
Crédito, Getty Images
- Author, Manal Mohammed *
- Role, The Conversation
Minha mãe sempre teve uma regra inegociável: nada de sapatos usados na rua dentro de casa.
Não importava quem você fosse – parente, vizinho ou convidado –, era preciso tirá-los antes de cruzar a porta.
Quando criança, achava que era mais uma de suas muitas manias. Mas, conforme fui ficando mais velha (e mais sábia), entendi que não era obsessão por organização.
Era sobre saúde, segurança e higiene.
A limpeza geralmente é associada à sujeira visível. Mas quando falamos de calçados, o que se esconde sob a superfície é microscópico e muitas vezes muito mais perigoso do que um pouco de barro ou grama seca.
Sapatos usados na rua carregam bactérias, alérgenos e substâncias químicas tóxicas – muitas das quais estão ligadas a problemas sérios de saúde.
Pense por onde seus sapatos passam todos os dias: banheiros públicos, calçadas, corredores de hospitais, gramados tratados com produtos químicos como herbicidas e pesticidas usados no controle de pragas e ervas daninhas.
Segundo um estudo da Universidade do Arizona (EUA), impressionantes 96% dos sapatos testaram positivo para bactérias coliformes, geralmente encontradas em fezes.

Crédito, Getty Images
Enquanto algumas cepas de E. coli são inofensivas, outras produzem toxinas Shiga, capazes de causar diarreia com sangue e desencadear a síndrome hemolítico-urêmica – uma condição potencialmente fatal que pode levar à falência dos rins.
Crianças menores de cinco anos estão especialmente em risco, por conta do sistema imunológico ainda em desenvolvimento e do hábito de levarem as mãos à boca com frequência.
Mas o E. coli não é o único germe que invade sua casa. Os sapatos também trazem o Clostridium difficile, conhecido por causar diarreia intensa, e o Staphylococcus aureus, incluindo a versão resistente a medicamentos (MRSA), uma “superbactéria” que pode provocar infecções graves na pele, nos pulmões ou até no sangue.
Não são só germes
Os riscos à saúde vão além das bactérias.
Sapatos também carregam substâncias químicas e alérgenos. Pesquisas mostram que calçados usados na rua podem conter pesticidas, herbicidas e metais pesados como chumbo – extremamente perigosos, especialmente para crianças pequenas e animais de estimação.
A exposição ao chumbo, frequentemente presente em poeira ou solo urbano, é altamente prejudicial para crianças, podendo afetar o desenvolvimento cerebral e causar problemas cognitivos permanentes.
Além disso, alérgenos como o pólen podem se prender às solas dos sapatos, agravando alergias e problemas respiratórios – em um lugar que deveria ser um refúgio seguro.

Crédito, Getty Images
Ainda mais alarmante é o fato de que os selantes de asfalto usados em estradas contêm compostos cancerígenos. Um estudo dos EUA revelou que essas substâncias podem ser encontradas dentro das casas e persistir no pó doméstico – às vezes em níveis 37 vezes maiores do que do lado de fora.
E quem passa mais tempo perto do chão? Crianças e animais.
Crianças engatinham, brincam e frequentemente levam as mãos à boca. Animais lambem as patas após andarem sobre superfícies contaminadas. Usar sapatos da rua dentro de casa aumenta, sem querer, a exposição deles a substâncias nocivas.
Pisos limpos, casas saudáveis
Diante de todas essas evidências, a regra da minha mãe já não parece tão exagerada. Na verdade, pode ser uma das medidas de saúde pública mais simples e eficazes que você pode adotar em casa.
Ao tirar os sapatos antes de entrar, você não apenas evita manchas no tapete – reduz drasticamente a exposição da sua família a microrganismos e produtos químicos perigosos.
E não é difícil de implementar. Considere reservar um espaço para deixar os sapatos perto da porta de entrada. Pode ser um sapateiro, uma cesta ou até alguns chinelos confortáveis para os convidados.
Pedir que alguém tire os sapatos pode parecer estranho no começo, mas é fácil esquecer que algo tão rotineiro como entrar em casa pode trazer riscos invisíveis.
* Manal Mohammed é professora titular de Microbiologia Médica na Universidade de Westminster, no Reino Unido.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL