5:07 PM
28 de novembro de 2025

Café temático de cocô é aberto na Liberdade – 28/11/2025 – Restaurantes

Café temático de cocô é aberto na Liberdade – 28/11/2025 – Restaurantes

PUBLICIDADE



São Paulo


A mera existência de um estabelecimento da natureza do Poop Coffee, aberto recentemente na Liberdade, em São Paulo, me faz ecoar na cabeça a pergunta: por quê?

Foi o que meu filho de 13 anos me indagou quando lhe contei que iria escrever sobre um café com temática de cocô, com doces de chocolate que emulam fezes e vasos sanitários para acomodar os clientes.


Seis biscoitos em formato de emoji cocô com olhos grandes e boca sorridente, decorados com glacê branco, preto e rosa. Cada biscoito está embalado em saco plástico transparente amarrado com fita marrom, dispostos sobre um prato branco.

Cookies em formato de cocô, do Poop Coffee


Reprodução Instagram

Tentei embromar o garoto, dizendo-lhe que o jornal me havia pedido o texto, mas ele não engoliu. Veio querer saber por que alguém abre um negócio assim e por que as pessoas o frequentam. Precisei admitir que não tinha a mais vaga ideia das respostas.

O Poop Coffee (ou Café Cocô) tem atraído curiosos de todo tipo, em especial influenciadores, à diminuta loja escondida no subsolo de uma galeria na rua dos Estudantes.

Os cafés (ou, como anunciado no cardápio, cafezes) vêm num copinho que lembra vagamente uma privada. O cupcake de chocolate é coberto com um creme marrom espiralado como o cocô sorridente do emoji.

O mesmo cocô do emoji, na versão de pelúcia, decora o interior dos quatro vasos que a casa instalou, lado a lado e sem ligação com a rede de esgoto, para que os clientes gravem vídeos que circulam nas redes sociais.


Vaso sanitário branco com tampa aberta em banheiro. Dentro da bacia, brinquedo de pelúcia em formato de emoji de cocô marrom com olhos e sorriso, posicionado no centro da água.

Um dos bancos do Poop Coffee, café temático de cocô na Liberdade


Carol Pfeiffer/Folhapress

Nesses filminhos, instagramers e tiktokers surgem sentados no troninho como se estivessem a fazer o número dois. Invariavelmente tecem comentários espirituosos como “este café é uma m*”.

Apesar de ser uma segunda-feira chuvosa, precisamos esperar a nossa vez de fazer piadas escatológicas de quinta categoria: havia um influenciador aparentemente famoso gravando com sua entourage quando chegamos —eu e Carol Pfeiffer, repórter de Folhateen.

Quando o espaço foi liberado, pedi o cupcake e o único item realmente fecal do cardápio: um café especial da fazenda Camocim, de Santa Teresa (ES), vendido sob a marca Jacu Bird.

Receba no seu email um guia com a programação cultural da capital paulista

Jacu é um pássaro grandão, típico da mata atlântica, que parece ser o cruzamento de uma galinha com um urubu.

O café em questão é composto de grãos que foram engolidos, digeridos e expelidos pelo jacu. Segundo especialistas, processo confere complexidade de sabor ao café, que é vendido a preços surreais –no Poop Coffee, uma xícara custa R$ 35.

Não pude degustar propriamente o renomado café porque ele chegou pelando e me queimou a boca no primeiro gole. De mais a mais, a qualidade da comida e da bebida parecer ser o que menos interessa em lugares como o Poop Coffee.

Longe de ser uma sacada original, o café-cocô paulistano segue uma tendência de restaurantes escatológicos que surgiu na Ásia há mais de uma década. O mais famoso deles é o Modern Toilet, de Taiwan, pioneiro em usar privadas, bidês e mictórios como porcelana de mesa.

São lugares que se sustentam com o engajamento orgânico gerado pelos frequentadores nas redes sociais e que levam à risca a máxima “fale mal, mas fale de mim”.

O fenômeno, no âmbito local, consolida a metamorfose do bairro da Liberdade nos anos mais recentes. De destino gastronômico com restaurantes orientais para paladares aventureiros (muitos ainda estão lá), a região tem se transformado em cidade cenográfica das redes sociais da garotada que se liga em cultura pop japonesa e coreana.

No sábado passado, enquanto caminhava em meio à muvuca da Galvão Bueno com o filho adolescente, precisávamos nos esquivar das selfies alheias, varar grupos de turistas que ocupavam toda a largura da calçada, desviar de um mar de ambulantes. Um deles, curiosamente, expunha dezenas de cocôs perturbadores realistas num pano estendido sobre o asfalto. É a “fecalização” da Liberdade alçada a outro nível.

Para esse novo público, tanto faz se a comida é boa de fato. O que importa é se ela é mencionada por influencers, se é o prato favorito de algum galã de dorama ou se é amarela berrante como o pokémon Pikachu.

Saem restaurantes de asseio duvidoso, entra o cocozinho fofo e limpinho. O que vale é a experiência. Não, não, perdão: o registro da experiência eternizado nas redes sociais. Por que as pessoas fazem isso consigo mesmas, eu ignoro.



Fonte.:Folha de São Paulo

Leia mais

Rolar para cima