7:10 PM
27 de agosto de 2025

Como é ser jornalista em Gaza e quantos foram mortos?

Como é ser jornalista em Gaza e quantos foram mortos?

PUBLICIDADE


Jornalista sentado dentro de tenda
Legenda da foto, Jornalistas trabalham e dormem em tendas perto de hospitais em diversos locais da Faixa de Gaza

    • Author, Amira Mhadhbi
    • Role, Da BBC News Arabic

“Nunca imaginei que um dia viveria e trabalharia em uma tenda, privado das necessidades humanas mais básicas – até mesmo água e um banheiro.”

“É como morar em uma estufa no verão e uma geladeira no inverno”, disse o jornalista Abdullah Miqdad à BBC.

Em Gaza, jornalistas trabalham e dormem em tendas de tecido e plástico montadas ao redor de hospitais em toda a Faixa de Gaza.

Jornalistas precisam de eletricidade e acesso confiável à internet 24 horas por dia para realizar seu trabalho, mas a energia elétrica foi cortada em toda a Faixa de Gaza.

Por isso, eles tentam ficar próximos a hospitais, onde os geradores ainda funcionam, fornecendo energia suficiente apenas para carregar seus celulares e equipamentos.

Veículos de notícias internacionais dependem de repórteres locais em Gaza, já que Israel não permite que empresas estrangeiras de mídia, incluindo a BBC, enviem jornalistas para o território (exceto em raras ocasiões, quando estão acompanhando tropas israelenses).

Mas muitas vezes não conseguem enviar as fotos e os vídeos que coletam até retornarem às tendas perto dos hospitais, onde possuem acesso à eletricidade e à internet.

“Ficar baseado em hospitais também acelera nossa cobertura — conseguimos acesso direto para cobrir feridos, mortos, funerais e entrevistas. Principalmente porque se deslocar ou fazer ligações para obter esse tipo de conteúdo costuma ser quase impossível”, diz Haneen Hamdouna, jornalista do veículo palestino Donia Al-Watan, que também trabalha com empresas internacionais, incluindo a BBC.

Mapa em Gaza

No entanto, estar perto de hospitais não garante a segurança dos jornalistas. Seu status profissional de jornalistas, que deveria protegê-los segundo o direito internacional, também não tem garantido sua segurança.

‘Como jornalistas, nos sentimos como alvos’

Do início da Guerra Israel-Gaza, em outubro de 2023, até a terça-feira (26/8), pelo menos 197 jornalistas e profissionais da mídia haviam sido mortos — 189 deles somente em Gaza, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Esse número supera o total de jornalistas mortos em todo o mundo nos três anos anteriores.

“Como jornalistas, sentimos que somos constantemente alvos das forças de ocupação israelenses, o que nos deixa em um estado de medo constante por nossa própria segurança e a de nossas famílias”, disse o jornalista Ahed Farwana, secretário do Sindicato dos Jornalistas Palestinos, à BBC.

Após quase dois anos de constantes assassinatos, fome, medo e deslocamentos na Faixa de Gaza, a demanda por cobertura da imprensa segue grande, e os jornalistas estão exaustos com o trabalho ininterrupto.

Isso abriu as portas para que jovens em Gaza, alguns dos quais nunca haviam trabalhado em jornalismo antes, se tornassem repórteres e fotojornalistas.

Alguns jornalistas trabalham oficialmente e exclusivamente com veículos de comunicação locais ou internacionais, mas muitos têm contratos temporários ou por coberturas específicas.

Isso significa que seu trabalho é instável e o nível de proteção, seguro e recursos que recebem varia muito.

“Todo jornalista no mundo tem o dever de cobrir notícias e o direito de desfrutar de proteção internacional. Infelizmente, o exército israelense não trata jornalistas dessa maneira, especialmente quando se trata de jornalistas palestinos”, diz Ghada Al-Kurd, correspondente da revista alemã Der Spiegel, à BBC (para a qual ela também trabalha ocasionalmente).

Cinco jornalistas foram mortos em um duplo ataque ao Hospital Nasser em Khan Younis: Husam al-Masri, Mariam Abu Dagga, Ahmed Abu Aziz, Mohammad Salama e Moaz Abu Taha

Crédito, EPA, AP, Reuters

Legenda da foto, Cinco jornalistas foram mortos em um duplo ataque ao Hospital Nasser em Khan Younis: Husam al-Masri, Mariam Abu Dagga, Ahmed Abu Aziz, Mohammad Salama e Moaz Abu Taha

Israel negou diversas vezes que suas forças tenham jornalistas como alvos. No entanto, admitiu a responsabilidade pelo assassinato do correspondente da Al Jazeera, Anas Al-Sharif, em sua tenda em Gaza em 10 de agosto em um ataque direto que também matou outros cinco jornalistas.

O exército israelense afirmou que tinha Sharif como alvo, alegando que ele havia “servido como chefe de uma célula terrorista no Hamas” — algo que Sharif negava.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas afirmou que Israel não apresentou provas da acusação.

“Este é um padrão que observamos em Israel — não apenas na guerra atual, mas nas décadas anteriores — em que, tipicamente, um jornalista é morto pelas forças israelenses e, posteriormente, Israel afirma que ele era terrorista, mas fornece pouquíssimas provas para sustentar essas alegações”, disse a diretora-geral do CPJ, Jodie Ginsberg, à BBC.

Cinco jornalistas que trabalhavam para a imprensa internacional estavam entre as pelo menos 20 pessoas mortas em um duplo ataque israelense ao hospital Nasser em Khan Younis, no sul de Gaza, na segunda-feira (25/8).

