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25 de dezembro de 2025

Chocolate yanomami homenageia Sebastião Salgado – 25/12/2025 – Comida

Chocolate yanomami homenageia Sebastião Salgado – 25/12/2025 – Comida

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Um ouro, alternativo ao do garimpo, está saindo da Terra Indígena Yanomami: chocolate feito com cacau nativo da região. Criado há seis anos, pouco antes da pandemia, ele ganha agora uma edição especial em homenagem ao fotógrafo Sebastião Salgado (1944-2025), que trabalhou intensamente na área.

Produzido com cacau colhido em comunidades ye’kwana e yanomami (povos que compartilham a mesma terra entre Roraima e Amazonas, no extremo norte do país), o produto foi lançado em São Paulo em meados de dezembro. As caixas, que custam de R$ 350 a R$ 1.000, incluem reproduções de fotografias de Salgado na Terra Indígena Yanomami.

A metáfora do ouro da selva não é casual: uma tonelada de cacau de qualidade custa no mercado internacional seis vezes mais do que igual quantidade de soja, com a vantagem de não provocar desmatamento —ao contrário, mantém a floresta de pé.

Além disso, o cacau da região da fronteira entre Brasil e Venezuela é considerado o mais nobre entre diversas variedades. Isso aumenta o interesse pelo chocolate das terras às margens do rio Uraricoera, onde Mário de Andrade (1893-1945) fez nascer o personagem de “Macunaíma”.

Quando os espanhóis chegaram ao que hoje é o México, encontraram ali uma iguaria consumida pelos reis e considerada uma bebida dos deuses, o “xocoatl” (ou suco amargo na língua asteca). A sílaba final, que travava a língua dos europeus, era comum nas línguas da América Central: ela aparecia em “auacatl”, o nosso abacate; ou em “tomatl” (o tomate) e no nome do idioma regional, nahuatl (náuatle).

Os espanhóis logo superaram a pronúncia difícil, invertendo a sílaba final, que virou “late”, e se jogaram na bebida feita das sementes de cacau batidas em pilão e misturadas com água fresca.

O cacau contém um alcaloide (substância excitante) chamado teobromina, que produz efeito tonificante como a cafeína do café e do chá. Os europeus enlouqueceram com chocolate, especialmente depois que empreendedores passaram a misturar o suco com manteiga de cacau e açúcar, criando um produto sólido e transportável, no século 19.

O que os europeus não sabiam é que o cacau não era nativo da América Central, mas tinha sido importado da Amazônia. Os centros originais de irradiação da planta incluem áreas dos Andes e das montanhas que fazem a fronteira entre a Venezuela e o Brasil (uma região que mapas do século 17 denominam país dos cacauais).

A proximidade dessa divisa foi o que fez o chef Alex Atala, do D.O.M., numa visita à casa do líder Davi Kopenawa Yanomami, perguntar sobre a presença de cacau nativo: “Aqui perto está o melhor cacau do mundo, deve haver uma variedade local”. E logo teve a resposta positiva do líder Júlio Ye’kwana. Alex questionou: “Por que vocês nunca falaram disso?”. “Porque vocês nunca perguntaram”, respondeu Júlio.

Júlio mostrou o cacau a Alex, que chamou Roberto Smeraldi (da ONG Amigos da Terra), estudioso do ingrediente, que ficou fascinado. “Ali estão quatro variedades muito puras. Seu formato é menor e o sabor é único.”

Certo de que aquela matéria-prima daria um chocolate especial, Smeraldi contatou Cesar de Mendes, fundador em Belém, no Pará, de uma pequena produtora de chocolates amazônicos de diferentes origens, vencedora de vários prêmios internacionais.

A convite das organizações indígenas ye’kwana e yanomami, parceiras do Instituto Socioambiental, Mendes conduziu, em julho de 2018, um treinamento de dez dias para representantes de diversas comunidades sobre como lidar com o cacau: colheita dos frutos, extração e fermentação das sementes, secagem, produção da pasta de cacau até chegar à barra de chocolate. O workshop foi realizado na comunidade de Waikás, na beira do rio Uraricoera, um dos lugares da mais ameaçados pelo garimpo ilegal.

Em 2019, a empresa de Belém lançou a linha Chocolate Yanomami (tem também uma Suruí-Paiter, de Rondônia, e se prepara para lançar uma com matéria-prima dos ashaninka, do Acre).

Em seguida veio a pandemia, a empresa De Mendes recebeu um aporte de investidores e, agora sob o nome Mágio Chocolates, está retomando a divulgação dos chocolates amazônicos.

No evento de lançamento, Júlio Ye’kwana contou que seu avô dizia que “o cacau veio para salvar a floresta”, e explicou que os chocolates criam uma alternativa de renda para os jovens indígenas que sonham com o consumo de produtos industrializados e às vezes são atraídos pelos criminosos que invadem a região para explorar o garimpo.

O cacau está profundamente arraigado na cultura dos povos locais. Em seu livro “A Queda do Céu” (ed. Companhia das Letras, 768 págs.), o xamã Davi Kopenawa conta que no início dos tempos o céu caiu sobre a terra, mas só não destruiu tudo porque uma árvore de cacau o segurou, permitindo que os sobreviventes repovoassem o planeta.

Segundo Claudia Meirelles Davis, diretora da Mágio, sete comunidades indígenas estão engajadas na produção de cacau. O fruto da região resulta em um chocolate com sabor mais acentuado de castanhas e nozes, enquanto o de outras áreas amazônicas é mais frutado. Nota curiosa: em vez da Língua de Gato, a Mágio chama suas barras feitas com cacau amazônico de Língua de Onça.

Mágio Chocolates

R. Min. Jesuíno Cardoso, 105, Vila Nova Conceição, São Paulo. magiochocolates.com.br



Fonte.:Folha de São Paulo

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