
Crédito, Isaac Fontana/EPA
O governo de São Paulo confirmou neste sábado (4/10) a segunda morte por consumo de bebida com metanol, um composto químico de uso industrial, presente em solventes, combustíveis e outros produtos.
São Paulo soma 14 casos confirmados de intoxicação pela substância, imprópria para consumo humano devido à sua elevada toxicidade, incluindo os dois óbitos confirmados. As vítimas são dois homens, de 46 e 54 anos, ambos moradores da capital.
O governo estadual investiga ainda outros 148 casos, com sete mortes suspeitas — quatro na cidade de São Paulo, duas em São Bernardo do Campo e uma em Cajuru.
A Polícia Civil de São Paulo apura se bebidas eram falsas ou adulteradas, ou se o metanol foi usado na higienização do produto.
Como o metanol é incolor e tem o mesmo odor do etanol, não há como identificar a presença da substância nem bebidas. A recomendação é evitar completamente o consumo de destilados.
Mas pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara desenvolveram, há três anos, uma técnica inédita que pode se tornar aliada diante dos crescentes casos intoxicação pela substância após consumo de bebidas alcoólicas.
O método, criado em 2022 no Instituto de Química (IQ), permite identificar de forma simples, barata e rápida se amostras de gasolina, etanol, cachaça, vodca ou uísque contêm quantidades acima do limite permitido de metanolç
Diferente da tradicional cromatografia gasosa, que custa até R$ 500 por análise, exige laboratório especializado e pode levar horas para apresentar resultado, a técnica da Unesp funciona em poucos minutos, sem necessidade de equipamentos sofisticados.
O processo é realizado em duas etapas. Primeiro, adiciona-se um sal à amostra, seja gasolina, etanol ou bebida, que transforma o metanol em formol. Em seguida, um ácido é incorporado à mistura, provocando alterações na cor da solução. O tempo de reação é de cerca de 15 minutos para etanol e bebidas alcoólicas e de 25 minutos para gasolina.
Ao observar a coloração final, é possível identificar a olho nu se a amostra apresenta concentrações acima do permitido. A classificação é feita com base nas cores resultantes: verde indica ausência de quantidades significativas de metanol; verde amarronzado aponta entre 0,1% e 0,4%; marrom, entre 0,5% e 0,9%; roxo, de 1% a 20%; e azul-marinho, de 50% a 100%.
A expectativa dos pesquisadores é transformar a descoberta em kits de baixo custo, estimados em cerca de R$ 10.
A pesquisadora Larissa Modesto, mestranda do IQ à época da pesquisa e que liderou o estudo, diz que a adoção em larga escala é viável. Mas ainda é preciso investimentos.
“Seria necessário uma empresa que produz kit analíticos comprar os direitos de comercialização da patente da Unesp, produzir o kit e vender. Como para metanol em bebidas o limite é extremamente baixo (20 mg/100mL de bebida), qualquer tonalidade de roxo que se formar já é suficiente para não receber aquele carregamento de bebida”, afirma.
Especialistas independentes avaliam que a inovação pode ser decisiva no contexto de intoxicação em bebidas alcoólicas.
Márcia Ângela Nori, professora do curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e coordenadora da câmara de Engenharia Química do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), considera que a possibilidade de um kit para identificação rápida de metanol em combustíveis e bebidas seria uma inovação importante, desde que haja precisão nos resultados.
“Diante da perfeição de falsificação dos rótulos, esta seria mais uma ferramenta de controle na defesa do consumidor”, diz Nori, elogiando a iniciativa do grupo de pesquisa da Unesp.
“Mas o importante é sempre realizar a compra rastreada, ou seja oriundo de empresas que possuam responsáveis técnicos de processo de fabricação”, pondera a engenheira química.
Já Fabio Rodrigues, pesquisador do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), ressalta a necessidade de avaliar custos, capacidade de produção em escala e limites mínimos de detecção.
“O princípio químico do teste é coerente e dá a resposta necessária sobre a presença de metanol”, diz o pesquisador.
“A reação não é muito diferente daquelas dos bafômetros, que indica álcool no corpo. Nesses métodos, tem que se observar custos, limite mínimo de detecção, capacidade de produção em grande escala e se o teste da falso positivo”, afirma.
“Ou seja, o método parece ser possível de uso e eficiente, mas é preciso entender a viabilidade de produção em grande quantidade. A reação é semelhante às usadas em bafômetros. O desafio está em entender a viabilidade de fabricação em grande quantidade.”
O projeto já conta com duas patentes registradas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), com apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN), e negocia com setores público e privado para viabilizar a produção dos kits.
Larissa Modesto, que liderou a pesquisa na Unesp, afirma que empresas do setor privado e o poder público já manifestaram interesse na aplicação do método em grande escala. “Mas não recebemos nenhuma oferta formal de licenciamento de comercialização da patente.”

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O metanol é altamente tóxico e, em doses elevadas, pode causar cegueira ou até levar à morte. A legislação brasileira limita a presença da substância em combustíveis a 0,5% e, em bebidas destiladas, a 20 miligramas a cada 100 ml.
A substância é rapidamente absorvida pelo corpo. Os primeiros sintomas podem ser sentidos de duas até 48 horas — a depender de quanto da substância foi ingerido.
Uma vez absorvido pelo trato digestivo, ele passa pelo fígado e se transforma nesses dois metabólitos tóxicos, que entram na circulação e chegam rapidamente ao sistema nervoso. As células mais vulneráveis são os neurônios.
O corpo também passa a produzir substâncias muito ácidas durante a digestão desse produto. Isso faz com que o sangue fique mais ácido do que deveria, uma condição chamada acidose metabólica.
Para tentar compensar, a pessoa começa a respirar de forma rápida e curta, numa tentativa de eliminar esse excesso de acidez pelo ar.
Essa combinação de efeitos — toxinas circulando no sangue, acidose metabólica, sobrecarga do coração, dos pulmões e dos rins — pode levar à falência múltipla de órgãos, porque cada sistema vital passa a funcionar de forma inadequada, sobrecarregando os demais e comprometendo a capacidade do corpo de manter funções essenciais.
O tratamento é feito em ambiente hospitalar e sempre supervisionado por profissionais de saúde. O etanol pode ser administrado por via oral ou intravenosa, mas apenas na forma farmacêutica, em grau de pureza adequado para uso médico.
O objetivo é manter níveis constantes de álcool no sangue por um período prolongado, até que o metanol seja eliminado naturalmente pela respiração e pela urina, sem se transformar em ácido fórmico.
Esse processo é geralmente combinado com hemodiálise, que ajuda a filtrar o sangue e acelerar a retirada do metanol e de seus subprodutos. Assim, o corpo consegue se livrar da substância antes que ela cause danos irreversíveis.
Outra opção, mas ainda não disponível no Brasil, é o fomepizol, um medicamento desenvolvido justamente para tratar intoxicações por metanol.
Neste sábado, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou a compra do antídoto para o tratamento de pessoas intoxicadas por metanol.
O ministério divulgou que fechou, junto à Organização Panamericana de Saúde, a compra de 2,5 mil unidades do medicamento. Elas serão compradas de um fornecedor do Japão.
“O ministério já firmou a aquisição e a previsão de chegada desse outro antídoto na próxima semana. Teremos aqui no Brasil, além do etanol farmacêutico já garantindo tratamento, teremos também o fomepizol”, afirmou Padilha.
Segundo o ministro, também serão compradas 12 mil unidades de etanol farmacêutico, outra substância usada para tratar de intoxicação.
Com informações de Thais Carrança e Luiz Fernando Toledo
Fonte.:BBC NEWS BRASIL