8:44 AM
15 de agosto de 2025

Chef Bel Coelho lança livro e filme sobre ingredientes brasileiros na COP30

Chef Bel Coelho lança livro e filme sobre ingredientes brasileiros na COP30

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Ela não se contenta apenas em cozinhar. Muito bem, diga-se. Bel Coelho é uma chef interessada na origem dos alimentos e em quem os produz. De preferência, usa matérias-primas orgânicas de pequenos agricultores familiares, de ribeirinhos, de comunidades quilombolas.

Como uma expedicionária, ela vem explorando uma cartografia dos biomas brasileiros, trabalho agora registrado em Floresta na Boca, ao mesmo tempo livro e documentário a serem lançados em novembro na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, em Belém.

O momento não poderia ser mais oportuno, uma vez que estarão no evento lideranças do mundo todo, cientistas e representantes de ONGs e da sociedade civil. Esse, porém, é só o ponto de partida de um grande plano que pretende mapear a Caatinga, a Mata Atlântica, o Cerrado, o Pampa e o Pantanal, sempre com livro e série documental, lembrando que a divisão em biomas não corresponde à de regiões, mas ao conjunto de ecossistemas terrestres com vegetação característica com predomínio de um tipo de clima.

Mulher olhando para baixo e parede de tijolos
Bel em visita à casa de farinha na Comunidade Quilombola Espírito Santo do Itá, em Santa Izabel (Carol Quintanilha/Divulgação)

Embora esteja vibrando com essa conquista, Bel lembra que esse não foi um processo simples. “É uma ideia antiga, de 2014. Levei a um monte de produtoras. Demorou muito porque é caro e envolve muitas viagens, uma logística complexa”, explica.

A chef encabeça esse projeto multidisciplinar com financiamento obtido com o Instituto Arapyaú, a Open Society Foundations e o Google, mais a parceria com a Reenvolver, consultoria de fortalecimento de cadeias de biodiversidade.

A equipe de Floresta na Boca é formada por Marina Aranha, ilustradora e sócia de Bel na empreitada, mais a pesquisadora alimentar Patty Durães, a jornalista Janaina Fidalgo, responsável pelo texto, a cineasta e fotógrafa Carol Quintanilha e a fotógrafa Lari Lopes, além do ecólogo Jerônimo Villas-Bôas, único homem do grupo.

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Nessa estreia, o foco não se restringiu a registrar a riqueza de ingredientes da Amazônia paraense, mas fazer um retrato de moradores empenhados em manter a floresta viva. “Essas comunidades são as guardiãs da floresta”, reforça Carol Quintanilha, que originalmente foi convidada para fotografar o livro, que se desdobrou em filme.

Duas mulheres em floresta olhando
Bel com a extrativista de castanha-do-brasil Raimunda Rodrigues: coleta de ingredientes (Carol Quintanilha/Divulgação)

Nas duas obras, estão registrados personagens como a extrativista de castanha-do-pará Raimunda Rodrigues, na Reserva Extrativista Rio Iriri, e agricultores de mandioca da casa de farinha no Quilombo Espírito Santo do Itá, em Santa Izabel.

O acesso à maioria das comunidades é por barco e o maior trajeto dura cerca de doze horas. Foram navegados rios como Xingu, Iriri, Tapajós, Arapiuns, Baixo Tocantins e Maratauira.

O açaí, o cacau, a castanha-do-pará e a mandioca são os ingredientes mais icônicos do bioma, escolhidos para serem usados como fios condutores da produção.

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O livro, que será publicado pela Editora Fósforo em português e inglês, reúne dez receitas, só três de Bel — as demais são de mulheres que ela encontrou nas visitas. “Eu amo bacalhau à brás e a ideia era fazer um, mas com ingredientes amazônicos. Mas um pirarucu à brás me pareceu estranho”, conta.

Assim, surgiu a brandade de pirarucu seco com gema curada. O exemplar traz ainda informações técnicas sobre os ingredientes e personagens locais com seus ensinamentos, além de pensatas da chef.

Prato com ovo em cima e louça azul
Brandade de pirarucu: uma das três receitas da cozinheira no livro (Lari Lopes/Divulgação)

Sobre a estrutura do documentário, com duração de 52 minutos, Bel tem uma definição particular. “Vai ser meio um road movie. Mas a Carol (Quintanilha) não queria que fosse só mais uma viagem, seria mais do mesmo. Ela queria trazer um elemento mais pessoal. Vou escrevendo um diário, para falar das minhas crises, das minhas reflexões sobre conservação da natureza, sobre biodiversidade”, adianta.

A cineasta faz um pequeno ajuste: “Falei para a Bel para fazer como um road movie, mas na verdade é um boat movie”. A preocupação da chef e de sua equipe vai além da gastronomia, da cultura alimentar, como ferramenta de conservação da sociobiodiversidade.

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“Acho que o turismo ecológico de base comunitária também pode ser outro aliado. É necessário cutucar o poder público para desenvolver uma malha aérea mais decente. Precisa de incentivo, de formação em hospitalidade para ser receptivo. Não consigo entender como o turismo ainda não explodiu no Brasil”, questiona a chef.

