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- Author, Redação*
- Role, BBC News Mundo
O físico italiano Carlo Rovelli adora ficar deitado no sofá e analisar números. Ele gosta de pensar e escrever artigos sobre buracos negros e como testar a teoria.
Mas confessa ter uma luta interna constante.
“Há uma voz dentro de mim que diz: ‘Vamos lá, Carlo, você é um cientista. Não fale sobre os problemas do mundo, apenas fale sobre ciência e cale a boca.'”
No entanto, não é uma voz que ele queira obedecer.
Em 2019, a revista Foreign Policy nomeou Rovelli um dos 100 intelectuais globais mais influentes.
“Por acaso, por algum motivo, descobri que sou uma voz que muitas pessoas ouvem. É minha responsabilidade é falar sobre o que considero serem os erros que estamos cometendo coletivamente.”
O acadêmico e autor do best-seller internacional Sete Lições Curtas de Física, obra que o catapultou ao estrelato científico, conversou com o jornalista da BBC Amol Rajan no podcast “Radical”.
Ele não apenas discutiu o tempo, o espaço e por que acredita que o Big Bang pode ter sido mais um Big Bounce (ou a teoria do Grande Rebote), mas também discutiu sua preocupação com a forma como as potências globais priorizam a competição em detrimento da cooperação.
Ele também argumentou que a inteligência artificial (IA) é superestimada, embora tenha destacado seus usos e a necessidade de sua regulamentação.
A origem do cosmos
Rovelli ainda acha difícil acreditar que Sete Breves Lições de Física tenha se tornado um best-seller. Não era algo que ele ou sua editora italiana poderiam ter imaginado quando o livro foi publicado em 2014.
Ele acredita que um dos motivos é que o livro mistura ideias da física teórica com “as grandes questões”, como o que estamos fazendo aqui ou quem somos.
“(O livro) não separa nossas emoções, nossa busca por significado, do conhecimento científico atual. Pelo contrário, ele tenta ver o que os dois estão dizendo um ao outro.”
Para o físico, de certa forma, estamos nos aproximando de responder às perguntas mais fundamentais sobre as origens do universo e, ao mesmo tempo, não.

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“Os cientistas têm sido espetacularmente bons em reconstruir o que aconteceu em larga escala no universo nos últimos 13, 14 bilhões de anos”, diz.
Para ele, as evidências agora são “esmagadoras” de que todas essas galáxias eram um espaço muito menor, mais comprimido e mais quente. “E que, de certa forma, emergiu dessa enorme explosão, que é o que chamamos de Big Bang.”
“Não temos certeza, mas podemos estar começando a entender o que aconteceu nessa passagem. Por exemplo, pode ter sido um salto: um universo que se comprime e depois salta de volta.”
Rovelli acredita que há uma boa chance de que esse tenha sido o caso e que, nos próximos anos, especialistas em física, cosmologia, astrofísica e astronomia serão capazes de esclarecê-lo.
No entanto, tudo dependerá de quão convincentes forem as evidências.
“Imagine que, por alguma medição, nos convencemos de que houve um grande salto (…). Mas será que respondemos à pergunta de onde o universo veio? Não.”
Seria mais um passo em um caminho complexo em direção à resposta.
É como se houvesse um grande mistério atrás de uma colina, mas, ao chegar ao seu topo, você encontra um vale e o resolve.
“Você descobriu tudo? Não, há outra colina além daquele vale.” Em outras palavras, há outro mistério para desvendar.
Mais ‘inteligência natural’
Nessa busca constante por conhecimento, será que a IA conseguiria alcançar um entendimento que os cientistas não conseguiram?
Rovelli é direto: “Acho que a IA é extremamente superestimada.”
“Por enquanto, deixe eu ser direto: essa tecnologia vai produzir algo mediano em comparação com o que já existe. Até agora, é notavelmente pouco criativa. É muito menos criativa do que o pior dos meus alunos. Talvez melhore, não sei.”

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No entanto, ele reconhece a utilidade da IA em muitos campos, incluindo o seu.
Por exemplo, ela é usada para realizar alguns cálculos complexos na área da gravidade quântica.
“Quando damos um salto tecnológico, há uma tendência a dizer: ‘Este é apenas o primeiro passo, e então isso, isso e aquilo acontecerá’. Mas nem sempre é assim”, afirma.
O cientista era criança quando começaram os primeiros voos entre Londres e Nova York, uma viagem que antes levava semanas.
As pessoas começaram a dizer que, com o passar dos anos, esses voos de 8 horas seriam reduzidos para 7, depois 6, depois 5, 4, 3, 2 e 1 hora.
“Não, 50 anos depois, ainda são 8 horas.”
“A tecnologia dá esses saltos enormes e, para mim, está longe de ser óbvio que este seja apenas o primeiro passo de um enorme crescimento. Talvez seja, não sei”, diz. “Posso estar enganado, mas tenho a sensação de que há muita publicidade em torno da IA.”
E assim, ele se declara como São Tomás: só acredita vendo.

