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23 de outubro de 2025

CFM aponta “severidade incomum” de juiz em ação de ONG trans

CFM aponta “severidade incomum” de juiz em ação de ONG trans

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A ONG chamada “Minha Criança Trans” processou o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o médico Raphael Câmara, relator de uma resolução publicada em abril deste ano (Resolução 2.427/2025), que proibiu o uso de bloqueadores hormonais antes dos 18 anos a pessoas que não se reconhecem no sexo biológico com que nasceram.

O motivo da ação está relacionado a uma fala do médico, em suas redes sociais particulares, comemorando decisão recente do STF que tornou novamente válidos os termos da resolução do CFM – uma liminar de um juiz da Justiça do Acre havia suspendido a norma de julho.

Em sua fala, em contexto particular e não institucionalmente ligado ao CFM, Raphael Câmara disse, no dia 3 de outubro: “Crianças e adolescentes do Brasil voltam a ficar protegidas. Não tem essa história mais de fazer hormônio em criança, de fazer cirurgia de gênero, esterilizante abaixo de 21 anos, muito menos de usar bloqueio hormonal em crianças”.

A ONG acionou a Justiça pedindo explicações ao CFM e ao médico, alegando que cirurgias de redesignação sexual em crianças nunca foram autorizadas. A entidade sugeriu que Câmara teria dito que esses procedimentos seriam permitidos até a decisão do STF tornar a norma do CFM novamente válida.

As palavras de Câmara relacionadas a crianças, entretanto, referem-se apenas ao uso de bloqueadores hormonais, e não a cirurgias de redesignação de gênero. Mesmo assim, um juiz da 3ª Vara Federal Cível e Criminal do Acre acatou o argumento da entidade trans.

E o magistrado foi além: enquanto a ONG pediu multa diária por demora nas respostas ao pedido de esclarecimentos ao médico e ao CFM, o magistrado decidiu determinar multa única, em valor elevado – R$ 300 mil – caso as respostas às dez perguntas apresentadas pela entidade não fossem respondidas em até 48h. O não cumprimento do prazo também acarretaria suspensão e afastamento do cargo de Raphael Câmara como conselheiro do órgão federal de Medicina.

Em suas manifestações à Justiça, tanto o médico quanto o CFM apontaram deturpação proposital das palavras de Raphael Câmara por parte da ONG “Minha Criança Trans”. O órgão federal também criticou a conduta do juiz, apontando uma série de supostas irregularidades na decisão.

Médico aponta “narrativa falsa” de ONG

Em resposta à demanda judicial, os advogados de Raphael Câmara afirmaram que ele “jamais disse que crianças fizeram ou fariam cirurgias esterilizantes”, referindo-se exclusivamente ao uso de bloqueadores hormonais em menores de 18 anos.

Em paralelo, a defesa questionou a conduta da ONG no processo, argumentando que a entidade adotou “uma leitura fragmentada e descontextualizada” da fala do médico, “produzindo narrativa que não reflete o teor técnico, científico e institucional de suas declarações”.

Já o CFM, em sua manifestação, apontou “óbvia deturpação” das falas do médico por parte da ONG. Segundo o órgão, Câmara “nunca mencionou que havia cirurgias de redesignação de gênero para menores de 18 anos, falou expressamente quanto a menores de 21 anos. Questionamento que, por si mesmo, bem demonstra a deturpação de sua fala por parte da autora”.

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Juiz é o mesmo que derrubou resolução do CFM em julho. Órgão aponta “severidade incomum”

O juiz responsável por acatar o pedido da ONG Minha Criança Trans é o mesmo que, em julho, havia determinado a suspensão da Resolução 2.427/2025, atendendo pedido da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O magistrado decidiu derrubar a norma mesmo já havendo duas ações no Supremo que tratavam do assunto. Foi por esse motivo que Flávio Dino anulou a decisão e manteve a resolução do CFM.

Em sua manifestação, o Conselho Federal de Medicina apontou que o juiz teria novamente agido sem competência para julgar o caso, pois já existia uma ação anterior e conexa sobre a mesma resolução em tramitação na 21ª Vara Federal do Distrito Federal.

Além disso, o órgão aponta uma série de supostas ilegalidades e excessos na determinação judicial. Segundo o CFM, a decisão é desproporcional, sem urgência que a justifique, e com “severidade incomum” ao exigir resposta em apenas 48 horas, sob multa de R$ 300 mil para cada réu e ameaça de afastamento do cargo do conselheiro.

“Trata-se de determinação dotada de severidade incomum, sem precedentes em casos de natureza similar, e que se distancia frontalmente dos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade e do devido processo legal. Não se observa, na decisão, qualquer fundamentação que justifique o prazo exíguo concedido, tampouco a fixação de multa em valor tão manifestamente elevado”, dizem os advogados.

A defesa também diz que a decisão viola garantias constitucionais e questiona o fato de o órgão ter sido intimado sem ter relação direta com o caso, já que a fala se deu em contexto particular do médico, em sua rede social privada – isto é, sem nenhuma relação institucional com o CFM.

O que diz a resolução

A Resolução 2.427/2025 proibiu o uso de bloqueadores hormonais antes dos 18 anos a pessoas que não se reconhecem no sexo biológico com que nasceram. Além disso, estabeleceu que as chamadas cirurgias de afirmação de gênero (“mudança de sexo”, na linguagem popular) podem ocorrer somente após um ano de acompanhamento médico e a partir dos 18 anos. Quando houver risco de esterilização (como remoção de testículos ou útero), a idade mínima passa a 21 anos.

No dia 1º de outubro, a revista Nature Medicine – uma das mais influentes publicações científicas do mundo na área da saúde e biomedicina – publicou um artigo de membros do CFM em defesa da Resolução.

“Com base em princípios legais, científicos e bioéticos, as normas adotadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil por meio da Resolução nº 2.427/2025 não representam um retrocesso nos direitos das pessoas transgênero. Ao contrário, constituem o exercício legítimo de um dever institucional: garantir a segurança, a eficácia e a integridade científica das práticas médicas no Brasil, especialmente aquelas de alto impacto biológico em populações vulneráveis, como crianças e adolescentes”, diz trecho do artigo.



Fonte. Gazeta do Povo

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