A consistência do trabalho de Bel se expressa nos dois restaurantes que comanda em São Paulo, classificados com quatro das cinco estrelas máximas de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER.

Mulher cozinhando e sorrindo
Bel Coelho: chef revelação pelo COMER & BEBER 2004 no Sabuji (MarIo Rodrigues/Veja SP)

Tanto o Cuia Bar e Restaurante, no térreo do Edifício Copan, junto à livraria Megafauna, e em Pinheiros, como o Clandestina, em funcionamento há um ano na Vila Madalena onde foi o extinto ChefVivi, devotam-se a uma culinária brasileira que se entrelaça com técnicas estrangeiras que ela experienciou ao longo de sua carreira, sem perder a identidade.

Bel deu os primeiros passos profissionais com apenas 17 anos no extinto restaurante que o chef francês Laurent Suaudeau teve com o nome dele nos Jardins. Dessa época, lembra-se com carinho do aprendizado com o Russo, apelido do subchef cearense Antonio Faustino de Oliveira (1965-2010).

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Mulher segurando faca e cortando
Bel Coelho aos 19 anos no Culinary Institute of America (Acervo pessoal/Divulgação)

Na sequência, fez parte da equipe de confeitaria do Fasano, que deixou para estudar no Culinary Institute of America, em Nova York. Ainda fora das fronteiras nacionais, teve uma passagem pelo estrelado espanhol El Celler de Can Roca, restaurante dos irmãos Roca, em Girona, na Catalunha.

Mulheres fazendo pão em cozinha
Aula de panificação com uma colega: aprendizado no Culinary Institute of America (Acervo pessoal/Divulgação)

Depois de trabalhar no D.O.M., de Alex Atala, começou a chamar atenção quando assumiu o comando do Madelleine, na Vila Madalena, casa de vida breve. A estreia como sócia de um restaurante foi no extinto Sabuji, que funcionou no Jardim Paulistano.

Pelo trabalho desenvolvido tornou- se a primeira profissional a receber o título de chef revelação de VEJA SÃO PAULO COMER & BEBER, quando a categoria estreou na publicação, em 2004.

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Ao ser premiada pelo guia anual, a jovem de 25 anos furava a bolha de um universo predominantemente masculino. Ela não parou mais. Teve restaurantes como Dui, nos Jardins, onde, no piso superior, inventou o Clandestino, com degustações formidáveis. Uma das melhores foi dedicada aos orixás.

Mulher entre vários homens sorrindo e com placas
Chef revelação pelo COMER & BEBER 2004 no Sabuji e na premiação: furando a bolha de um universo masculino (Alessandra Gerzoschkowitz/Divulgação)

Depois, o Clandestino teve uma volta intermitente com jantares sob reserva na Vila Madalena. Com uma notável capacidade de se reinventar, a chef o transformou em Clandestina e o reabriu no mesmo bairro, para felicidade de quem ama a boa mesa.

No cardápio do Clandestina há uma receita de barriga de porco glaceada com uma variação do tucupi reduzida, por isso chamada de tucupi preto. O ingrediente é uma de suas paixões, que conheceu em viagem a Belém em 2004.

Como o autor deste texto ainda nos seus tempos de repórter, ela foi ciceroneada por Paulo Martins (1946-2010), do restaurante Lá em Casa, que foi uma das maiores instituições gastronômicas da capital paraense. Com o chef e restaurateur descobriu o aromático caldo amarelo extraído da mandioca-brava, uma sabedoria culinária legada pelos povos originários.

“Fiquei chocada com a complexidade, com a profundidade de sabores”, lembra. A ousadia sempre foi um dos combustíveis da cozinheira, que é filha de uma família tradicional — nascida Isabel Aranha Coelho, a paulistana de 46 anos tem como parente mais ilustre o bisavô pelo lado materno, Oswaldo Aranha, chanceler e ministro no governo de Getúlio Vargas.

Menina com macacão e pano na mão
Bel Coelho com 1 ano de idade (Acervo pessoal/Divulgação)

Libertária, aos 28 anos ela chocou os puristas ao posar nua para a revista Trip. Sua trajetória revela uma guerreira, uma feminista de posicionamentos firmes, que defende uma sociedade igualitária entre mulheres e homens.

Bel mantém a vida pessoal longe dos holofotes. Durante sete anos foi casada com o compositor Rica Amabis, com quem teve os filhos Francisco, 11, e José, 8. Nos últimos cinco, manteve um casamento com o violonista João Camarero, de quem se separou neste ano.

Mulher com duas crianças sorrindo
Versão mãezona de Francisco, 11, e José, 8: tempo para cuidar dos filhos (Tuca Vieira/Divulgação)

“Quero ficar solteira. Ninguém aceita em paz que uma mulher pode estar feliz na própria companhia. Ou na companhia de amigos. Exercer a liberdade nessa idade, e sendo uma mulher, é quase revolucionário. E é incrível como a liberdade de uma mulher 40+ incomoda”, afirma. Mais Bel Coelho em essência, impossível.

Publicado em VEJA São Paulo de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957.

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Fonte.: Veja SP Abril

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