“Eu nunca tinha visto algo parecido.” Essa frase e suas possíveis variações são comuns entre pesquisadores contemplados pelo Conhecimento Brasil. O programa do governo federal divulgou recentemente os nomes das 567 pessoas —44% delas já no país e as demais vivendo no exterior— que receberão apoio para desenvolver estudos no país.
A avaliação do programa até o momento é positiva. Porém, em alguns casos, o ânimo pela chance de fazer pesquisa no Brasil —ao mesmo tempo em que recebe um salário melhor (em relação à bolsa usualmente dada para cientistas nesse tipo de edital) e benefícios, como auxílio de saúde— vem acompanhado de certa preocupação quanto ao que virá depois do fim do programa.
Os pesquisadores ouvidos pela reportagem que estavam fora do país —a maior parte dos contemplados pelo editais são residentes no Brasil que fizeram parte da formação no exterior— apontam as condições de trabalho entre os principais motivos para desenvolver suas pesquisas longe da terra natal.
“Antes desse edital eu não pensava em retornar”, afirma Sulamita Santos Correa, 32, pesquisadora da área de biotecnologia vegetal e bioprocessos voltados para agronomia. Ela desenvolverá seu projeto na Embrapa Agrobiologia, no Rio de Janeiro.
Durante o doutorado, Sulamita conheceu a realidade de pesquisa de parte do Oriente Médio, mais especificamente de estados ligados ao petróleo, primeiro a Arábia Saudita. Quinze dias após a defesa de sua tese, partiu para um pós-doutorado nos Emirados Árabes Unidos e não voltou mais.
Um dos pontos que a fez optar por ir para fora do país é o dinheiro disponível para pesquisa. “Quando temos recurso, é sensacional. O pessoal [de fora] gosta de pesquisador brasileiro porque temos imaginação. Fazemos pesquisa por amor, porque tira leite de pedra”, diz ela.
“Eu já saí do Brasil com a certeza de que voltaria. Nunca foi meu desejo 100% permanecer fora do país”, afirma André Cronemberger Andrade, 36, pesquisador da área de biomedicina que desenvolveu estudos na Suíça e, nos últimos anos, na França, na Universidade Paris Cité.
De volta ao Brasil, ele desenvolverá seu projeto na UFBA (Universidade Federal da Bahia), em Salvador.
A vontade de André, quando saiu, era conhecer a realidade no exterior. Acabou ficando por outras bandas, segundo ele, pela falta de oportunidades no país e dificuldade em acessar as que apareciam.
A sensação de falta de oportunidades foi o que também levou para o exterior o biólogo Leilton Luna, 35, que desenvolvia pesquisas na Universidade Duke, nos Estados Unidos.
“Finalizei o doutorado [em 2021] e aí que começou um pouco de desespero”, diz Leilton. “No final do doutorado, era o momento que o Brasil tava com toda aquela conturbação de política e muito corte na ciência e educação. Na época, procurei pós-doutorado no Brasil e não encontrei nenhum. Dos vários professores que eu entrei em contato, nenhum tinha um projeto ou forma de sustentar um pós-doutorado.”
Um professor chegou a responder que poderiam tentar um projeto juntos, mas à época isso significaria quase metade de um ano desempregado, sem receber nada. Foi então que apareceu a ideia de retornar aos EUA, onde já tinha feito parte do doutorado. Uma oferta da Universidade Estadual da Pennsylvania o levou, então, de volta aos Estados Unidos.
Agora, Leilton vai desenvolver seu projeto na UFPA (Universidade Federal do Pará), em Belém. “Eu acho que, sendo filho da terra, tenho muito mais poder de contribuir para o desenvolvimento local do que indo para uma região mais desenvolvida, saturada de pessoas muito boas. Sinto que tenho que voltar e contribuir onde fui criado.”
As pessoas ouvidos pela reportagem também citam a valorização da trabalho do pesquisador como um diferencial do Conhecimento Brasil.
“No Brasil, a imensa maioria dos financiamentos, para não dizer todos, não paga o salário do pesquisador-proponente. E esse tinha um diferencial que paga o salário. E como a minha situação é de não ter vínculo, meu salário tem sido pago por financiamentos. Então, para mim, foi uma grande motivação”, diz Fernanda Rauber, 39, que faz parte do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) e que fez o pós-doutorado no Imperial College, no Reino Unido.
Sulamita vai na mesma linha. “A bolsa de pós-doc no Brasil é muito baixa. Aqui pós-doc é tratado como bolsista. Fora do Brasil é tratado como funcionário, com plano de saúde, plano dentário. Às vezes oferecem casa.”
No entanto, o que virá depois que o programa acabar —a duração pode chegar a cinco anos para os projetos contemplados no edital— gera um pouco de receio para parte dos cientistas.
“Em nenhum momento ele fala que você vai ter uma transição”, afirma Leilton. “No sistema ideal, eu vi parecidos aqui nos Estados Unidos, eles trazem um pesquisador como visitante ou como pós-doc ou qualquer coisa classificada assim, passa por um período probatório e essa pessoa é inserida na universidade.”
André diz que a proposta é uma aposta que está fazendo, na qual vai avaliar o cenário nacional em sua área, mas que a situação tem prazo de validade. “Será que eu vou conseguir me inserir [na academia]? Será que depois desse prazo eles vão dar uma continuidade e vão lançar outros editais nos quais vão contemplar o pessoal que ainda não se inseriu?”
O caso de Fernanda é um pouco diferente. Ela diz ter sorte estar em um grupo de pesquisa consolidado, com diversos parceiros e fontes de financiamento. O Nupens é um dos principais grupos de pesquisa no mundo na área em que atua. “Mas eu sei que isso, muitas vezes, não é a realidade”, diz a cientista.
Salário e benefícios do Conhecimento Brasil
- Bolsa para doutor (BCB-1) de R$ 13 mil mensalmente
- Bolsa para mestre (BCB-2) no valor mensal de R$ 10 mil
- Recursos para capital e custeio (compra de materiais, passagens etc) de até R$ 400 mil. Se o projeto for executado em empresa privada será concedido só valor de custeio, no limite de R$ 200 mil
- Auxílio-instalação no valor correspondente a uma mensalidade
- Auxílio-saúde no valor correspondente a uma mensalidade
- Auxílio-previdência no valor mensal de R$ 1.000 para recolhimento do INSS
- Passagem de retorno ao Brasil para pesquisadores brasileiros residentes no exterior e seus familiares diretos
- Até duas bolsas na modalidade ITI (para alunos), com até 36 mensalidades cada
Fonte.:Folha de S.Paulo