Enquanto as atenções se voltaram para o julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado, na Câmara acontece algo grave: o Sistema Nacional de Educação entra em pauta para votação. Movimentos de pais e defensores da liberdade educacional conseguiram virar a chave do relatório do PLP 235/2019 que trata do Sistema Nacional de Educação (SNE).
Segundo a vice-presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais de Alunos (CONFENAPAIS) Adriana Marra, o relator Rafael Brito (MDB-AL) promoveu mudanças significativas que desvinculam estados e municípios das decisões das comissões permanentes, que, se aprovadas, poderiam obrigar as redes de ensino públicas a seguir diretrizes de organizações civis ligadas a sindicatos e ao atual modelo fracassado de educação. A votação na Câmara dos Deputados está prevista para hoje.
Pelo relato de Adriana, que acompanhou as tratativas juntamente com as deputadas do PL Chris Tonietto e Bia Kicis, não haverá obrigatoriedade de cumprimento automático das deliberações das comissões. “Não tem obrigatoriedade, não vincula nenhum ente federado com as decisões dessas comissões. Esse era o ponto nevrálgico, o mais importante”, afirma Adriana.
A retirada dessa amarra preserva competências de vereadores e deputados estaduais e reverte o desenho anterior, considerado por críticos como uma centralização incompatível com o pacto federativo.
Também cai a previsão de sanções a gestores que descumprissem diretrizes. Na prática, a alteração transforma o SNE em um órgão cooperativo e colaborativo, sem poder normativo para impor modelos educacionais para redes estaduais e municipais.
Tempo integral deixa de ser imposição
Outro ajuste de impacto, sobretudo para redes com restrições orçamentárias e de infraestrutura, é a retirada da obrigatoriedade da educação em tempo integral, relata Adriana.
A mudança mantém a política como objetivo desejável, mas não compulsório, evitando que municípios e estados sejam forçados a expandir oferta do modelo sem condições materiais ou sem prioridade definida em seus planos locais.
O texto também altera a redação sobre atendimento às pessoas com deficiência, trocando a expressão “educação adequada” por “educação especializada”. A nuance importa: reforça a ideia de serviços específicos e apoio técnico mais robusto para garantir acessibilidade pedagógica, em vez de formulações genéricas.
Segundo Adriana, o relator acatou sugestão do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) para explicitar que o SNE tem um caráter mais consultivo, isto é, recomenda, mas não impõe. “Tirou todos os termos de pactuação federativa do projeto”, diz.
Houve ainda avanço na composição dos colegiados: “Colocou representatividade paritária com a questão de pais, de escolas privadas, que não tinha também”. A inclusão atende a uma reivindicação central dos movimentos: dar voz institucional às famílias e às redes não estatais, uma vez que no texto anterior não havia a previsão de participação das famílias e restringia a importância do setor privado.
A mobilização que mudou o texto
As alterações refletem uma estratégia persistente de mobilização. Entidades de pais, grupos cívicos e especialistas ligados à liberdade educacional rodaram gabinetes, produziram notas técnicas e sustentaram, nas últimas semanas, que a versão anterior engessava redes e subtraía competências de estados e municípios. O núcleo do discurso — a defesa de um SNE orientador, não impositivo — acabou absorvido pelo relator.
Se confirmadas em plenário, as mudanças reduzem o risco de uniformização forçada e preservam a capacidade de inovação local. Municípios que operam políticas bem-sucedidas, desde a alfabetização às bonificações por desempenho, mantêm espaço para ajustes próprios, sem necessidade de anuência prévia de colegiados federais.
O debate, contudo, não se encerra: a votação definirá se o entendimento da Câmara consolidará esse giro em direção à manutenção da atual autonomia de estados e municípios em alguns aspectos, ou se tentativas de reintroduzir vinculações e obrigações emergirão em plenário via destaques. Até aqui, a mobilização de pais e defensores da liberdade educacional mostrou força e deixou sua marca no texto.
Fonte. Gazeta do Povo