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6 de setembro de 2025

Combustíveis estão na gênese da lavagem de dinheiro do PCC – 06/09/2025 – Cotidiano

Combustíveis estão na gênese da lavagem de dinheiro do PCC – 06/09/2025 – Cotidiano

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Os postos de gasolina serviam como fachada para o lucro que vinha do tráfico de drogas e de outros crimes praticados pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Havia venda de combustível adulterado, as empresas eram registradas em nome de laranjas, e familiares dos traficantes ajudavam a operar o dinheiro.

A descrição acima serve para explicar o que foi descoberto na Operação Carbono Oculto, há pouco mais de uma semana, mas aconteceu há quase 20 anos. De lá para cá, o faturamento do PCC foi impulsionado pela entrada no mercado internacional de cocaína, e os métodos para ocultar o dinheiro ficaram muito mais sofisticados.

Naquele caso, em 2006, o protagonista do esquema criminoso era Wilson Roberto Cuba, o Rabugento. A Polícia Civil identificou à época ao menos 22 postos de combustível —em municípios do ABC, em Mogi das Cruzes e no litoral sul do estado— ligados a ele e a comparsas.

Rabugento comandava o esquema de dentro presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, no oeste paulista, segundo a acusação. O dinheiro era captado com a venda de drogas e com extorsões dentro do sistema carcerário.

O lucro obtido com esses crimes foi usado para comprar os postos. Rabugento e um comparsa, de codinome Catatau, comunicavam-se por meio de celulares clonados com as esposas, que operavam a movimentação de dinheiro.

A investigação concluiu que o dinheiro foi usado inclusive para financiar a onda de ataques do PCC contra policiais civis e militares, em maio de 2006. Centenas de contas bancárias ligadas à facção foram rastreadas e bloqueadas.

Sete anos depois, numa investigação que mapeou a hierarquia do PCC e resultou na denúncia de 175 integrantes por promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público estadual, Rabugento foi identificado como um dos principais fornecedores de drogas da facção. Ele segue preso na penitenciária de Presidente Venceslau até hoje.

Agora, no esquema investigado na Carbono Oculto, os investigadores identificaram que o dinheiro do tráfico de drogas entra na economia formal em mais de um elo da cadeia produtiva dos combustíveis.

Compra de usinas sucroalcooleira no interior paulista, por exemplo, teria ocorrido com dinheiro obtido diretamente com a atividade criminosa do PCC. Vários donos de usinas relataram a promotores que essas compras eram feitas mediante ameaça, afirmando que os compradores iam até as empresas acompanhados de escoltas armadas.

Já a suspeita de que os postos de gasolina e lojas de conveniência também serviam para lavagem de dinheiro do tráfico apareceu a partir de indícios de que um grande fluxo de dinheiro em espécie passava pelas empresas, um sinal típico de lavagem.

“Não veio só de um ou de outro investigado, mas sim efetivamente da facção criminosa. É dinheiro fruto de ilícito”, diz o promotor Yuri Fisberg, do núcleo do Gaeco em Guarulhos.

Ele explica que, diferentemente do que ocorria há cerca de dez anos, hoje é menos importante se os participantes dos esquemas criminosos são integrantes “batizados” do PCC ou não. Isso ocorreu à medida que os negócios da facção entraram cada vez mais no mercado formal e a colaboração com aqueles que não são faccionados cresceu.

Um dos nomes centrais na investigação da Carbono Oculto é Mohamad Hussein Mourad, que administra uma rede de empresas —o que inclui usinas sucroalcooleiras, distribuidoras, transportadoras, produção e refino, terminais de armazenamento, redes de postos de combustíveis, conveniências e padarias— que serviria para ocultar a origem e o destino de dinheiro ilícito.

Como já mostrou a Folha, as investigações apontam outro nome, Daniel Dias Lopes, como um dos principais elos entre uma estrutura de lavagem de dinheiro montada no Paraná e facções criminosas de São Paulo.

Lopes e sua esposa, Miriam Favero Lopes, seriam os principais responsáveis pelas operações financeiras e de lavagem de dinheiro da empresa Duvale Distribuidora de Petróleo e Álcool. A firma encontrava-se inativa e praticamente falida, sem comercializar combustíveis desde 2017.

Ele já havia sido condenado a mais de nove anos de prisão por tráfico de drogas, junto com outros 18 réus, após foi flagrado transportando mais de uma tonelada de cafeína em novembro de 2014, que seria misturado a cocaína. A investigação da Polícia Federal conseguiu conectá-lo um esquema de tráfico internacional.

A reportagem enviou mensagens ao escritório de um advogado de Lopes na tarde desta sexta-feira, mas não recebeu respostas. A defesa de Mourad, procurada também por email, não se pronunciou.

Em 2006, promotores estimaram que a quadrilha liderada por Rabugento movimentava mais de R$ 6 milhões por mês. Já na Carbono Oculto, os negócios investigados operaram mais de R$ 30 bilhões em quatro anos, uma média de 625 milhões por mês.

Segundo promotores que acompanham as atividades do PCC e pesquisadores na academia, a explicação para esse salto financeiro tem o ano de 2016 como ponto central. É quando o traficante Jorge Rafaat Toumani foi assassinado na cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, que faz divisa com Ponta Porã (MS).

A partir desse evento, o PCC passaria a dominar a rota do tráfico drogas que atravessa Mato Grosso do Sul e o interior paulista em direção à cidade de São Paulo. Embora já houvesse registro de integrantes da facção em outros países antes disso, inclusive nos Estados Unidos, a expansão internacional do PCC teria se acelerado a partir desse ano, assim como os lucros com o tráfico internacional de drogas.

“Você pode até atingir individualmente algumas pessoas que são afetadas por essas operações, mas [o PCC] é uma organização que as repõe rapidamente, seja quando são presas, seja quando perdem recursos, a máquina continua funcionando independentemente de pessoas singulares que eventualmente sejam atingidas”, diz a professora Camila Dias Nunes, da Universidade Federal do ABC.

“Já ouvi inúmeras vezes, ao longo dos 20 anos que eu estudo o tema, alguém falar que agora tirou, arrancou a cabeça, capitalizou, enfraqueceu, desmantelou [a facção] e assim por diante”, ela conta.

Hoje, segundo estimativa do promotor Lincon Gakiya, considerado um dos principais especialistas no tema, há membros da facção em pelo menos 28 países. Nos últimos dois anos, eles teriam passado a atuar na criação de redes de apoio a quem está preso no exterior e na montagem de esquemas próprios de distribuição e venda de drogas em solo estrangeiro.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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