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- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Belém
Parceiros do Brasil no Brics, Arábia Saudita, China e Índia vêm exercendo pressão contra a proposta de criação de um roteiro para reduzir o consumo de combustíveis fósseis em escala global feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontece em Belém, prevista para acabar na sexta-feira (21/11).
A informação foi repassada à BBC News Brasil por dois negociadores brasileiros e um negociador estrangeiro ouvidos em caráter reservado.
Arábia Saudita é um dos maiores produtores mundiais de petróleo enquanto China e Índia estão entre os maiores consumidores de combustíveis fósseis.
A BBC News Brasil tentou contato com os negociadores destes três países nos últimos três dias, durante a COP30, mas nenhum delegado quis dar declarações.
Esses países fazem parte do Brics, grupo de 11 países que também inclui o Brasil, Rússia, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Etiópia, Irã, Indonésia e Egito.
Segundo eles, o movimento vem sendo liderado pelos países árabes, reunidos em torno da Arábia Saudita, mas também contou com o apoio, em tom mais discreto da China e da Índia.
A contrariedade em relação ao plano foi expressa durante reunião com o presidente Lula na quarta-feira (19/11) quando Lula se encontrou com ministros de diversos países numa tentativa de “destravar” as negociações da COP30.
Mapa do caminho
A inclusão de um roteiro para levar ao fim gradual do uso de combustíveis fósseis não estava entre os temas previstos para a COP30, mas o apoio a um texto sobre o assunto é defendido por países da América Latina como a Colômbia, da Europa como França, Reino Unido e Suécia, e da Oceania, que tem nações em ilhas consideradas mais vulneráveis aos efeitos da elevação no nível dos oceanos causada pelas mudanças climáticas.
Apesar de estar fora dos mandatos da COP30, o “mapa do caminho” foi mencionado por Lula durante discursos em Belém antes e na abertura da conferência.
“O mundo precisa de um mapa do caminho claro para acabar com essa dependência dos combustíveis fósseis”, disse Lula na abertura da Cúpula de Líderes da conferência.
A menção feita pelo presidente foi comemorada por ambientalistas, cientistas e algumas delegações estrangeiras.
Mas com o passar dos dias, a possibilidade de que um dos textos finais da COP30 contivesse menções sobre o assunto diminuiu, gerando reações negativas entre ambientalistas, cientistas e delegações favoráveis à proposta.
A redução nas emissões dos combustíveis fósseis é um dos temas mais sensíveis nas negociações climáticas porque, segundo a comunidade científica, aproximadamente 80% das emissões de gases do efeito estufa que geram as mudanças climáticas são geradas pela queima desses produtos e pela liberação de CO2 na atmosfera.
A expectativa entre os apoiadores da proposta era de que um dos textos finais da COP30, conhecido como “Pacote Político de Belém”, contivesse menções explícitas sobre o “mapa do caminho” proposto por Lula.
“O que nós queremos é que a COP30 dê um mandato para que esse mapa seja elaborado e que ele seja um mapa a ser seguido pelos países”, disse o negociador sueco Mattias Frumerie à BBC News Brasil.
A expectativa, no entanto, deu lugar à apreensão.
Na terça-feira (18/11), o rascunho de um dos textos onde o tema era tratado trouxe menções sobre o assunto consideradas vagas por ambientalistas. Em vez de determinar a elaboração do roteiro, uma das opções no texto previa a criação de uma “mesa redonda” de ministros para discutir a transição para longe dos combustíveis fósseis.
Outra opção do texto previa até a completa ausência do tema.
Na sexta-feira, um novo rascunho do texto foi divulgado pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC) e, desta vez, não havia nenhuma menção ao termo “combustíveis fósseis”.

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O rascunho gerou reações negativas entre países favoráveis ao “mapa do caminho” e de ambientalistas.
“Qualquer texto sem uma menção clara para reduzir o consumo de combustíveis fósseis é frustrante e não vai na direção do que a ciência defende”, disse à BBC News Brasil o climatologista brasileiro Carlos Nobre.
A ministra de Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez Torres, protestou.
