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14 de junho de 2025

Chefs estão usando ChatGPT para montar menus – 08/06/2025 – Comida

Chefs estão usando ChatGPT para montar menus – 08/06/2025 – Comida

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Durante quatro meses em 2026, o restaurante Next, em Chicago, vai servir um menu de nove etapas, com cada prato criado por um chef diferente. Entre eles está uma mulher de 33 anos de Wisconsin, que trabalhou sob a tutela do inovador modernista Ferran Adrià, do purista mestre do sushi Jiro Ono e do grande sistematizador da alta gastronomia francesa, Auguste Escoffier.

O currículo impressionante se torna ainda mais notável ao lembrar que Escoffier morreu em 1935.

De qual lugar Grant Achatz, chef e proprietário do Next, achou esse prodígio? Em conversas com o ChatGPT, Achatz forneceu ao chatbot o nome da chef, Jill, além de seu histórico profissional e familiar, todos inventados por ele. Em seguida, pediu que a IA sugerisse pratos que refletissem as influências pessoais e profissionais dessa personagem fictícia.

Se tudo correr como planejado, Achatz continuará alimentando o programa para aperfeiçoar uma das receitas de Jill, assim como as de outros oito chefs imaginários, criando um menu quase inteiramente composto por inteligência artificial.

“Quero que ele faça o máximo possível, exceto realmente preparar o prato”, disse Achatz.

À medida que a IA generativa se tornou mais poderosa e fluente na última década, muitos restaurantes passaram a usá-la para tarefas operacionais, como controle de estoque e escala de funcionários. No entanto, os chefs ainda relutam em recorrer aos bots para criar novas ideias, ao contrário de artistas visuais, músicos e escritores, que já vêm colaborando ativamente com a tecnologia.

Isso, porém, começa a mudar. Poucos mergulharam tão fundo quanto Achatz em seu menu para o Next, mas alguns colegas já testam a IA para sugerir temperos, criar imagens de pratos ou ambientes redesenhados, ou até para obter aulas rápidas sobre técnicas de fermentação.

“Estou aprendendo a maximizar o uso”, diz Aaron Tekulve, que considera a tecnologia útil para acompanhar as breves janelas sazonais dos ingredientes que utiliza no Surrell, seu restaurante em Seattle. “Conheço um chef que usa bastante, mas, no geral, acho que meus colegas ainda não utilizam tanto quanto deveriam.”

O ritmo frenético de um restaurante popular dificulta a quebra de velhos hábitos. Outros têm objeções filosóficas ou estéticas.

“Cozinhar permanece, em sua essência, uma experiência humana”, escreveu a chef Dominique Crenn por e-mail. “Não acredito que isso possa ou deva ser replicado por uma máquina.” Crenn afirma não ter intenção de convidar um computador para ajudá-la com os menus do Atelier Crenn, em São Francisco.

É fato que a IA generativa consome grandes quantidades de eletricidade e água. Além disso, há os erros. Segundo a OpenAI, dona do ChatGPT, 500 milhões de pessoas usam o programa semanalmente. Mesmo assim, ele ainda comete equívocos factuais com uma confiança desconcertante. (O The New York Times processou a OpenAI e a Microsoft, alegando violação de direitos autorais pelo uso de milhões de artigos do jornal para treinar os chatbots. As empresas negam.)

Nenhum dos chefs entrevistados confia cegamente nas informações do chatbot, nem segue à risca qualquer receita sugerida. Da mesma forma, não confiam totalmente nas receitas de livros ou da internet.

Cozinheiros, como outros humanos, são esquecidos, distraídos e limitados por suas próprias experiências. A IA tem suas falhas, mas essas não estão entre elas. Chefs que consultam a “grande mente eletrônica” quando criam um novo prato ou ambiente consideram útil justamente pelas sugestões inesperadas, capazes de tirá-los de um bloqueio criativo.

“Você pode obter ideias realmente específicas e fora da caixa”, diz Jenner Tomaska, chef em Chicago. Para o Alston, steakhouse inaugurado recentemente, Tomaska queria uma variação do pastel frito monegasco chamado barbajuan. As primeiras sugestões do ChatGPT eram básicas, mas, ao exigir mais —como um recheio que refletisse o estilo de Alain Ducasse, tradições de steakhouse e ingredientes locais— as opções ficaram mais interessantes. Que tal lagostim, missô branco e endro fresco, com raiz de aipo em conserva?

“É um pouco bizarro, porque gosto de discutir essas ideias com pessoas, e estou fazendo isso com algo que, por si só, não existe”, diz Tomaska. Mas, ao se munir das ideias dessas conversas solitárias com o ChatGPT, ele afirma: “Isso ajuda a enriquecer o processo criativo quando, de fato, tenho alguém à minha frente.”

