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- Author, Dalia Ventura
- Role, BBC News Mundo
Encontrei há alguns dias um artigo na revista New Scientist com o título: “Por que os matemáticos querem destruir o infinito… e talvez consigam”.
Não resisti à curiosidade de ler. Confesso que o infinito me fascina.
Para mim, o infinito é liberdade criativa, intelectual e emocional.
Também fico maravilhada quando penso que podemos conceber um conceito tão assombroso desde pequenos: “Ao infinito e além!”, diz o personagem Buzz Lightyear, de Toy Story.
Talvez seja porque o intuímos ao olhar para o horizonte. Ou porque o sentimos quando descobrimos nossa capacidade de amar.
Por tudo isso, a ideia de que alguém queira destruir o infinito me deixou alarmada, principalmente por se tratar de matemáticos. Afinal, a matemática também me fascina há muito tempo.
Meus conhecimentos matemáticos são limitados, mas suficientes para saber como os matemáticos da Grécia Antiga observavam o enigmático infinito com tanta atenção.
Eles incluem desde Zenão de Eleia (cerca de 490 a.C.- cerca de 430 a.C.), com seus famosos paradoxos sobre este conceito e sua manifestação no movimento e na continuidade, até Arquimedes de Siracusa (c.287 a.C.-c.212 a.C.), que explorou o infinito e demonstrou como somar um número infinito de parcelas para resolver problemas geométricos, antecedendo o cálculo infinitesimal.
No século 17, Isaac Newton (1643-1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) desenvolveram e formalizaram este ramo fundamental da matemática, baseado no estudo das mudanças e do movimento.
Também relembro meu assombro quando soube que o matemático alemão Georg Cantor (1845-1918), nascido na Rússia, demonstrou que não havia um único infinito, mas vários — e que alguns eram maiores que outros.
Com a sua teoria dos conjuntos, Cantor apresentou a primeira teoria matemática que possibilitou lidar com o imensurável.
Desde então, o infinito se tornou uma pedra angular da matemática, da física contemporânea e, consequentemente, do nosso mundo, incluindo o cotidiano. Afinal, ele desempenha um papel essencial na nossa ciência e tecnologia.
Mas de onde veio o desejo de eliminá-lo?

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“O infinito não é mais do que uma ilusão”, afirma o professor Doron Zeilberger, da Universidade Rutgers em Nova Jérsei, nos Estados Unidos.
Ele é um matemático ilustre e multipremiado. Mas também é um dissidente, por ser um importante ultrafinitista — a autodenominação deste grupo de matemáticos, filósofos, especialistas em informática e físicos, considerados radicais décadas atrás, mas que, agora, estão sendo ouvidos, embora continuem formando uma reduzida minoria.
Eles questionam o conceito de infinito e defendem que até números finitos, mas enormes, como 10⁹⁰, talvez sejam insignificantes.
Afinal, se contássemos cada átomo do universo observável, nunca atingiríamos este número. Qual seria, então, o sentido de falar dele?
Ilusão
“Na minha filosofia, a matemática tomou o caminho errado ao abraçar o infinito”, segundo Zeilberger. “As pessoas não perceberam porque era como uma ilusão de óptica, como a antiga crença de que a Terra seria plana.”
“As pessoas acreditaram que o Universo é infinito e alguns ainda acreditam nisso, mas outras pensam que é finito. Não é limitado, porque sempre podemos seguir adiante, mas é finito, como o nosso planeta.”
Ilimitado, mas não infinito? Pode ser. Teoricamente, alguém poderia dar a volta ao mundo sem parar por um tempo indefinido, mas isso não significa que a Terra seja infinita.
“Assim, acredito que este seja um universo matemático”, prossegue Zeilberger. “Mas, com a invenção deste conceito artificial de infinito, tudo passou a ser muito intrincado, elaborado e retorcido.”
“Não posso dizer que a matemática clássica seja logicamente errônea, mas é desnecessariamente complicada. Olhando para trás, se eles tivessem percebido que o mundo é finito e que existe um número que é o maior possível, tudo seria mais simples.”
Mas, se existe um número natural máximo, o que acontece se somarmos 1 a ele, que é uma das provas de que existe o infinito?
Simplesmente, segundo Zeilberger, em uma circularidade muito elegante, voltaríamos ao zero… o que, no nosso exemplo de dar a volta ao mundo indefinidamente, seria como se, em algum momento, chegássemos ao nosso ponto de partida original.

