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- Author, Anthony Zurcher e Tom Bateman
- Role, Da BBC News nos EUA
Um ataque aéreo de Israel contra a equipe de negociação do Hamas no Catar, em 9 de setembro deste ano, parecia afastar a perspectiva de paz. A ofensiva violou a soberania de um aliado dos Estados Unidos e aumentou o risco de ampliar o conflito na região. A diplomacia parecia estar em ruínas.
Mas, se o acordo se mantiver, pode se tornar a marca registrada de Trump em seu segundo mandato — algo que não foi possível para Biden e sua equipe diplomática.
Mas, como na maioria das conquistas diplomáticas, houve fatores fora do controle de ambos.
Uma relação próxima que Biden nunca teve
Em público, Trump e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, estão sempre sorrindo.
Trump gosta de dizer que Israel não tem melhor amigo, e Netanyahu já descreveu Trump como o “maior aliado de Israel já visto na Casa Branca”. Essas palavras calorosas também foram acompanhadas de ações.
Durante seu primeiro mandato presidencial, Trump transferiu a embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e abandonou a posição histórica americana de que os assentamentos israelenses na Cisjordânia palestina são ilegais. Essa posição acerca da ilegalidade, aliás, era baseada no direito internacional.
Quando Israel iniciou seus ataques aéreos contra o Irã em junho, Trump ordenou que bombardeiros americanos atingissem as instalações de enriquecimento nuclear do país com suas bombas convencionais mais potentes.

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Essas demonstrações públicas de apoio podem ter dado a Trump espaço para exercer mais pressão sobre Israel nos bastidores. Segundo relatos, o negociador de Trump, Steve Witkoff, pressionou Netanyahu no final de 2024 para aceitar um cessar-fogo temporário em troca da libertação de alguns reféns.
Quando Israel lançou ataques contra forças sírias em julho, incluindo o bombardeio de uma igreja cristã, Trump pressionou Netanyahu a mudar de direção.
Trump demonstrou um nível de determinação e pressão sobre um primeiro-ministro israelense praticamente sem precedentes, diz Aaron David Miller, do Carnegie Endowment for International Peace, uma das principais organizações pacifistas não-governamentais dos EUA.
“Não há precedente de um presidente americano dizendo literalmente a um primeiro-ministro israelense que ele terá de cumprir algo, caso contrário sofrerá consequências.”
A relação de Biden com o governo de Netanyahu sempre foi mais tênue.
A estratégia de “abraço de urso” de sua administração sustentava que os EUA precisavam abraçar Israel publicamente para permitir que o país moderasse sua conduta de guerra em privado.
Por trás disso, estava quase meio século de apoio de Biden a Israel, além das fortes divisões dentro de sua coalizão no Partido Democrata em relação à guerra em Gaza. Cada passo que Biden dava corria o risco de fragilizar seu próprio apoio doméstico, enquanto a base sólida de Trump no Partido Republicano lhe deu mais margem de manobra.
No fim, a política interna ou os relacionamentos pessoais podem ter sido menos importantes do que o simples fato de que, durante a presidência de Biden, Israel não estava pronto para a paz.
Oito meses após o início do segundo mandato de Trump, com o Irã contido, o Hezbollah fortemente enfraquecido ao norte no Líbano e Gaza em ruínas, todos os principais objetivos estratégicos de Trump haviam sido alcançados.
Histórico empresarial ajudou a garantir apoio do Golfo
O ataque de mísseis israelenses em Doha (Catar) no mês passado, que matou um cidadão do Catar, mas nenhum membro do Hamas, levou Trump a fazer um ultimato a Netanyahu: a guerra precisava acabar.
Trump havia dado a Israel relativa liberdade em Gaza, além do apoio com poder militar americano aos ataques israelenses contra o Irã. Mas um ataque em solo no Catar era outra questão, aproximando-o da posição árabe sobre a melhor forma de encerrar o conflito.
Vários funcionários de Trump disseram à emissora CBS, parceira da BBC nos EUA, que esse foi um ponto de virada que levou Trump a exercer máxima pressão para concluir um acordo de paz.

