que está sendo tratado no setor como um marco histórico, foi produzido por Rafael Mopimop Suruí e sua família. Rafael, que costuma tomar seu café com açúcar, diz que ficou surpreso com o resultado.
Os grãos foram inscritos para o concurso Tribos. Os vencedores da competição são determinados por meio de provas às cegas conduzidas por especialistas certificados.
Quando os jurados começaram a degustar as amostras, embora todos os finalistas fossem muito bons, um café específico saltou aos olhos –ou a boca– dos provadores. Ele se destacava dos demais.
Segundo Leite, ele apresentava uma complexidade elevada, com várias notas sensoriais, como de rosas brancas, amarula, amadeirada e alcoólica, além de ter uma alta acidez e doçura acentuada. “A grandeza dos sabores é espetacular. Foram encontradas 50 diferentes terminologias para descrever esse café”, diz Leite.
Questionado sobre seu café histórico, Rafael Suruí diz que um dos segredos é conseguir fazer uma boa secagem dos frutos –o que requer muito cuidado em uma região tão úmida como a Amazônia.
Ainda assim, ele diz que não esperava produzir uma bebida de qualidade histórica. “É uma surpresa. Eu não entendo muito de café, eu estou acostumado a tomar café com açúcar. Sem açúcar eu tenho que aprender”, diz.
Segundo Rafael, essa valorização do café produzido pelos povos indígenas faz com que muitos jovens decidam permanecer na comunidade, em vez de sair para a cidade, o que ajuda a reforçar a tradição e a identidade cultural dos povos originários.
O café de Rafael Suruí chega agora ao mercado em uma embalagem de colecionador. Os grãos vêm dentro de um recipiente de cristal e acompanham um moedor, para que o cliente possa moer na hora do preparo. Custa R$ 599 (150 g) e está disponível no e-commerce da 3 Corações. Como a capacidade produtiva da família de Rafael é pequena, o lote foi o suficiente para produzir apenas 333 unidades, e somente uma pequena quantidade está disponível para venda.
O lançamento oficial do produto ocorreu nesta quarta-feira (8), em um almoço para convidados conduzido pelo chef Alex Atala, no restaurante Dalva e Dito, em São Paulo. Representantes dos povos Paiter Suruí –inclusive Rafael, sua mulher e seu filho– estiveram presentes, além de diretores da 3 Corações e celebridades como o DJ Alok e sua mulher, Romana Novais. Ao fim da refeição, o café premiado foi servido harmonizado com uma sobremesa feita com jaca, bacuri, coco e chantilly.
O projeto Tribos surgiu em 2019 e atende a 169 famílias indígenas que cultivam café na Amazônia brasileira. Eles recebem apoio técnico e logístico da 3 Corações, que paga um percentual acima do valor da cotação na Bolsa, a fim de incentivar a produção dos povos originários. Todo o lucro proveniente da venda dos microlotes da linha Tribos é revertido para o programa.
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Fonte.:Folha de São Paulo