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No entanto, ele alerta que “não é má ideia ser cauteloso” com seu desenvolvimento, porque a IA “será muito poderosa”.
Rovelli enfatiza a importância da regulamentação, de instituições globais que ajudem a controlar de forma transparente o que acontece em torno dessa tecnologia, especialmente porque “haverá um enorme investimento em IA pelos setores militares das grandes superpotências, na tentativa de se superarem mutuamente por meio dela”.
E essa dinâmica competitiva, diz ele, é perigosa.
“Infelizmente, vivemos nessa loucura que é a dissuasão nuclear, a destruição mútua assegurada se alguém lançar uma bomba nuclear. Como os humanos puderam ser tão idiotas a ponto de se colocarem nessa situação?”, questiona.
Por isso, ele acredita que não precisamos, como humanidade, de mais inteligência artificial. “Precisamos de mais inteligência natural, para parar de fazer coisas estúpidas como matar uns aos outros regularmente.”
“A inteligência artificial não vai nos tirar disso: só conseguiremos isso sendo razoáveis.”
As pequenas bolhas em que vivemos
O físico italiano está preocupado com o fato de estarmos entrando no século 21 como entramos no século 20.
“Guerras enormes, todos estão fabricando armas, demonizando uns aos outros, se sentindo ameaçados uns pelos outros. Esses são os sintomas que levam a grandes conflitos.”
Ele conta que a cada duas semanas faz um exercício que consiste em ler os jornais das principais capitais do mundo e o que encontra é uma narrativa “surpreendentemente divergente”.

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“Cada um de nós, incluindo o Ocidente, está em sua própria pequena bolha de histórias, enquanto outros veem o mundo de forma diferente, e não é porque eles são autocracias e nós somos democracias. Não: é porque estamos nos distanciando, e temo que estejamos caminhando para um confronto maior.”
Mas em meio a esse pessimismo, Rovelli sente que há esperança, e é algo que ele vê em muitos jovens que ele considera “igualmente preocupados” com a crise climática, o perigo nuclear, os conflitos armados e, em geral, os problemas globais.
“Precisamos de uma cultura que reconheça que somos uma tribo em todo o planeta.”
Para o físico, não se trata de qual sistema político é o melhor; essa não é realmente a questão principal. A questão é: “Podemos viver juntos neste planeta e resolver problemas juntos?”
Um choque
Houve um tempo em que Rovelli, nascido em 1956, queria transformar o mundo. Ele não estava sozinho.
“A maioria dos meus amigos, não apenas em Verona, mas no mundo todo, pensava: ‘Bem, o mundo é assim, mas vamos mudá-lo para melhor.'”
Como eles fariam isso era o assunto das conversas em todos os lugares por onde ele passava.

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Ele confessa que se sentiu deslocado no ensino médio, onde encontrou professores que não escondiam sua simpatia pelo fascismo.
Ele se lembra de parte de sua juventude viajando, lendo muito e seguindo seu próprio caminho. Como muitas pessoas, acreditava no amor livre, mas não em fronteiras ou no exército.
Ele se considerava um radical e, embora tenha se matriculado na faculdade, não frequentava as aulas regularmente. Adorava estudar sozinho e, quando necessário, abordava os professores com perguntas.
“Me deparei com física moderna, mecânica quântica e relatividade geral (de Albert Einstein), que eram os principais tópicos das aulas.”
“Ler o que os cientistas haviam descoberto no século 20 sobre a natureza da realidade foi como um choque.”
Ele mergulhou na teoria da relatividade geral e ficou absolutamente cativado por ela. Na verdade, ele a achou “mais radical do que Che Guevara e Mao Tsé-Tung”.
E as ideias de Einstein eram absolutamente radicais.

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“Tempo e espaço não são algo fixo lá fora. São apenas a manifestação de um campo. As coisas não acontecem no espaço e no tempo, elas acontecem por si mesmas, e espaço e tempo são apenas maneiras de descrever a ocorrência das coisas. É uma mudança profunda, uma maneira radical de pensar.”
Se a teoria da relatividade nos diz que espaço e tempo não são o que pensávamos que fossem, a mecânica quântica, que descreve o mundo em escala atômica e subatômica, nos diz sobre “tudo”.
“Cada pedaço de matéria, cada componente do universo, cada objeto, você não deve pensar neles isoladamente. Você não pode descrever uma coisa por si só, mas como as coisas afetam umas às outras, como elas se veem. É isso que a mecânica quântica descreve.”
Rovelli assumiu o desafio de ajudar a conciliar duas das grandes teorias do século 20: a mecânica quântica e a relatividade geral.
Nesse sentido, ele dedicou grande parte de sua carreira a construir, em conjunto com colegas, a chamada teoria da gravidade quântica em loop.
Seu herói
Há várias razões pelas quais Einstein é o herói de Rovelli, e nem todas são científicas.
Em outubro de 1914, o físico alemão, juntamente com três acadêmicos, assinou um texto pacifista contra a Primeira Guerra Mundial chamado “Manifesto aos Europeus”.
Nele, eles clamavam pela unidade europeia e exigiam o fim imediato das hostilidades para evitar a todo custo uma guerra fratricida.
“Eles escreveram um belo texto, que infelizmente ninguém seguiu, no qual diziam: O que estamos fazendo? Isso é uma loucura completa. Somos todos civilizados. A pior coisa que podemos fazer é começar a nos matar.”
“Gostaria que muitos intelectuais hoje vissem isso, que tivessem a coragem de se manifestar, mesmo contra a narrativa predominante, e dizer: ‘Não devemos ser movidos pelo medo dos outros ou pelo desejo de ser os mais poderosos, mas devemos trabalhar juntos.'”
Rovelli espera continuar fazendo seus cálculos no sofá e apreciando sua pesquisa sobre gravidade quântica, mas sem deixar de apoiar o mundo em que acredita, um mundo onde a cooperação prevalece sobre a competição.
A verdadeira luta, diz ele, é entre colaboração e confronto.
*Esta reportagem é baseada em uma conversa entre Amol Rajan e Carlo Rovelli e foi editada para maior clareza. Você pode ouvir a entrevista completa no BBC Sounds (em inglês).
Fonte.:BBC NEWS BRASIL