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17 de novembro de 2025

Casas destruídas e preços exorbitantes: moradores relatam a vida em Gaza um mês após cessar-fogo

Casas destruídas e preços exorbitantes: moradores relatam a vida em Gaza um mês após cessar-fogo

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 Uma mulher de véu claro e vestido marrom senta-se entre os destroços. Ela olha para baixo, com expressão triste.

Crédito, Mona al-Harazeen

Legenda da foto, Mona al-Harazeen entre os escombros de sua casa na Cidade de Gaza durante o cessar-fogo anterior, em janeiro de 2025

Quando Israel e Hamas concordaram com um cessar-fogo na Faixa de Gaza, há um mês, Mona al-Harazeen lembra não ter conseguido conter o choro.

Só pensava no filho Yazan, morto, segundo ela, em um bombardeio nos primeiros meses da guerra, aos 17 anos.

“Durante a guerra, não tivemos tempo de ficar tristes. Eu não tive tempo de viver o luto”, explica a mulher de 36 anos, que trabalhava no setor administrativo da companhia elétrica local. “Quando a guerra acaba, a dor e a tristeza voltam.”

Falando por telefone à BBC, ela diz que a primeira coisa que fez foi retornar ao norte da Faixa de Gaza, onde viveu a maior parte da vida. Tinha fugido de bombardeios intensos semanas antes de o cessar-fogo entrar em vigor, em outubro.

Não era a primeira vez que al-Harazeen fazia esse percurso. Em janeiro de 2025, quando um cessar-fogo anterior foi firmado, ela também caminhou do sul ao norte.

Na ocasião, carregava o corpo de Yazan, que havia retirado dos escombros onde estava preso havia quase um ano. Chorando, explica que queria dar ao filho um enterro digno.

Desta vez, ela foi de carro. O trajeto, que antes da guerra levaria 30 minutos, durou cerca de três horas, em meio a estradas destruídas e engarrafamentos causados pelo grande número de pessoas retornando ao norte.

Um jovem de terno cinza-claro, camisa branca e gravata preta posa diante de palmeiras, durante o que parece ser uma celebração.

Crédito, Mona al-Harazeen

Legenda da foto, Yazan, filho de Mona al-Harazeen, morto na guerra aos 17 anos, sonhava em ser engenheiro

Desta vez, ela foi de carro. O trajeto, que antes da guerra levaria 30 minutos, durou cerca de três horas, em meio a estradas destruídas e engarrafamentos causados pelo grande número de pessoas retornando ao norte.

Ao cruzar o vale com vista para a Cidade de Gaza, al-Harazeen diz ter ficado aterrorizada. “Até onde eu podia ver, só havia espaços vazios. Era uma cena horrível. O chão estava coberto de destroços, como se tivesse engolido todos os prédios.”

Ela conta que o horizonte mudou completamente: edifícios de até 13 andares desapareceram.

“Foi solitário e assustador. Não consigo descrever a sensação. Só chorei”, diz. Ela já sabia que sua casa, onde morou por 20 anos, fora destruída em 2024. Apesar disso, quer permanecer na cidade, “porque é o meu lar”. Encontrou um apartamento de três cômodos para alugar a dez minutos de carro.

É um dos poucos disponíveis e, segundo ela, custa caro. Só consegue pagar dividindo o aluguel com a mãe, duas irmãs e suas famílias. Não sabe por quanto tempo vão conseguir manter o arranjo.

Uma mulher de véu claro e casaco cinza e marrom aparece de costas. À sua frente, restam apenas as estruturas de dois prédios destruídos e grandes montes de entulho e terra.

Crédito, Mona al-Harazeen

Legenda da foto, O bairro de Mona al-Harazeen, em Tal al-Hawa, foi quase totalmente destruído

Ela afirma não ter recebido ajuda nem doações de alimentos. Diz que alguns produtos voltaram a aparecer, mas com preços “absurdos”.

Antes da guerra, 1kg de banana custava cerca de três shekels (R$ 5,40). Agora, está em torno de 20 shekels (R$ 36). Um pacote de pão pita, que custava sete ou oito shekels (R$ 15), hoje chega a 60 shekels (R$ 108).

Ela ainda não consegue comprar ovos e conta que muitas famílias cozinham em fogueiras, por falta de gás.

“Acendemos fogo sobre placas de metal, em cilindros grandes, nas varandas, em banheiros desativados ou perto das janelas, para ferver água e esquentar a comida.”

“Como não temos móveis, sentamos em cobertores e almofadas no chão”, acrescenta.

Ela diz que os habitantes de Gaza não se sentem seguros e duvidam da estabilidade do cessar-fogo. “Ainda ouvimos tiros, foguetes e bombardeios. Tenho muito medo.”

