São Paulo
A mera existência de um estabelecimento da natureza do Poop Coffee, aberto recentemente na Liberdade, em São Paulo, me faz ecoar na cabeça a pergunta: por quê?
Foi o que meu filho de 13 anos me indagou quando lhe contei que iria escrever sobre um café com temática de cocô, com doces de chocolate que emulam fezes e vasos sanitários para acomodar os clientes.

Cookies em formato de cocô, do Poop Coffee
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Reprodução Instagram
Tentei embromar o garoto, dizendo-lhe que o jornal me havia pedido o texto, mas ele não engoliu. Veio querer saber por que alguém abre um negócio assim e por que as pessoas o frequentam. Precisei admitir que não tinha a mais vaga ideia das respostas.
O Poop Coffee (ou Café Cocô) tem atraído curiosos de todo tipo, em especial influenciadores, à diminuta loja escondida no subsolo de uma galeria na rua dos Estudantes.
Os cafés (ou, como anunciado no cardápio, cafezes) vêm num copinho que lembra vagamente uma privada. O cupcake de chocolate é coberto com um creme marrom espiralado como o cocô sorridente do emoji.
O mesmo cocô do emoji, na versão de pelúcia, decora o interior dos quatro vasos que a casa instalou, lado a lado e sem ligação com a rede de esgoto, para que os clientes gravem vídeos que circulam nas redes sociais.

Um dos bancos do Poop Coffee, café temático de cocô na Liberdade
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Carol Pfeiffer/Folhapress
Nesses filminhos, instagramers e tiktokers surgem sentados no troninho como se estivessem a fazer o número dois. Invariavelmente tecem comentários espirituosos como “este café é uma m*”.
Apesar de ser uma segunda-feira chuvosa, precisamos esperar a nossa vez de fazer piadas escatológicas de quinta categoria: havia um influenciador aparentemente famoso gravando com sua entourage quando chegamos —eu e Carol Pfeiffer, repórter de Folhateen.
Quando o espaço foi liberado, pedi o cupcake e o único item realmente fecal do cardápio: um café especial da fazenda Camocim, de Santa Teresa (ES), vendido sob a marca Jacu Bird.
Jacu é um pássaro grandão, típico da mata atlântica, que parece ser o cruzamento de uma galinha com um urubu.
O café em questão é composto de grãos que foram engolidos, digeridos e expelidos pelo jacu. Segundo especialistas, processo confere complexidade de sabor ao café, que é vendido a preços surreais –no Poop Coffee, uma xícara custa R$ 35.
Não pude degustar propriamente o renomado café porque ele chegou pelando e me queimou a boca no primeiro gole. De mais a mais, a qualidade da comida e da bebida parecer ser o que menos interessa em lugares como o Poop Coffee.
Longe de ser uma sacada original, o café-cocô paulistano segue uma tendência de restaurantes escatológicos que surgiu na Ásia há mais de uma década. O mais famoso deles é o Modern Toilet, de Taiwan, pioneiro em usar privadas, bidês e mictórios como porcelana de mesa.
São lugares que se sustentam com o engajamento orgânico gerado pelos frequentadores nas redes sociais e que levam à risca a máxima “fale mal, mas fale de mim”.
O fenômeno, no âmbito local, consolida a metamorfose do bairro da Liberdade nos anos mais recentes. De destino gastronômico com restaurantes orientais para paladares aventureiros (muitos ainda estão lá), a região tem se transformado em cidade cenográfica das redes sociais da garotada que se liga em cultura pop japonesa e coreana.
No sábado passado, enquanto caminhava em meio à muvuca da Galvão Bueno com o filho adolescente, precisávamos nos esquivar das selfies alheias, varar grupos de turistas que ocupavam toda a largura da calçada, desviar de um mar de ambulantes. Um deles, curiosamente, expunha dezenas de cocôs perturbadores realistas num pano estendido sobre o asfalto. É a “fecalização” da Liberdade alçada a outro nível.
Para esse novo público, tanto faz se a comida é boa de fato. O que importa é se ela é mencionada por influencers, se é o prato favorito de algum galã de dorama ou se é amarela berrante como o pokémon Pikachu.
Saem restaurantes de asseio duvidoso, entra o cocozinho fofo e limpinho. O que vale é a experiência. Não, não, perdão: o registro da experiência eternizado nas redes sociais. Por que as pessoas fazem isso consigo mesmas, eu ignoro.
Fonte.:Folha de São Paulo


