Um estudo que acaba de ser concluído por cientistas sobre a hidrelétrica de Belo Monte, erguida no rio Xingu, no Pará, aponta risco de um colapso ambiental no entorno da usina, devido à escassez de água no trecho de vazão reduzida do rio —a Volta Grande do Xingu— um cenário que pode se tornar irreversível, se nada for feito.
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O relatório, que também tem a colaboração de pesquisadores indígenas e ribeirinhos que vivem no entorno da usina, traz registros de mortandade de peixes feitos neste mês, em pontos localizados no trecho passou a ter menor vazão de água. A Folha teve acesso ao documento e a imagens captadas pelos pesquisadores e moradores locais onde se vê muitos peixes mortos.
A concessionária Norte Energia afirmou que enviou uma equipe ao local para avaliar a situação.
O relatório pede a rejeição imediata do plano de operação atual no trecho de 130 km de desvio do rio, além da adoção de um novo modelo de gestão das águas do Xingu.
Como mostrou a Folha, a concessionária Norte Energia, dona da usina, trava um embate direto com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre a definição de qual será, afinal, a vazão de água no rio Xingu, seis anos após a usina entrar em operação plena.
No lugar do modelo atual, o relatório do Monitoramento Ambiental Territorial Independente da Volta Grande do Xingu (Mati-VGX), grupo que foi formado desde 2013, pede que seja implementado o chamado “hidrograma das piracemas”, um controle das águas que aumentaria o volume e, principalmente, a duração e o tempo de subida das águas pelos peixes, permitindo que os ciclos ecológicos básicos fossem restaurados.
As solicitações incluem, também, um limite máximo de 30% de desvio da vazão do rio para geração de energia, com a proibição de variações bruscas do nível da água durante períodos reprodutivos da fauna.
O programa surgiu por entender que os monitoramentos oficiais contratados pela concessionária Norte Energia, dona da usina, não estariam registrando os impactos efetivos relatados pelas comunidades tradicionais.
Antes da barragem, a enchente natural do Xingu começava em novembro e o nível máximo permanecia elevado até março ou abril. Hoje, segundo o estudo, a cheia chega com atraso médio de quase um mês, dura poucos dias e não alcança mais as áreas que deveriam ser inundadas. A situação, dizem, é agravada pelo desvio de até 88% de toda a água do rio para gerar energia, como já registrado em períodos recentes.
Esse desajuste hidrológico provocou o colapso da pesca, com queda abrupta no rendimento de pescadores indígenas e ribeirinhos. Com menos peixe disponível, aumentou o consumo de produtos industrializados vindos da cidade. A insegurança alimentar é hoje uma das maiores consequências sociais da obra.
Desde 2021, segundo o estudo, moradores têm capturado peixes com deformações ósseas e corporais, algo que não era observado na região. Apesar de aparecerem em amostragens independentes, o problema não foi reportado aos órgãos ambientais pela concessionária até 2023, o que o documento caracteriza como omissão grave.
Além disso, oscilações bruscas no nível do rio levam ao aprisionamento de peixes em milhares de poças, onde morrem por falta de oxigênio e calor extremo. O Mati-VGX também registrou a morte de milhares de ovos de peixes devido a baixas repentinas da água.
Os tracajás, tartarugas de água doce, também sentiram o impacto. O relatório aponta que, antes da operação total da usina, cada fêmea botava, em média, 13 a 14 ovos por reprodução. Agora, o número caiu para 8 ou 9. Áreas de desova estão mais expostas ao sol, gerando superaquecimento.
Os pesquisadores alertam que o sistema está próximo de um ponto de não retorno ecológico. Se a duração da cheia continuar insuficiente, populações inteiras de peixes, plantas e quelônios poderão desaparecer da região.
Questionado sobre o assunto, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) declarou que as informações apresentadas pelo Mati-VGX “estão sendo consideradas nas análises feitas pela equipe técnica responsável pelo respectivo licenciamento ambiental”.
A Norte Energia, ao receber as imagens sobre peixes mortos na região, afirmou que enviou uma equipe ao local para avaliar a situação.
“A companhia informa que, como parte de suas ações de mitigação, mapeou e monitora poças na Volta Grande do Xingu que demandam ações de resgate. Esta atividade é realizada inclusive com a participação de indígenas, tendo como resultado alta taxa de sobrevivência de peixes resgatados”, declarou.
A concessionária declarou que Belo Monte “teve como premissa o equilíbrio entre os aspectos socioambientais e a contribuição na geração de energia para o país” e que “o projeto foi concebido para gerar grande quantidade de energia durante o inverno amazônico, entre dezembro e maio, e, nos demais meses do ano, acompanhar e respeitar a sazonalidade do rio”.
Segundo a empresa, dados do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) apontam que a hidrelétrica “não promove a seca no rio Xingu, jogando por terra a narrativa de que a usina é responsável pela baixa vazão durante o verão amazônico, entre junho e novembro, quando, na verdade, ela já ocorre naturalmente”.
Sobre a piracema, a Norte Energia disse que realizou, em conjunto com pescadores e ribeirinhos, um levantamento participativo que identificou mais de 140 áreas de piracema na Volta Grande do Xingu.
“Como previsto, boa parte dessas áreas passa a ser inundada já no início da cheia, garantindo condições adequadas para a reprodução. Também vale ressaltar que diversas espécies de peixes não dependem das piracemas para se reproduzir”, afirmou.
Sobre a deformidade de peixes, a empresa disse que realiza o monitoramento contínuo da qualidade ambiental e da ictiofauna na área de influência da hidrelétrica e que “não há alterações ambientais provocadas pela implantação da usina que possam ocasionar deformidades”.
No mês passado, a concessionária enviou um recurso administrativo ao Ibama, pedindo que o órgão suspenda sua solicitação para rever as regras de liberação de água na chamada Volta Grande do Xingu, um trecho de 130 km do rio localizado ao redor da usina.
O local, conforme já constatado pelo Ibama e denunciado pelo Ministério Público Federal, passou a sofrer com graves problemas socioambientais após o controle de vazão imposto pela hidrelétrica, que prioriza seu reservatório para a geração de energia.
Fonte.:Folha de S.Paulo