Mesmo assim, dorme um pouco mais tranquila ao saber que os outros dois filhos, Mohammad, 16, e Bashar, 12, estão relativamente protegidos.

O futuro, para ela, é sombrio: “Não temos futuro… Gaza acabou.”

“Gostaria, nem que fosse por um dia, de voltar à minha casa, tomar banho no meu banheiro, dormir na minha cama, pentear o cabelo diante do espelho, vestir roupas limpas, passar meu perfume. Tenho saudade das coisas simples que fazia e já não posso fazer.”

Jumana

Uma mulher de vestido vermelho e véu branco com vermelho senta-se com duas meninas pequenas, uma de cada lado.

Crédito, Jumana

Legenda da foto, Jumana diz que celebrou o Eid com as filhas no início deste ano

Enquanto a maioria das pessoas ouvidas diz achar impossível pensar em reconstruir a vida, algumas, como Jumana, 26, encontram breves lampejos da antiga rotina.

Sua casa é uma das poucas ainda de pé na Cidade de Gaza.

“Nosso apartamento não foi gravemente danificado, graças a Deus”, afirma por telefone. “Só as janelas quebraram, e a cozinha ficou um pouco destruída.”

A jornalista freelancer vive ali com o marido, que também trabalha na área, e as duas filhas. A mais velha, Tulin, 6, que sonhava voltar à escola, começou a ter aulas particulares, sendo as primeiras desde o início da guerra.

A caçula, Thalia, 2, nasceu menos de uma semana depois do ataque de 7 de outubro de 2023, liderado pelo Hamas contra o sul de Israel, quando 251 pessoas foram sequestradas e cerca de 1.200 morreram.

Tulin também nasceu em outubro, e os pais esperavam, neste ano, finalmente fazer uma grande festa para as duas. Mas os planos ruíram quando um parente foi morto em bombardeios israelenses no fim de outubro, após Israel e Hamas se acusarem mutuamente de violar o cessar-fogo.

Ele é uma das mais de 68 mil vítimas da guerra em Gaza, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, números aceitos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades internacionais.

O Exército israelense afirmou ter atingido “dezenas de alvos terroristas e militantes” em resposta a violações do acordo mediado pelos Estados Unidos.

O ministro da Defesa de Israel acusou o Hamas de um ataque que matou um soldado israelense e de descumprir as condições sobre a devolução dos corpos de reféns mortos.

O Hamas negou envolvimento e acusou Israel de tentar minar o acordo.

Para Jumana, o episódio foi um lembrete de que a vida está longe do normal. “Com guerra ou sem guerra, é isso que nossas vidas viraram, a triste realidade”, diz, com amargura.

Duas meninas pequenas sentam em um carrinho de compras; uma delas segura vários tipos de doces. As duas usam laços no cabelo. Atrás delas, as prateleiras do supermercado estão cheias de guloseimas.

Crédito, Jumana

Legenda da foto, Jumana diz que se sentiu com sorte por encontrar guloseimas para as filhas

Ainda assim, saiu para passear com o marido e as meninas. Compartilhou um vídeo das duas caminhando entre destroços.

Depois, foram a um restaurante. “Comeram pizza, shawarma e tomaram Coca-Cola. Ficamos tanto tempo sem nada disso que parecia um sonho”, conta.

Jumana também postou fotos de alimentos que conseguiu comprar — espetinhos de carne, frango inteiro, sorvete, frutas e cordeiro. Levou as filhas ao supermercado e registrou prateleiras cheias de doces, salgadinhos e café, mas outras vazias ao fundo.

“As prateleiras só ficam cheias quando o [Exército] israelense permite a entrada de mercadorias”, explica. “Nem tudo está disponível. Se as fronteiras fecham por dois dias, os produtos somem imediatamente.”

Ela e o marido conseguem sustentar a família porque continuam trabalhando. Mas a maioria dos moradores está desempregada e os bancos permanecem fechados.

Alguns ainda têm dinheiro guardado e cobram taxas de até 25% para liberar transferências, relata.

Uma mulher de óculos escuros e véu preto e cinza senta-se em uma cadeira na praia. Atrás dela, veem-se prédios destruídos, com paredes e janelas arrebentadas cobertas por panos.

Crédito, Jumana

Legenda da foto, Jumana diz que tem dificuldade em imaginar um futuro para a família em Gaza

Jumana também compartilhou imagens das filhas brincando e nadando no mar, com prédios destruídos ao fundo; em um deles, sem paredes nem janelas, ainda vive uma família.

A cena resume a realidade em Gaza. “Não há futuro para nós nem para nossas filhas. Tentamos seguir, mas não é normal”, diz. “Estamos planejando um futuro fora de Gaza, infelizmente.”



Fonte.:BBC NEWS BRASIL

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