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12 de junho de 2025

Como igrejas no Brasil têm usado IA para ensinar a doutrina cristã

Como igrejas no Brasil têm usado IA para ensinar a doutrina cristã

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“No começo, eu achava que do outro lado tinha uma pessoa ensinando a gente”, afirma o construtor Roberto da Silva. Ele é uma das mais de 400 mil pessoas que já estudaram a Bíblia com a inteligência artificial (IA) adotada pela Igreja Adventista do 7º Dia (IASD) no Brasil e demais países da América do Sul desde 2019. “Foi muito interessante esse estudo bíblico com um robozinho”, continua o brasiliense de 44 anos em vídeo disponibilizado no YouTube.

Com nome Esperança, a assistente virtual gratuita que auxiliou Roberto atua como instrutora bíblica em aplicativos de mensagens. Ao todo, a ferramenta possui um banco de dados com cerca de 6 mil artigos, 63 livros e 89 guias de cursos com temas relacionados à Bíblia, saúde e família, que ela ensina em português, inglês ou espanhol, e já foi acessada por usuários de 106 países.

“Qualquer pessoa que deseje estudar a Bíblia pelo Whatsapp, com a ajuda de um instrutor IA, pode procurar a Esperança”, afirma Carlos Magalhães, diretor de Estratégias Digitais da instituição na América do Sul. Segundo ele, a agente virtual da IASD (vídeo abaixo) disponibiliza passagens bíblicas, explicações doutrinárias e materiais de estudo.

Ideia semelhante também foi lançada em maio deste ano pela Igreja Assembleia de Deus em São José dos Campos, São Paulo. A nova assistente digital, chamada Léia, foi criada para agilizar o atendimento aos membros da igreja, divulgar informações a respeito de eventos e responder questionamentos dos usuários.

“É uma assistente virtual voltada para auxiliar cristãos no dia a dia, compartilhando versículos, louvores e outros conteúdos edificantes”, explicou o pastor André Samuel Câmara, responsável pela iniciativa. “E quando o assunto exige mais atenção, ela encaminha para alguém da equipe pastoral”, esclarece Câmara.

Ainda segundo o pastor, a proposta é oferecer aos usuários uma “amiga e companheira de fé”, já que a assistente virtual — inspirada em duas secretárias reais da igreja Assembleia de Deus em São José dos Campos — também oferece palavras de encorajamento, ajuda na organização de estudos bíblicos e responde dúvidas simples sobre a Bíblia. “A Léia foi criada para ser uma presença constante e edificante”, afirmou, garantindo que a IA traz diversas oportunidades para evangelização.

Por isso, além de desenvolver a assistente virtual, a igreja presidida por Câmara também tem utilizado ferramentas de inteligência artificial para “dar vida” a avatares de personagens bíblicos, que leem versículos da Bíblia durante os cultos ou contam trechos de suas histórias.

“Nossa igreja acredita no uso consciente e criativo da tecnologia como aliada na missão de anunciar o evangelho”, explica o pastor, garantindo que as ações têm tornado mais leve e eficiente a rotina da igreja.

“ChatGPT cristão” foi lançado em maio deste ano pela IASD

Mas o uso de avatares e assistentes digitais não são as únicas ferramentas de IA usadas no Brasil para o ensino da Bíblia. Em maio deste ano, a Igreja Adventista do 7º Dia também desenvolveu uma espécie de “ChatGPT cristão” para ensinar a doutrina, responder perguntas difíceis sobre a Bíblia e auxiliar líderes da igreja no preparo de sermões.

Segundo Carlos Magalhães, o 7chat.ai aposta na popularização das IAs de conversa, como o ChatGPT, para auxiliar quem precisa realizar pesquisas bíblicas com rapidez ou tirar dúvidas a respeito das crenças da igreja.

A ferramenta funciona pelo site ou pelo WhatsApp e, de acordo com o diretor de Estratégias Digitais da Igreja Adventista do 7º Dia na América do Sul, pode atender em árabe, alemão, francês ou coreano, por exemplo. “Isso porque o 7chat responde no idioma em que o usuário fizer a pergunta”, comenta.