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Os laços próximos de Trump com os países do Golfo são bem conhecidos. O presidente e também empresário mantém negócios com o Catar e os Emirados Árabes Unidos. Trump iniciou ambos os mandatos presidenciais com visitas de Estado à Arábia Saudita. Neste ano, também passou por Doha e Abu Dhabi (nos Emirados Árabes Unidos).
Os Acordos de Abraão, assinados em 2020 durante o primeiro mandato de Trump, normalizaram as relações entre Israel e vários países muçulmanos, incluindo os Emirados Árabes Unidos. Esses acordos se tornaram a maior conquista diplomática da primeira gestão Trump.
O tempo passado nas capitais da Península Arábica no início deste ano ajudou a mudar a visão do presidente dos EUA, afirma Ed Husain, do think tank (centro de pesquisa e debates) americano Council on Foreign Relations (CFR), baseado em Washington. Na viagem ao Oriente Médio, ele não visitou Israel, mas esteve nos Emirados, na Arábia Saudita e no Catar, onde ouviu diversos pedidos para pôr fim à guerra.
Menos de um mês após o ataque israelense em Doha, Trump estava por perto quando Netanyahu ligou pessoalmente para o Catar para se desculpar. Mais tarde naquele dia, o líder israelense aprovou o plano de paz de 20 pontos de Trump para Gaza, que também contava com o apoio de importantes países muçulmanos da região.
Se a relação de Trump com Netanyahu lhe deu espaço para pressionar Israel a fechar um acordo, seu histórico com líderes muçulmanos pode ter garantido seu apoio e ajudado a convencer o Hamas a se comprometer com o mesmo acordo.
“Uma das coisas que claramente aconteceu foi que o presidente Trump desenvolveu influência sobre os israelenses e, indiretamente, sobre o Hamas”, diz Jon Alterman, do think tank (centro de pesquisa e debates) americano Center for Strategic and International Studies (CSIS).
“Isso fez diferença. Sua capacidade de agir no seu tempo, sem ceder aos desejos dos combatentes, tem sido um problema que muitos presidentes anteriores enfrentaram, e ele parece ter feito isso com relativo sucesso.”
O fato de Trump ser muito mais popular em Israel do que o próprio Netanyahu também serviu como influência que ele soube usar a seu favor, acrescenta Alterman.
Agora, Israel se comprometeu a libertar mais de mil palestinos detidos em prisões israelenses e concordou com uma retirada parcial de Gaza.
O Hamas vai liberar todos os reféns restantes, vivos e mortos, capturados durante o ataque original de 7 de outubro, que resultou na morte de mais de 1.200 israelenses.
O fim da guerra, que provocou a devastação de Gaza e a morte de mais de 67.000 palestinos, passa a ser concebível.
Europeus exercem sua influência
A condenação global de Israel por suas ações em Gaza também influenciou o pensamento de Trump.
As condições em solo são sem precedentes em termos de destruição e da catástrofe humanitária para os palestinos. Nos últimos meses, o governo Netanyahu tornou-se cada vez mais isolado internacionalmente.
Quando Israel assumiu o controle militar do abastecimento de alimentos aos palestinos e anunciou um ataque planejado a Gaza, vários países europeus, liderados pelo presidente francês, Emmanuel Macron, decidiram que não poderiam permanecer alinhados à posição de apoio incondicional a Israel defendida por Washington.

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Seguiu-se uma divisão histórica entre americanos e aliados europeus em relação a elementos-chave da diplomacia e ao futuro do conflito israelo-palestino.
A administração Trump criticou a França quando anunciou que reconheceria um Estado palestino, movimento seguido pelo Reino Unido. O objetivo era manter a ideia da solução de dois Estados viva, mas, mais fundamentalmente, buscavam marginalizar os extremos de ambos os lados e retomar um caminho diplomático rumo a um futuro compartilhado entre israelenses e palestinos.
Macron foi astuto ao conseguir o apoio da Arábia Saudita para seu plano de paz.
No fim, Trump se viu diante de uma aliança euro-árabe, oposta a nacionalistas israelenses e à extrema direita, em relação às visões para o futuro de longo prazo de Gaza. Ele escolheu seus aliados no Golfo.
Sob um plano de paz franco-saudita, os países árabes também emitiram uma condenação sem precedentes aos ataques do Hamas e pediram que o grupo encerrasse seu governo em Gaza e entregasse suas armas à Autoridade Palestina, sob a perspectiva de um Estado palestino independente.
Foi uma vitória diplomática para árabes e europeus. O plano de 20 pontos de Trump incorporou elementos do plano franco-saudita em áreas-chave, incluindo referência ao eventual Estado palestino, ainda que de forma vaga e altamente condicional.
Trump, ao solicitar que Turquia, Catar e Egito mantivessem pressão sobre o Hamas, encurralou Netanyahu, exercendo pressão inédita para que ele encerrasse a guerra.
Ninguém poderia ser o lado a dizer não a Trump.
O estilo único de Trump desbloqueou o impasse
O modo pouco ortodoxo de Trump ainda tem capacidade de surpreender. Começa com arrogância ou exageros e, depois, se transforma em algo mais convencional.
Em seu primeiro mandato, os insultos a Kim Jong-un como “pequeno foguete” e os avisos de “fogo e fúria” pareciam levar os EUA à beira da guerra com a Coreia do Norte. No entanto, ele acabou engajando-se em negociações diretas.
Trump iniciou seu segundo mandato com uma sugestão surpreendente de que os palestinos deveriam ser obrigados a se mudar de Gaza, transformada, em sua visão, em um resort internacional à beira-mar.
Líderes muçulmanos ficaram indignados, e diplomatas experientes do Oriente Médio, horrorizados.
O plano de paz de 20 pontos de Trump, porém, não é tão diferente do tipo de acordo que Biden teria buscado e que os aliados americanos há muito apoiavam. Não era um projeto para uma Riviera de Gaza.
Trump seguiu um caminho nada convencional para alcançar um resultado convencional. Tem sido confuso. Pode não ser assim que se ensina diplomacia nas universidades da Ivy League — grupo de oito instituições norte-americanas renomadas por sua excelência acadêmica, prestígio histórico e alta seletividade. Mas, ao menos neste caso e neste momento, mostrou-se eficaz.
Nesta sexta-feira (10/10), o Comitê Nobel anunciou o vencedor do Prêmio da Paz deste ano. O prêmio foi para a opositora venezuelana María Corina Machado. Era bastante improvável que Trump fosse o escolhido, mas essa possibilidade já não era tão remota quanto parecia há poucas semanas.
Reportagem adicional de Kayla Epstein
Fonte.:BBC NEWS BRASIL