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18 de dezembro de 2025

Canalha: chef João Rodrigues reinventa cozinha portuguesa – 18/12/2025 – Zeca Camargo

Canalha: chef João Rodrigues reinventa cozinha portuguesa – 18/12/2025 – Zeca Camargo

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Eu nem estava com fome. Viajando com um grupo voraz por Lisboa, na semana passada, nossa gran tour gastronômica tinha como destino final o Time Out Market da cidade, a primeira iniciativa dessa que se tornou uma marca registrada, com pequenos quiosques de chefs estrelados. Com um voucher de 60 euros na mão, o almoço prometia uma esbórnia deliciosa.

E assim foi. Entre as bandejas que degustei, tinha a da chef Marlene Vieira, a primeira mulher a ganhar uma estrela Michelin em Portugal; um ramen de cozinho português assinado por João Sá, também estrelado; sardinhas na brasa do Montemar; um prego (pão com bife); dois croquetes de arroz de polvo da Croqueteria; e um crisp de camarão.

Não era uma refeição acanhada. Ali tinha o suficiente para eu sair saciado pelo menos até sua ceia de Natal. Então.

Quem viajava no grupo comigo era a Vivi Mesquita, editora-chefe da revista Paladar. Com nosso banquete quase terminando, ela me pergunta displicentemente: “E então, vamos ao Canalha?”.

Sabe quando um convite é ao mesmo tempo temido e aguardado? Aguardado porque desde que chegamos em Lisboa, pairava a possibilidade de ir ao Canalha, onde o chef João Rodrigues fazia, segundo relatos de primeira fonte, pequenos milagres com a cozinha tradicional portuguesa. Antes da viagem, já tinha anotado o lugar e o entusiasmo de Vivi.

Por que temido? Porque ao mesmo tempo em que queríamos muito conhecer o restaurante, tínhamos acabado de comer muitas coisas deliciosas, descartando assim qualquer possibilidade de fome. Mas o retorno ao Brasil estava marcado para aquela noite. Era ir ao Canalha ou adiar essa chance sabe-se lá para quando.

Fomos. Ainda bem!

No trajeto ligeiramente longo, fomos cinicamente afirmando que só iríamos tomar um copo e beliscar alguma coisa por lá, apenas para marcar presença. Era, claro, um sintoma óbvio de autonegação.

Chegamos com uma atitude relativamente comportada. Mas foi ver as delícias que o Canalha oferecia e deixar então nosso apetite no desembreio. Ladeira abaixo.

Primeiro vieram os embutidos com contornos dignos de Kandisnky. Aí os pastéis de perdiz, os ovos verdes e um prato surreal de bom chamado “raspado de presa de vaca arouquesa”. Num arroubo desgurmetizador eu chamaria aquilo de um belo carpaccio mas a iguaria é muito mais que isso. Quase uma ambrosia.

João não estava lá mas fez a gentileza de nos oferecer uma degustação de frutos do mar, da lula de torneira e manteiga de ovelha indecentes camarões carabineiros. Já mencionei que eu não estava com fome? Pois comi, comemos, tudo!

Por uma questão de tempo, com o horário do aeroporto sobre nossos ombros, não conseguimos experimentar as carnes. Mas nem saí preocupado com isso de lá. Pelo contrário, fui embora feliz com a certeza de que este será o primeiro lugar que vou pisar quando voltar a Lisboa.

A melhor lembrança que tenho, porém, não é nem gustativa, é visual. Ao levantar da mesa e vê-la destroçada, não de raiva mas de prazer, tive que tirar uma foto, como naquelas revistas de gastronomia, onde uma mesa fantástica sobrevive a ávidos comensais. E guardei aquela imagem decadente.

Não um retrato decrépito mas luxuriante. Algo bem canalha. No bom sentido.


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Fonte.:Folha de S.Paulo

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