Diferente de amigos e colegas, a IA generativa tem paciência infinita para temas técnicos e específicos.

Ned Baldwin, chef e proprietário do Houseman, em Manhattan, passou a bombardear o ChatGPT com perguntas cada vez mais técnicas sobre produção de linguiça após um lote sair muito macio. A IA explicou sobre os méritos de diferentes ligantes, como amido de batata, farinha de tapioca e transglutaminase, além de detalhar as propriedades emulsificantes da proteína miosina e a química por trás de embutidos excessivamente misturados.

Esse é um conhecimento que muitos especialistas guardam para si, diz Baldwin, e que alguns chefs relutam em admitir que não dominam.

“Acho que chega um ponto na carreira em que você hesita em mostrar vulnerabilidade e admitir que não sabe algo”, diz. Mas, mesmo que suas perguntas revelem um conhecimento básico de cozinha, “o ChatGPT responde felizmente e sem julgamentos”.

Nem toda ideia de cozinha começa com palavras. Tomaska, ao tentar combinar pimentas poblanos com camarão-pintados e tamarindo para o Esmé, restaurante que comanda, ouviu do sous-chef que seria interessante servir o prato dentro de uma cerâmica em formato de pimenta.

Eles recorreram ao Midjourney, IA que transforma texto em imagens. As imagens geradas pareciam brilhantes, um pouco exageradas e, como muita arte de IA, irreais. Enviaram para uma ceramista na Cidade do México, que criou uma tigela branca em formato de poblano, servindo de contraponto ao camarão de cor coral.

Outro item do menu do Esmé começou quando Tomaska deu uma lista de ingredientes (linguado, pepino, abobrinha) ao artista Paul Octavious, que os inseriu no Midjourney. A imagem resultante foi adaptada como um sousplat para o prato final, que é servido em uma tigela de vidro sobre a arte, em uma espécie de diálogo visual.

Renderizações visuais de IA ajudaram o chef Dave Beran a conversar com o arquiteto e designer de seu novo restaurante, Seline, em Santa Monica. Ele buscava um clima que remetesse aos interiores dramáticos do Aska, no Brooklyn, e do Frantzén, em Estocolmo, mas com mais calor. Continuou ajustando os prompts no Midjourney até chegar à atmosfera desejada, perguntando, por exemplo, como seria se houvesse uma lareira aconchegante.

“Esse era o clima que queríamos captar”, disse Beran. “Não escuro e melancólico, mas mágico e misterioso.”

As imagens do Midjourney pareciam obras de fantasia, segundo Beran. Mas o programa funcionou como um “tradutor” entre ele e o designer, criando uma linguagem comum.

Por ora, a IA não pode construir um restaurante ou cozinhar um linguado. Cabe aos humanos interpretar e executar suas sugestões, o que torna os pratos e ambientes inspirados por IA menos inquietantes do que a arte gerada por IA, que pode ir direto para uma galeria. É verdade que algum chef pode colocar uma ideia malformada do ChatGPT no menu, mas muitos já fazem isso com suas próprias ideias. Por enquanto, a IA nos restaurantes ainda é inspiração, não produto final.

Desde suas primeiras experiências sérias com o ChatGPT, há cerca de um ano, Achatz o considera sua principal ferramenta de cozinha —título que antes era do Google. As respostas do chatbot sobre paleontologia e culinária argentina o ajudaram a criar um prato inspirado em fósseis patagônicos em seu restaurante Alinea.

Antes de abrir seu novo restaurante, Fire, em novembro, consultou o ChatGPT para aprender sobre combustíveis culinários do mundo todo, como caroços de abacate e cascas de banana. A IA também lhe deu inúmeras ideias para cenários, figurinos e roteiros de um evento gastronômico teatral que apresentará neste verão em Beverly Hills.

Questionado sobre como Jill teria integrado o aprendizado com Escoffier e Adrià nos pratos propostos para o Next, Achatz respondeu por e-mail:

“Jill conhece ou pesquisou chefs importantes e seus estilos, algo raro entre chefs com menos de 40 anos hoje. Ela é jovem e, embora experiente, ainda não entende totalmente como mesclar esses estilos de forma harmoniosa.”

Anos atrás, Achatz costumava ter conversas criativas semelhantes ao final da noite com os talentosos cozinheiros que trabalhavam com ele no Alinea e no Next, incluindo Beran. Hoje, sente que esse diálogo, essencial para o progresso, “simplesmente não existe mais”.

O ChatGPT, porém, está sempre disponível para conversar madrugada adentro.



Fonte.:Folha de São Paulo

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