
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta sexta-feira (24) a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que autorizava enfermeiros a auxiliarem em abortos. Último a votar, o ministro Luiz Fux enfatizou que o Judiciário deve respeitar os demais Poderes e apontou que os autores das ações tentaram “atropelar” o Congresso. Barroso foi derrotado por 10 votos a 1.
As ações foram ajuizadas pelo PSOL e por entidades que atuam na área da saúde. Fux considerou a exigência de um profissional de medicina “plenamente razoável” para apurar se a hipótese se enquadra nas excludentes legais de ilicitude. Ele classificou como “contrassenso” atribuir a enfermeiros a habilitação para abortos, visto que eles possuem limitações legais até mesmo em relação ao parto.
O magistrado refutou o argumento de que a restrição profissional viola o direito à saúde e à liberdade profissional, afirmando que o direito à saúde “não abrange um direito a optar pela interrupção de uma gestação saudável”. Além disso, destacou que a “pretensão das requerentes de criar um direito constitucional ao aborto pela via judicial é inegavelmente antidemocrática”.
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Neste final de semana, a Corte já havia formado maioria para rejeitar as duas liminares concedidas por Barroso horas antes de sua aposentadoria. A análise ocorre no plenário virtual até às 23h59 desta sexta, mas todos os ministros já votaram. A divergência foi aberta pelo decano da Corte, Gilmar Mendes.
STF não pode impor solução contra vontade da sociedade, diz Fux
Citando o jurista Alexander Bickel, Fux defendeu que o Poder Judiciário deve conservar as “virtudes passivas” para que a sociedade civil e a política construam soluções para temas controvertidos, evitando desgastar sua legitimidade ao “petrificar políticas públicas impostas sem a devida maturação pelo povo”. Nascido na Romênia, Bickel era especialista na Constituição dos Estados Unidos e defendia a contenção do Judiciário.
O ministro também lembrou que a legislação sobre o tema está em vigor há 85 anos e foi debatida na Constituinte. A ausência de modificação pelo legislador é uma “legítima manifestação da vontade popular”, e o STF não possui o poder de impor uma solução contra essa vontade.
“Se o legislador não modificou as normas positivadas sobre o assunto é porque não considerou conveniente fazê-lo, sendo essa uma legítima manifestação da vontade popular. Não assiste a este Supremo Tribunal Federal o poder de impor uma solução contra essa vontade”, disse.
Fux apontou que as requerentes ignoram a existência de um “bem jurídico igualmente relevante”, que é a vida do nascituro. Ele lembrou que o Art. 2º do Código Civil “põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”, sendo necessário acolher a proteção da “mais frágil e menor das minorias, a saber, o indivíduo humano em sua fase de desenvolvimento inicial”.
O ministro teceu críticas diretas à amplitude da liminar concedida por Barroso, que também vedou a exigência de registro policial para certificar estupro. Ele disse que a decisão do colega “transforma as limitações legais ao abortamento em um nada jurídico”, pois “permite a realização do procedimento em vista da mera vontade de realizá-lo”.
Ele também advertiu que não cabe ao Judiciário definir especificidades de políticas públicas ou qual seria o “número ideal de abortos praticados no país”, sob pena de afrontar a soberania nacional e a discricionariedade técnica do Ministério da Saúde.
Fux apontou que as ações retiram da sociedade “o direito soberano de definir, por meio dos seus representantes eleitos, a melhor solução para as controvérsias de ordem eminentemente moral”.
O que dizem as ações sobre aborto
As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) analisadas defendem que é necessário uma decisão da Corte para superar barreiras no sistema de saúde e a flexibilizar a realização do aborto. A ADPF 989 pede a declaração de “estado de coisas inconstitucional” no sistema de saúde pública referente à realização do aborto em casos de estupro.
A ação é assinada pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e pela Associação Rede Unida, que integram a “Frente pela Vida”.
As requerentes argumentam que a maioria dos hospitais habilitados estão concentrados no Sudeste e negam o serviço, citando problemas burocráticos, exigência de obstetra e anestesista, restrição de idade gestacional (após 23 semanas) e a postura não acolhedora dos profissionais.
Já a ADPF 1.207, ajuizada pela Associação Brasileira de Enfermagem (Aben) e pelo PSOL, questionava a constitucionalidade da restrição do procedimento apenas a médicos, conforme o Art. 128 do Código Penal. A ação alega que essa limitação contribui para a burocracia e compromete o acesso a um procedimento “que várias categorias profissionais podem realizar”.
No último dia 17, Barroso concedeu parcialmente os pedidos. Ele ampliou a atuação de enfermeiros para auxiliar na interrupção da gestação e a abstenção, por parte dos órgãos de saúde, de criar impedimentos não previstos em lei, como restrição de idade gestacional ou exigência de registro de ocorrência policial.
Além disso, Barroso estendeu a exclusão de ilicitude à categoria. Com isso, ele suspendeu todos os procedimentos administrativos e penais contra enfermeiros e técnicos por auxiliarem nos procedimentos.
Fonte. Gazeta do Povo


