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27 de agosto de 2025

Cientistas investigam como células “antigordura” podem ajudar a emagrecer

Cientistas investigam como células “antigordura” podem ajudar a emagrecer

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Você aprendeu na escola que um grupo de células do seu corpo estoca energia em forma de gordura e que, quando esse processo ocorre em larga escala, a gente engorda. Lição correta, mas incompleta. É que existe outro tipo de adipócito (o nome das células de gordura) no organismo, e ele tem a função oposta à daquele mais abundante e conhecido. Está na hora de você ser apresentado ao tecido adiposo marrom. 

Vamos por partes, porque o assunto é complexo… e fascinante. No corpo humano adulto, a maior parte das células de gordura o chamado tecido adiposo branco, em referência à cor da própria banha acumula moléculas gordurosas a fim de deixar o organismo devidamente preparado para qualquer carestia ou eventualidade futura.

O problema, como você sabe, é que hoje vivemos em meio à abundância de comida (não tão saudável) e ao sedentarismo. E nossa poupança gordurosa tende a passar dos limites a famigerada rota para a obesidade.

Acontece que nosso organismo mantém uma reserva de outra versão de adipócito. É o tal do tecido adiposo marrom, conhecido entre os cientistas como BAT, do inglês brown adipose tissue. Ele aparece em uma quantidade bem menor que o branco, mas tem uma curiosa e importante particularidade: queima gordura e ajuda a fornecer calor quando o corpo precisa.

Não à toa, esse tecido ativo por excelência está na mira dos pesquisadores. Ele pode conter pistas ou mesmo uma nova chave para aprimorar o entendimento sobre o ganho de peso e, quem sabe, o tratamento da obesidade.

De onde vem o tecido adiposo marrom

Embora a descrição dessas células remonte à década de 1960, foi só em 2009 que (re)descobriram o papel do BAT e seu potencial para alavancar a perda de peso. Uma das pessoas que se debruçam sobre esse tecido curioso e promissor no Brasil é a nutricionista Marcela Reymond Simões, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

É com ela que teremos uma aula sobre tecido adiposo marrom hoje. E essa aula tem tudo a ver com frio. Ou melhor, com a resistência do corpo ao frio.

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Marcela Simões, que acaba de concluir um doutorado sobre BAT na Unicamp, conta que esses adipócitos torradores de calorias aparecem mais funcionais nos bebês, sobretudo na região do dorso ou entre as escápulas. “Os recém-nascidos não conseguem tremer, uma forma de resistir a temperaturas baixas, e o tecido adiposo marrom é ativado nessas horas como mecanismo de proteção”, explica.

Se atualmente isso parece não ter tanta utilidade (pense nos pequenos enrolados em cobertores), procure imaginar uma criança na era das cavernas em meio a nevascas e frio extremo. Aliás, não só os humanos, mas mamíferos que hibernam e precisam se resguardar de baixas temperaturas nesse estado de dormência apresentam um estoque considerável de BAT.

Ocorre que, à medida que crescemos e aparecemos, a carga de BAT do corpo humano naturalmente se torna menos funcional. “Nos adultos, o tecido adiposo marrom se concentra basicamente na região do pescoço e dos ombros“, ensina a pesquisadora da Unicamp.

A evolução entendeu que, no organismo adulto, dispomos de outras estratégias metabólicas para nos defender do frio e das demais situações de estresse energético.

+Leia também: Obesidade: novos remédios, velhos dilemas

Como o BAT entra em ação

Ok, aprendemos que o tecido adiposo marrom aciona um processo de queima de gordura. Mas como é que ele faz isso? Foi o que esses cientistas que redescobriram o BAT revelaram em seus experimentos aliás, eles são, em sua maioria, moradores da Escandinávia, uma terra fria por excelência.

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Resumidamente, funciona assim: os adipócitos brancos guardam em seu interior moléculas de ácido graxo, o nome técnico das gorduras que trafegam pelo organismo. É assim que eles inflam.

Já os marrons captam e consomem essas moléculas gordurosas, num processo que culmina no aumento da temperatura corporal e na queima de calorias.

“Quando o BAT é ativado, ele libera o que chamamos de batoquinas e consegue consumir não só os ácidos graxos que estão dentro das células marrons como aqueles que estão circulando na corrente sanguínea”, descreve Simões.

Pois é, embora os especialistas não gostem desse termo, é como se ele fosse uma espécie de “antigordura”. Ou anti-célula de gordura. Embora não deixe de ser um adipócito. Hmmm… Você entendeu, né?

Então teríamos aí o truque na manga da biologia para emagrecer de vez e controlar a obesidade? Calma, senta que lá vem história…

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Efeitos, potenciais e limites

O banho de água fria mas esse não ativa o tecido adiposo marrom  é que, em um ser humano adulto, o efeito desses adipócitos em termos de emagrecimento é limitado.

Essa informação pôde ser mensurada em experimentos em voluntários submetidos a salas ou coletes que simulam um ambiente de baixíssimas temperaturas. Embora o BAT seja acionado o que é visível em exames de imagem , a repercussão na balança é modesta.

(Na Unicamp, onde acompanhei aulas sobre a ciência da obesidade, vesti um colete desses por cerca de meia hora para ver meu tecido adiposo marrom em atividade. De fato, ele se mobilizou. Enquanto eu passei frio).

Mas tem muita coisa nesse imbróglio gorduroso para ser explorada. Os cientistas, na Unicamp e em outras universidades nacionais e estrangeiras, estão fazendo uma varredura sobre as substâncias produzidas pelo BAT e seu modus operandi e investigando de que forma esse processo se relaciona com vias metabólicas envolvidas na obesidade e em doenças como o diabetes.

“Sabemos que, quando ativado, o tecido adiposo marrom não só pode captar ácidos graxos, mas também glicose em circulação, o que teria reflexos na saúde metabólica”, conta Simões, cujo doutorado esmiuçou uma das peças envolvidas nesse enredo do BAT.

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Tem mais: agora os estudiosos já estão cientes de que existe uma terceira categoria de células de gordura eu falei que o negócio era complexo… É o tecido adiposo bege, quando os adipócitos brancos estocadores de gordura se convertem em algo mais parecido com os marrons. Incrementar essa transformação poderia ser um meio de estimular a perda de peso e melhorar o metabolismo. Os cientistas dirão se é possível e viável.

A nutricionista da Unicamp conta que, entre promessas e ponderações, o BAT segue na mira dos laboratórios de pesquisa. Tem gente estudando até que ponto remédios como a semaglutida (de Ozempic e Wegovy) interferem no trabalho dele e especulando sobre o impacto do aquecimento global nessa história toda.

No horizonte também se vislumbra que, um dia, possamos interferir de modo seletivo, seguro e assertivo nesse processo fisiológico quem sabe com algum medicamento. Definitivamente, não é um sonho tão próximo. Mas é assim que a medicina evolui: de passo em passo, com esperança e cautela. Já aprendemos essa lição.

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Fonte.:Saúde Abril

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