Imagens do ataque mostram um segundo ataque atingindo socorristas que haviam chegado para ajudar os alvos do ataque inicial.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, descreveu o incidente como um “trágico acidente” e disse que as autoridades militares estavam “conduzindo uma investigação completa”.

Em um comunicado, o exército israelense afirmou que “faz todos os esforços para mitigar os danos aos civis, garantindo ao mesmo tempo a segurança de nossas tropas” e afirmou que o Hamas “criou condições de combate impossíveis”.

Jornalistas trabalham dentro da tenda do Sindicato dos Jornalistas Palestinos
Legenda da foto, Jornalistas trabalham dentro da tenda do Sindicato dos Jornalistas Palestinos

“Quando você trabalha dentro de uma barraca, nunca sabe o que pode acontecer a qualquer momento. Sua barraca ou seus arredores podem ser bombardeados — o que você faz então?”, pergunta o jornalista Abdullah Miqdad, correspondente da Alaraby TV em Gaza, em entrevista à BBC.

“Diante das câmeras, preciso estar extremamente concentrado, mentalmente alerta e perspicaz, apesar da exaustão. Mas a parte mais difícil é me manter atento a tudo o que acontece ao meu redor e pensar no que eu poderia fazer se o lugar em que estou fosse atacado. Há tantas perguntas constantemente passando pela minha cabeça — e nunca há respostas”, diz.

Na sexta-feira (22/8), um órgão apoiado pela ONU responsável pelo monitoramento da segurança alimentar confirmou pela primeira vez oficialmente que existe fome na Cidade de Gaza.

Gaza foi colocada na Fase 5 da Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC na sigla em inglês), o nível mais alto da escala, que indica insegurança alimentar aguda.

Mais de 500 mil pessoas na Faixa de Gaza enfrentam “fome, miséria e morte”.

Um relatório da ONU de julho constatou que mais de uma em cada três pessoas em Gaza (39%) agora “passa dias seguidos sem comer”.

Jornalistas também sofrem com essa fome extrema.

“Uma xícara de café com grão-de-bico moído ou um copo de chá sem açúcar pode ser tudo o que você consegue consumir durante um dia inteiro de trabalho”, afirma o jornalista independente Ahmed Jalal.

“Em muitos dias, sofremos com fortes dores de cabeça e fadiga, incapazes de andar de tanta fome”, disse ele à BBC, “mas continuamos com nosso trabalho, viajando longas distâncias para cobrir as notícias, carregar nossos equipamentos ou encontrar uma conexão de internet para levar a história para além dos muros de Gaza”.

Ahmed Jalal foi deslocado diversas vezes com sua família. Mas em todas as ocasiões continuou seu trabalho jornalístico enquanto tentava garantir abrigo, água e comida para sua família.

O filho de Ahmed precisa de cirurgia, mas as condições em Gaza durante a guerra o privaram de tratamento.

Pensar em seu filho e em sua impotência torna sua cobertura da dor e do desespero das crianças de Gaza mais dolorosa, mas também mais autêntica, explica ele.

“Nos tornamos parte da notícia e de seus veículos ao mesmo tempo, e talvez isso seja uma motivação para continuarmos apresentando a história com mais veracidade”, diz Jalal.

“Meu coração se parte com a dor intensa quando noticio o assassinato de colegas jornalistas, e minha mente me diz que posso ser o próximo. A dor me consome por dentro, mas eu a escondo da câmera e continuo trabalhando.”

“Me sinto sufocado, exausto, com fome, cansado, assustado — e não consigo nem parar para descansar.”

‘Perdemos a capacidade de expressar nossos sentimentos’

Ghada Al-Kurd

Crédito, Ghada Al-Kurd

Legenda da foto, Ghada Al-Kurd é correspondente da revista alemã Der Spiegel e também trabalha com outras organizações internacionais, incluindo a BBC

Ghada Al-Kurd não consegue expressar seus sentimentos ao cobrir quase dois anos de notícias sobre a morte e a fome que se espalham entre a população de sua cidade.

“Não temos tempo para pensar em nossos sentimentos”, disse Ghada à BBC.

“Durante esta guerra, perdemos a capacidade de expressar nossas emoções. Estamos em constante estado de choque. Talvez recuperemos essa capacidade após o fim da guerra.”

Até que esse dia chegue, Ghada continua a reprimir o medo por suas duas filhas. E também a dor pelo irmão e sua família, cujos corpos permanecem sob os escombros em uma zona militar desde o início da guerra, diz ela.

“A guerra mudou nossas mentes e personalidades. Precisaremos de um longo período de cura após o fim da guerra para retornarmos a quem éramos antes de 7 de outubro de 2023.”

O Centro de Mídia Solidário é uma das tendas onde os jornalistas de Gaza vivem e trabalham
Legenda da foto, O Centro de Mídia Solidário é uma das tendas onde os jornalistas de Gaza vivem e trabalham

Vinte e sete países, incluindo Reino Unido, França, Alemanha, Austrália e Japão, apoiaram uma declaração pedindo a Israel que permita o acesso imediato da mídia estrangeira independente a Gaza.

A declaração, divulgada pela Coalizão pela Liberdade de Mídia – um grupo intergovernamental que defende os direitos e a proteção de jornalistas em todo o mundo – também condenou os ataques a jornalistas, afirmando que quem trabalha em Gaza precisa ser protegido.

O fotojornalista Amer Sultan, em Gaza, colaborou com esta reportagem



Fonte.:BBC NEWS BRASIL

Leia mais

Rolar para cima