Além disso, Magalhães informa que ferramentas de IA também têm auxiliado a administração da IASD a analisar dados, organizar cadastros dos mais de 2,5 milhões de membros na América do Sul e apresentar indicadores de crescimento das congregações.

Dessa forma, os sistemas mostram quais regiões têm maior necessidade de evangelismo, prevêm tendências de adesão ou evasão de membros e otimizam a distribuição de recursos financeiros conforme demandas locais. Afinal, “a análise preditiva permite decisões mais assertivas”.

Uso da IA pelas igrejas rompe barreiras linguísticas e culturais, mas requer cautela

De acordo com o doutor Erick Giovani Sperandio, professor associado e pesquisador de IA na Universidade de Surrey, na Inglaterra, a inteligência artificial realmente oferece diversos caminhos para evangelização, inclusive em áreas isoladas por barreiras linguísticas ou culturais.

Entre as possibilidades está, por exemplo, o compartilhamento de sermões e testemunhos em vários idiomas com tradução e dublagem automáticas, em tempo real. “Em regiões onde a presença física de igrejas é limitada ou onde a evangelização enfrenta restrições, o alcance digital impulsionado por IA oferece meios sem precedentes para compartilhar o evangelho”, garante o professor.

No entanto, ele afirma que é preciso cuidado com as novas ferramentas, já que, “teologicamente, a IA carece de discernimento espiritual e pode interpretar erroneamente textos sagrados” e contradizer princípios religiosos.

Outro ponto, segundo o especialista, é que muitas igrejas carecem de recursos e experiência para implementar sistemas de inteligência artificial com eficácia e autonomia teológica, gerando perigo de “alucinação”, em que o programa pode produzir conteúdo que parece real, mas que, na verdade, é “inventado” pela IA, com fontes falsas ou imprecisas.

“E a privacidade e segurança dos dados também devem ser priorizadas por meio de medidas de segurança cibernética e políticas de dados éticas e transparentes de acordo com a legislação”, completa o professor.

No caso da Igreja Adventista do 7º Dia na América do Sul, a administração informa que as ferramentas de IA oficiais foram desenvolvidas por ampla equipe de especialistas, com infraestrutura de servidores e dados, e seguindo diretrizes éticas.

A Assembleia de Deus em São José dos Campos também informa que sua assistente virtual possui inúmeros materiais teológicos alinhados com a doutrina e que algumas interações são monitoradas para garantir a qualidade e precisão nas respostas. Além disso, pontua que a privacidade e segurança dos dados dos usuários é garantida por meio de uma ferramenta de “assegura total proteção”.

“A IA não substitui o ser humano, e muito menos a ação do Espírito Santo”

Outra questão apontada por Sperandiao é que, apesar dos cuidados em relação ao perigo de “alucinação”, questões éticas e de privacidade, ainda há risco de “desumanizar o processo de evangelização”, já que comunidades religiosas são construídas com base em relacionamentos humanos e na comunhão entre fiéis.

“A IA não substitui o ser humano e muito menos a ação do Espírito Santo no processo de pregação”, diz, ao citar que o evangelismo por robôs pode interferir no senso de comunidade cristã e na importância do cuidado pastoral.

Pensando nisso, a assistente virtual da Assembléia de Deus de São José dos Campos direciona parte das mensagens dos usuários aos pastores da igreja, enquanto a IASD envia os nomes dos alunos da Esperança para congregações locais a fim de que os interessados possam receber a visita de membros ou pastores.

“Foi o que aconteceu com a gente”, conta Maria Jeane dos Santos Silva, esposa do construtor Roberto, citado no início desta reportagem. Depois que ela e seu esposo estudaram a Bíblia com a IA, o casal recebeu acompanhamento de um instrutor bíblico, em casa, e começou a frequentar a Igreja Adventista, presencialmente.

“Está sendo uma experiência maravilhosa”, afirma Maria Jeane, agradecendo ao “robozinho” pela oportunidade. Afinal, “foi o robô que nos incentivou a estudar a Bíblia”.



Fonte. Gazeta do Povo

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