11:42 AM
16 de agosto de 2025

Capital do Afeganistão pode ficar sem água até 2030 – 16/08/2025 – Ambiente

Capital do Afeganistão pode ficar sem água até 2030 – 16/08/2025 – Ambiente

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Quando o pôr do sol desceu sobre Cabul numa noite recente, em pleno verão afegão, dois vizinhos dispararam insultos um ao outro sobre o acesso a um recurso que rapidamente desaparece: água.

“Você vem com quatro galões e fura a fila”, Aman Karimi sibilou para uma mulher enquanto arrancava uma mangueira das mãos dela e enchia seus próprios baldes na torneira de uma mesquita. “É a minha vez, e é o meu direito.”

Cabul está secando, definhada por chuvas e derretimentos de neve cada vez mais escassos e esgotada por poços não regulamentados. Tornou-se tão seca que seus 6 milhões de habitantes poderão ficar sem água até 2030 —e agora estão brigando por isso.

As reservas de água estão esvaziando quase duas vezes mais rápido do que são reabastecidas. A administração Talibã, com poucos recursos, não consegue trazer água de barragens e rios próximos à cidade.

Agora, Cabul corre o risco de se tornar a primeira capital moderna a esgotar suas reservas subterrâneas de água, alertou a organização sem fins lucrativos Mercy Corps em um relatório recente.

“Estamos brigando cada vez mais porque a água é como ouro para nós”, conta o alfaiate Karimi, enquanto empurrava um carrinho de mão cheio com 150 litros de água que sua família de cinco pessoas usaria para cozinhar, banhar-se e beber. Karimi disse que eles se mudaram recentemente devido aos preços astronômicos de moradia, mas a nova casa não tem água corrente.

Cabul, cercada por montanhas nevadas e atravessada por três rios, nunca foi conhecida como uma cidade seca. Mas sua população cresceu aproximadamente seis vezes nos últimos 25 anos e nenhum sistema decente de gestão de água foi implementado, seja para trazer água de outras fontes ou para regular a extração subterrânea de estufas, fábricas e edifícios residenciais que estão se multiplicando pela cidade.

O abastecimento de água é uma questão crítica em todo o Afeganistão. Pelo menos 700 mil afegãos são deslocados todos os anos devido às mudanças climáticas, principalmente secas, segundo as Nações Unidas. Um terço dos 42 milhões de afegãos não tem acesso a água potável limpa.

Doadores internacionais financiaram múltiplos projetos de barragens e iniciativas para conectar as casas de Cabul a um sistema de tubulação confiável, orçados em centenas de milhões de dólares. A maioria nunca saiu do papel ou foi abruptamente interrompida após 2021, quando os Estados Unidos se retiraram do Afeganistão, o Talibã assumiu o controle e outras nações se recusaram a reconhecer o novo governo.

“Cabul tem lutado com problemas de água por duas décadas, mas nunca foi uma prioridade”, disse Najibullah Sadid, especialista em recursos hídricos. “Agora os poços estão secando e é uma emergência.”

Os moradores de Cabul têm cavado cada vez mais poços nos pátios e nos porões, perfurando uma cidade esgotada pela extração não regulamentada de água.

Apenas um quinto dos moradores de Cabul tem acesso à água encanada, de acordo com um relatório de 2021 da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Mas o saneamento também tem piorado. Até mesmo a agência ambiental nacional depende de um caminhão-pipa que entrega mais de 10 mil litros de água por dia, porque seu poço secou e os canos precisam de manutenção.

Cabul existe como se estivesse hospitalizada, com milhares de litros de água sendo fornecidos por centenas de triciclos e caminhões que cruzam a cidade.

Aqueles que não podem pagar para comprar água de empresas de entrega dependem dos poços cada vez menores das mesquitas ou da caridade de residentes abastados. Quando o sol se põe, os carrinhos de mão aparecem e as ruas sinuosas e colinas íngremes brilham com grandes galões amarelos de óleo de cozinha transformados em recipientes de água.

Numa manhã, Haji Muhammad Zahir desceu correndo as escadas ao ouvir uma mensagem gravada anunciando água em sua rua. Empresas de entrega de água surgiram por toda Cabul, inclusive em bairros afluentes como o dele, onde antigos moradores agora compartilham suas ruas com ex-combatentes e oficiais do Talibã.

Ex-chefe do Conselho Municipal e engenheiro mecânico aposentado, Zahir disse que seu poço secou há anos e o cano público para sua casa de dois andares só tinha água a cada três dias. Ele pede que o Talibã mantenha Cabul funcionando, mas acrescenta: “Onde está o dinheiro para isso?”

O governo está lutando para encontrar fundos. Em todo o país, quatro barragens foram concluídas desde 2021, incluindo uma a 32 quilômetros de Cabul que, se conectada à cidade, poderia trazer água para milhares de residências. Outro projeto no também próximo Vale Panjshir ainda não recebeu aprovação final da liderança do país.

Ambos carecem de financiamento: doadores estrangeiros fecharam a carteira e os investimentos privados são escassos. “Nossos projetos são grandes e só podemos fornecer metade dos fundos”, disse Matiullah Abid, porta-voz do ministério da água e energia do Afeganistão.

Perto da mesquita onde Karimi havia repreendido uma vizinha, a fila de pessoas esperando por água diminuía lentamente.

Entre os últimos estava Atefeh Kazimi, 26, que encheu alguns recipientes em troca de alguns afegãos, a moeda nacional, para a mesquita. Ela então arrastou seu carrinho de mão por 30 minutos até sua casa.

Há uma mesquita mais perto de sua casa, mas o poço dela já secou.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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