“Essa COP não pode acabar sem um mapa do caminho claro, justa e equitativo para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis”, disse em entrevista coletiva hoje.
Diante do possível fracasso em torno da inclusão do mapa do caminho para combustíveis fósseis nos textos da COP30, o governo colombiano anunciou a criação de uma conferência internacional sobre o assunto e fez o lançamento de uma declaração cobrando a elaboração deste roteiro.
Ao todo, 24 países assinaram o documento: Austrália, Áustria, Bélgica, Camboja, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Eslovênia, Fiji, Finlândia, Irlanda, Ilhas Marshall, Jamaica, Luxemburgo, México, Micronésia, Nepal, Países Baixos, Panamá, Quênia, Vanuatu e Tuvalu.
Apesar de o governo brasileiro apoiar a criação de um mapa do caminho, o Brasil não assinou a declaração.
O holandês Bas Eickhout, membro do Parlamento Europeu, disse acreditar que os parceiros de Brics do Brasil pressionaram o presidente Lula a recuar sobre incluir ou não o mapa do caminho nos textos finais da COP 30.
“Eu acho que existe muita pressão do Brics sobre Lula, um grupo no qual eles também vão dizer: ‘Você precisa de nós'”, disse Eickhout a jornalistas nesta sexta-feira.
Uma outra ausência notada por ambientalistas é em relação a um segundo mapa do caminho citado por Lula destinado ao fim do desmatamento, mas que acabou recebeu menos atenção nos últimos dias.
A especialista em clima e líder de Estratégia Internacional da organização não-governamental WWF-Brasil, Tatiana Oliveira, critica o texto.
“A ausência total de um texto sobre os dois mapas do caminho prometidos , o fim da dependência aos combustíveis fósseis e, sobretudo, o desmatamento zero até 2030, é a recusa de uma tarefa histórica”, disse a ambientalista em posicionamento feito pela organização.
Negociações travadas

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Um negociador brasileiro ouvido pela BBC News Brasil confirmou que países como a Arábia Saudita, Índia e China se opuseram a uma menção sobre o fim do uso de combustíveis fósseis.
Arábia Saudita e China ocupam o segundo e o sexto lugares no ranking de maiores produtores de petróleo do mundo, respectivamente, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). A China é um dos maiores consumidores do produto e, atualmente, maior responsável pelas emissões de gases do efeito estufa no mundo.
A Índia não está entre os 10 maiores produtores, mas é outro importante consumidor de combustíveis fósseis, principalmente carvão mineral para gerar eletricidade.
A contrariedade da China em relação à proposta já havia sido citada em reportagem do UOL, no início da semana.
Segundo a reportagem, a diplomacia chinesa afirmou que a posição do país vai refletir o que os países do Brics já haviam declarado no encontro de líderes do bloco, em julho deste ano, quando os membros reconheceram que os combustíveis fósseis ainda tinham papel importante nas economias dos países emergentes.
Outro negociador ouvido pela BBC News Brasil afirmou que o grupo de países árabes usou a COP30 para tentar conter o movimento ocorrido dois anos atrás, na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Naquela ocasião, os países concordaram em incluir uma menção em um dos textos finais da conferência prevendo a “transição para longe dos combustíveis fósseis”.
A inclusão do tema no texto final foi considerada uma vitória de cientistas, ambientalistas e países como os do bloco europeu das pequenas ilhas do Oceano Pacífico.
O problema é que apesar da menção, nenhuma medida concreta foi tomada desde então para pôr em prática o que foi definido em Dubai.
Segundo este negociador, os países árabes avaliaram que a inclusão do assunto no texto final da COP28 havia sido um erro e se empenharam para bloquear novos avanços.
Este negociador afirmou ainda que China e Índia tiveram uma posição mais branda em relação ao tema.
Segundo ele, o governo brasileiro, liderado em Belém pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ainda tentará convencer os países que são contra a proposta durante as horas finais de negociação na COP30.
Também de acordo com ele, o governo vai aproveitar a ida de Lula à Cúpula de Líderes do G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo), na África do Sul, para defender o assunto.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


