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3 de setembro de 2025

Chinês aciona à distância projeção crítica ao regime e filma repressão; veja vídeo – 03/09/2025 – Mundo

Chinês aciona à distância projeção crítica ao regime e filma repressão; veja vídeo – 03/09/2025 – Mundo

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Na véspera do grande desfile militar da China, um ativista em uma cidade chinesa de 30 milhões de habitantes realizou um protesto que também funcionou como arte performática, provando que a resistência ainda pode surgir e sobreviver mesmo em um dos Estados mais vigiados do mundo.

Às 22h de sexta-feira (29) em Chongqing, uma grande projeção em um edifício iluminou a noite com slogans pedindo o fim do governo do Partido Comunista. “Só sem o Partido Comunista pode haver uma nova China”, dizia um deles. Outro declarava: “Chega de mentiras, queremos a verdade. Chega de escravidão, queremos liberdade.”

A polícia levou 50 minutos para localizar de onde vinha a projeção —um hotel próximo— e desligá-la. Isso geralmente marca o fim de tais protestos na China.

Mas não neste caso. Algumas horas depois, o ativista divulgou imagens de vídeo de cinco policiais entrando no quarto do hotel, correndo para a janela e encontrando o projetor escondido atrás de uma cortina meio fechada. Enquanto quatro deles tentavam desligá-lo, outro oficial apontou com surpresa para uma câmera de vigilância direcionada a eles.

Uma carta manuscrita endereçada à polícia estava sobre a mesa de centro: “Mesmo que você seja um beneficiário do sistema hoje, um dia inevitavelmente se tornará uma vítima nesta terra”, dizia a carta, que o ativista também publicou online. “Então, por favor, trate o povo com bondade.”

No dia seguinte, o homem que organizou o incidente, Qi Hong, publicou outra imagem de filmagens de vigilância mostrando policiais interrogando sua mãe frágil e curvada em frente à casa dela em sua aldeia.

O ato foi tanto um protesto quanto uma performance, documentada em tempo real. O protesto, realizado através de luz e câmeras, voltou o olhar do Estado contra si mesmo. As imagens, quando reunidas, tinham a aparência de uma arte performática zombando do aparato de segurança do Partido Comunista.

Quando a polícia chegou, Qi já havia deixado a China nove dias antes com sua esposa e filhas. Ele havia ligado a projeção e gravado a reação da polícia de um local remoto no Reino Unido.

A tecnologia fortaleceu a capacidade do governo chinês de controlar seu povo. Qi ilustrou como as mesmas ferramentas podem possibilitar a resistência.

“Qi Hong superou a polícia, driblou a máquina estatal —e havia pouco que eles pudessem fazer a respeito”, disse Li Ying, que administra talvez a conta mais influente em língua chinesa no X e frequentemente publica imagens de protestos. “Foi incrivelmente legal.”

Li chamou o ato de “um golpe sério” para as autoridades, que haviam investido enormes recursos para garantir a estabilidade antes do desfile desta quarta-feira (3, noite de terça no Brasil). “Sua ação mostrou que o controle do Partido Comunista Chinês não é hermético. Não é como se não pudéssemos fazer nada”, disse ele.

Os vídeos, publicados através das contas de rede social de Li e de outros, alcançaram um público excepcionalmente grande. Uma publicação dos slogans projetados teve mais de 18 milhões de visualizações em quatro dias.

Qi disse que nunca pensou em seu ato como arte ou mesmo como bravura.

“Minha única intenção era me expressar”, disse ele em sua primeira entrevista à mídia. “O partido instala câmeras de vigilância para nos observar. Pensei que poderia usar o mesmo método para observá-los.”

Muitas pessoas online o chamaram de herói e ofereceram seus agradecimentos. Alguns comentaristas disseram que a engenhosidade de Qi no uso da tecnologia os havia inspirado.

Qi insiste que não é corajoso. De voz suave, ele disse que se sentiu compelido a compartilhar o que pensa e a incentivar mais chineses a verem o que ele chamou de brutalidade e absurdo do governo do Partido Comunista.

Nascido em 1982 em uma aldeia montanhosa perto de Chongqing, Qi cresceu na pobreza. Aos 16 anos, abandonou a escola e juntou-se à onda de trabalhadores migrantes que buscavam emprego nas cidades em expansão da China. Mas sem as autorizações de residência temporária exigidas na época, ele disse que foi detido e espancado por policiais em Guangdong e Pequim, uma vez por mais de 20 dias. A experiência, segundo ele, o convenceu a evitar as autoridades a todo custo.

Ele passou por vários empregos trabalhando em fábricas, saneamento e vendas. Em 2006, sua sorte mudou quando começou a vender itens baratos online no Taobao. Em poucos anos, casou-se e comprou um apartamento modesto em Pequim.

Mas em 2013, inquieto e atraído pelo budismo, fechou a loja online, mudou com sua família para uma aldeia nos arredores de Pequim e administrou um pequeno posto de coleta de encomendas. Em 2021, com a filha mais velha prestes a entrar no ensino médio, a família retornou a Chongqing.

Lá, Qi trabalhou como eletricista e tornou-se mais politicamente consciente. Ele se irritava com a propaganda nos livros didáticos de suas filhas, o estímulo ao nacionalismo pelo governo e a supressão da liberdade de expressão. “Eu estava insatisfeito com o governo, mas não ousava falar”, disse ele.

Ele recorreu aos livros em busca de respostas. Leu “1984”, “A Revolução dos Bichos” e “Admirável Mundo Novo”. “Fiquei aterrorizado que eles ainda nos governem da mesma maneira”, disse.

Suas postagens no WeChat tornaram-se mais incisivas. No 33º aniversário do massacre da Praça Tiananmen em 2022, ele escreveu: “A busca pela luz é algo que todo ser humano pensante deve se esforçar para alcançar. Luz da sabedoria, luz da civilização, luz da humanidade, luz da democracia.” Seu desejo de Ano Novo para 2024 era simples: “Que todos sejam livres do medo.”

Em maio, ele publicou o que presumiu que faria sua conta do WeChat ser excluída: “Queremos democracia, não ditadura!”

Nada aconteceu. Mas para ele, as palavras foram um ponto de inflexão.

Em julho, com a notícia do desfile militar planejado por Xi, Qi decidiu que era hora do seu protesto.

Ele pesquisou locais e escolheu uma seção movimentada da área universitária de Chongqing. Em 10 de agosto, ele se hospedou em um hotel, passou 10 dias praticando projeção a laser em um prédio alto próximo e preparou os slogans que projetaria no céu noturno. Para testar, ele projetou frases inofensivas como “Tenha saúde” e “Seja feliz”. Então ele e sua família deixaram a China.

Em 29 de agosto, ele ligou o projetor remotamente. Ele reuniu imagens dos slogans e da invasão policial, compartilhou-as com pessoas influentes online como Li e observou enquanto se espalhavam pela internet.

O Estado contra-atacou. A polícia deteve um de seus irmãos e um amigo, e interrogou sua mãe em frente à casa dela. Ele não havia contado a ninguém sobre seus planos, exceto à sua esposa e filhas. A polícia de Chongqing não respondeu ao um pedido de comentário.

Qi disse que está surpreso com as reações online e incerto sobre o que o futuro reserva.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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