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“O que defendo é algo análogo à revolução de Albert Einstein (1879-1955), que demonstrou que a velocidade da luz é a mais rápida que existe. Você não consegue ultrapassar cerca de 300 mil km por segundo”, prossegue Zeilberger.
“Einstein teve sorte e chegou a um número concreto. Eu não tenho ideia de qual seja esse número maior, mas é irrelevante, você pode chamá-lo de qualquer forma.”
“A questão é que, com ele, você pode recriar toda a matemática e torná-la muito mais simples. Mas reconheço que fazer isso seria realmente muito tedioso.”
O ponto é que os ultrafinitistas propõem uma solução radical: eliminar o infinito e nos limitar a números “factíveis”, para descomplicar a ciência e torná-la mais prática.
Matemáticos rebeldes
Mas o que faz com que um número seja “factível”?
Rohit Parikh, da Universidade da Cidade de Nova York, nos Estados Unidos, desenvolveu uma das primeiras teorias ultrafinistas formais, na década de 1970. Foi ele quem introduziu a noção de “números factíveis”.
Para ele, a chave está em manter conexão com a atividade humana.
“É preciso fixar um limite em algum ponto”, segundo Parikh. “As coisas precisam estar conectadas à atividade humana.”
Se um número não poder ser nomeado, calculado, armazenado, transmitido ou até individualizado de forma coerente sob restrições físicas, será que ele realmente existe como objeto matemático?
Vamos pensar, por exemplo, no número de Skewes, que aparece na teoria dos números. Ele é tão extremamente grande que parece ter mais dígitos do que cabem no Universo.
Mesmo sendo absurdamente alto, ele foi valioso por diversas razões. Uma delas foi mostrar até onde pode ir a matemática em busca da certeza, demonstrando que os resultados podem estar corretos, mesmo se forem inúteis na prática direta.
Isso causaria a rejeição dos ultrafinitistas. O número de Skewes e muitos outros muito menores estariam muito acima desse limite que eles defendem que deveria ser traçado.
Mas qual seria este limite?

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É costume mencionar uma história curiosa sobre o pai do ultrafinitismo moderno, o matemático Alexander Esenin-Volpin (1924-2016). Ele foi um importante ativista pelos direitos humanos na União Soviética (1922-1991), tendo sido preso em 1968.
Esta história foi contada por outro matemático, Harvey Friedman, em Philosophical Problems in Logic (“Problemas filosóficos em lógica”, em tradução livre).
No ano 2000, Friedman teve a oportunidade de apresentar a Esenin-Volpin a objeção da maioria dos matemáticos à ideia de fixar limites.
“Ele me pediu que fosse mais específico”, conta Friedman. “Então, comecei com 2¹ e perguntei se era ‘real’ ou algo assim.”
“Quase imediatamente, ele respondeu que sim. Depois perguntei por 2² e ele voltou a dizer que sim, mas com um atraso perceptível. Depois, 2³ e sim, mas com um atraso maior.”
“Isso continuou mais duas vezes, até ficar evidente como ele lidava com esta objeção”, prossegue o matemático.
“Claro, ele estava disposto a responder sempre que sim, mas iria demorar 2¹⁰⁰ vezes mais para responder que sim para 2¹⁰⁰ do que para responder a 2¹. Não havia como ele pudesse chegar muito longe com isso.”
Esta história ilustra a ideia fundamental do ultrafinitismo: a existência dos números é cada vez mais questionada, à medida que eles se tornam maiores.
Questão de fé
Nesta visão, a aritmética é ajustada ao que é possível fazer, limitada pelo tempo, pelo espaço e pelos recursos.
Existe uma fronteira, após a qual tudo é fútil. E esta fronteira, de alguma forma, é imposta pelos computadores, que podem fazer cálculos com os quais as pessoas que introduziram o infinito e imaginaram números enormes só podiam sonhar.
“Às vezes, você tem uma equação diferencial tão complicada que ninguém sabe exatamente como resolvê-la”, destacou Zeilberger.
“Mas, usando computadores, você consegue chegar a uma ótima aproximação, suficiente para todos os propósitos práticos, e é assim que se faz.”

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Grande parte do trabalho moderno com a matemática já reside no finito, como a criptografia, a verificação normal das estruturas de dados e os algoritmos aleatórios.
Na física, também há quem tente aplicar o finitismo, com a esperança de encontrar melhores teorias para descrever o nosso mundo.
Para o físico sueco-americano Max Tegmark, por exemplo, o infinito é um belo conceito, mas está arruinando a física.
“Nossas melhores simulações informáticas, que descrevem tudo com precisão — desde a formação das galáxias até o clima futuro e a massa das partículas elementares — utilizam apenas recursos de informática finitos, tratando tudo como finito”, escreveu ele no livro This Idea Must Die (“Esta ideia deve morrer”, em tradução livre), editado por John Brockman.
Mas, se vincularmos rigidamente a matemática e a física à capacidade finita dos computadores, não correríamos o risco de reprimir nossa sabedoria e a aventura da exploração ao que se pode ver, não ao que é possível?
Se retirarmos o infinito da matemática, não iremos limitar a imaginação e restringir a criatividade?
“Entendo que você gosta do infinito e não vou dissuadir você”, brincou Zeilberger. “Alguns dos meus melhores amigos gostam do infinito.”
“A questão que você precisa saber é que existe uma forma de refazer toda a matemática, pelo menos o necessário para a ciência e a tecnologia, por meios totalmente finitistas.”
Em última análise, é quase como uma questão de fé.
“O infinito pode ou não existir, Deus pode ou não existir, mas nenhum dos dois é necessário na matemática”, concluiu ele.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL