Todos sabem, mas sempre vale lembrar: se o planeta Terra esquentar neste século acima de 1,5°C, as condições de vida devem piorar bastante, com a intensificação de eventos extremos (incluindo secas, inundações, desertificação, destruição de áreas costeiras etc.).
Para não transpor o tal grau e meio, 194 países e a União Europeia concordaram em Paris, há dez anos, em reduzir as emissões de gases do efeito estufa, abrir mão do combustível fóssil e, no caso do Brasil, deter o desmatamento.
A cada ano, discute-se nas COPs o cumprimento das metas de redução, as NDCs (sigla em inglês para
contribuição nacionalmente determinada), entre outras questões, como o financiamento para que países em desenvolvimento avancem em seus objetivos e sejam indenizados pelos grandes emissores (Estados Unidos e China à frente).
É um consenso que desde a COP26, em Glasgow, na Escócia, os resultados desses encontros ficam a dever. Por isso, a COP30, em Belém, vem cheia de expectativas.
“É muito simbólico que a COP30 seja na Amazônia, local da maior biodiversidade da Terra, ainda mais depois das três COP do petróleo”, afirma o climatologista Carlos Nobre, autoridade mundial do assunto.
Com efeito, as três últimas edições aconteceram em países que tiram o seu sustento da exploração do petróleo. Para Nobre, o evento em Belém é uma oportunidade para “salvar a Amazônia e o planeta”.
“Em 2024, todos os eventos extremos bateram recorde e, no ritmo atual, o planeta pode atingir o 1,5°C bem antes do previsto. Há chances de passarmos dos 2°C em 2050.” Relembre como foram as últimas COPs.
COP25 – MADRI (Espanha)
Antecedente: Prevista para ocorrer no Brasil, mas remarcada por conta da ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, um presidente negacionista do clima, a conferência de 2019 foi transferida para o Chile, mas os protestos populares massivos durante o governo de Sebastián Piñera inviabilizaram sua realização. Mais ou menos como aquela final da Libertadores da América jogada na metrópole colonial, sobrou para Madri, ainda que sob a presidência chilena, organizar a última COP pré-Covid. Ela vinha cercada de expectativas, já que as NDCs acordadas em Paris deveriam ser atualizadas em 2020.
Deu bom: Diante do imobilismo do governo federal brasileiro, governadores dos estados amazônicos foram à COP em busca de acordos internacionais (leia-se dindim), mostrando mobilização dos entes subnacionais.
Deu ruim: A esperada regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, sobre o mercado de carbono, ficaria para as calendas. Os negociadores consideraram pouco ambicioso o texto que tinham em mãos e preferiram abortá-lo.
Papelão: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Rússia receberam o prêmio “Fóssil do Dia” durante a COP. Por último, mas não menos importante, o Brasil também fez jus à parada, já no último dia, por conta de seus “retrocessos ambientais”.
COP26 – GLASGOW (Escócia)
Antecedente: O lockdown de cidades pelo mundo, em face da pandemia, levou a COP a ser adiada de 2020 para o fim de 2021. O encontro despertou muita atenção, em especial dos países em desenvolvimento, sedentos pelo aumento das metas de financiamento climático. Talvez pelo susto da Covid, houve enorme presença (e pressão) da sociedade.
Deu bom: Saiu o Pacto Global do Metano, com 103 países comprometidos a reduzir as emissões de metano em 30% até 2030. Concluiu-se também o livro de regras do Acordo de Paris, instando signatários a discriminar em até três anos os gases que emitiam. Ainda foi formalizada a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, com 140 países concordando em reverter o desmatamento de grande parte das florestas do mundo até 2030.
Quase deu bom, mas deu ruim: Texto que condenaria definitivamente o carvão como fonte energética acabou atenuado, com a indicação de sua redução. Ainda assim, 40 países concordaram em limar o carvão de suas matrizes energéticas em duas décadas.
Deu ruim: Apesar do compromisso de revisar as NDCs, apenas 34 países signatários (17%) o fizeram. Pior, o combustível fóssil ganhou sobrevida, com “gradualismo” proposto para a sua extinção. Ainda foi gongado o aumento de 13 vezes, para US$ 1,3 trilhão, da meta de financiamento climático.
COP27 – SHARM EL-SHEIKH (Egito)
Antecedente: A COP voltava a um país africano desde sua realização em Marrakech, em 2016. Recém-eleito presidente do Brasil, Lula criava expectativas em torno de sua visita, uma vez que o país sempre foi tido como uma potência verde global, e o discurso do político, ancorado no slogan “O Brasil voltou”, alimentava a ideia de retomada dos compromissos de sustentabilidade.
Deu bom: Saiu finalmente o fundo de perdas e danos de compensação ambiental, desejo histórico dos países em desenvolvimento, mas continuamente bombardeado pelo mundo rico. Ainda houve a reunião das nações insulares, as mais ameaçadas pela elevação dos oceanos, na iniciativa Rising Nations; e também o encontro de Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia, países detentores das maiores porções de florestas tropicais do planeta, junção que deu luz ao fundo global de Florestas para Sempre (TFFF, no acrônimo em inglês), produto financeiro inovador que chegaria ao mercado três anos depois.
Deu ruim: Grandes emissores responderam com cara de paisagem ao compromisso de estabelecer novas NDCs. Secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres lastimou: “Precisamos reduzir drasticamente as emissões agora —uma questão que esta COP não abordou”.
COP28 – DUBAI (Emirados Árabes Unidos)
Antecedente: Sediada numa das metrópoles dos Emirados Árabes Unidos, a COP seguia em seu “roadshow” por países amigos do petróleo, estilo iniciado no Egito e que vigoraria até Baku, no Azerbaijão, na edição seguinte. Em Dubai, os “adictos” do óleo não estavam para brincadeira. Sultan al-Jaber, CEO da estatal Abu Dhabi National Oil Company, foi nomeado presidente do encontro.
Deu bom: Cento e trinta países estabeleceram acordo pela produção de energia renovável, decisão que seria o principal feito de Dubai. A meta: triplicar a capacidade mundial de energia renovável e dobrar a eficiência energética até 2030. Na redação do documento final, os signatários também se comprometeram a se “afastar” da exploração dos combustíveis fósseis e buscar a neutralidade na emissão de gases do efeito estufa até 2050. Num gesto de grande simbolismo, Gustavo Petro, presidente da Colômbia, sexto maior produtor de petróleo das Américas, incluiu o país no Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.
Deu ruim: Mesmo com os muitos hurras e vivas à energia renovável, o combustível fóssil saiu mais uma vez vivo de uma COP, desta vez sob o nome “combustível de transição”, eufemismo para o gás natural. No plano do financiamento climático, o fundo de perdas e danos, destaque da COP anterior, recebeu indicação de dotação considerada irrisória, fração do que seria tido como ideal para compensar países já afetados pelo aquecimento global.
COP29 – BAKU (Azerbaijão)
Antecedente: Sucessora de uma COP de resultados considerados melancólicos no campo do financiamento climático, a COP do Azerbaijão vira “locus” de uma havia muito desejada
e agora inadiável virada de mesa. É a hora, como escreveu então Ani Dasgupta, presidente da ONG global WRI, de mudar a grandeza da ambição do “bilhão para o trilhão”.
Deu bom: Diversos países saíram de cima do muro e afirmaram novas metas de NDCs. Casos do Reino Unido, que anunciou redução de pelo menos 81% nas emissões até 2035 (em comparação com 1990), e do Brasil, de redução de 59% a 67% até 2035 em relação aos níveis de 2005; na undécima hora, avançou a regulamentação do enroladíssimo mercado de carbono, graças ao destravamento do chamado Mecanismo do Mercado Sustentável.
Deu ruim, mas pode ter dado bom: Meta de US$ 1,3 tri para financiamento climático pleiteada pelos países em desenvolvimento vira fumaça e torna-se menos de um quarto disso, mas os US$ 300 bi consignados configuram valor três vezes maior do que aquilo que se tinha.
Deu ruim: Não houve consenso para delimitar as decisões do Global Stocktake (GST), uma espécie de balanço geral, pelos países, do que efetivamente se está a fazer contra o aquecimento global, como definido em Dubai. Com isso, optou-se pela saída clássica: rolar com a barriga e jogar a decisão para a próxima COP, agora em Belém.
Fonte.:Folha de S.Paulo


