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- Author, Justin Rowlatt
- Role, Editor de Clima da BBC News
Existe uma fotografia feita há dez anos em Paris que hoje parece uma relíquia. Nela, dezenas de homens e mulheres posam de terno escuro diante de um enorme letreiro com os dizeres COP21 Paris.
Bem ao centro, o então primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, sorri ao lado do futuro rei Charles 3º, um pouco à frente do chinês Xi Jinping.
Mais à direita, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, aparece em conversa com alguém que ficou fora do enquadramento.
Havia tantos líderes presentes naquele dia que foi difícil para o fotógrafo capturá-los todos de uma vez.

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É uma grande diferença em relação à foto de família tirada na quinta-feira (06/11), com os participantes deste ano da COP30, no Brasil.
O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, não compareceram, assim como os líderes de cerca de 160 outros países. E uma ausência notável foi a do atual presidente dos EUA, Donald Trump.
Na verdade, o governo Trump abandonou totalmente o processo e afirmou que não enviará nenhuma autoridade de alto escalão neste ano.
O que leva à pergunta: por que realizar um encontro multinacional de duas semanas se tantos líderes não estão presentes?
Christiana Figueres, ex-chefe do processo climático da Organização das Nações Unidas (ONU) sob cuja liderança foi firmado o Acordo de Paris, disse durante a reunião do ano passado que o processo da COP “não serve mais ao propósito”.
“A era de ouro da diplomacia multilateral acabou”, concorda Joss Garman, ex-ativista ambiental que hoje dirige o Loom, um novo think tank (centro de pesquisa e debate).

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“A política climática agora é, mais do que nunca, sobre quem captura e controla os benefícios econômicos das novas indústrias de energia”, afirma Garman.
Então, com as emissões de dióxido de carbono ainda em alta mesmo após 29 dessas conferências — cujo objetivo, afinal, é reduzi-las —, fará alguma diferença realizar mais COPs?
Trump e a suposta ‘farsa’ do clima
Neste ano, no primeiro dia de volta ao cargo, Trump usou sua caneta presidencial para retirar os EUA do Acordo de Paris, o tratado da ONU de 2015 no qual os países se comprometeram a tentar limitar o aquecimento global a 1,5°C.
“Essa história de ‘mudança climática’ é a maior farsa já imposta ao mundo”, disse Trump à Assembleia-Geral da ONU em setembro (23/09). “Se vocês não se livrarem desse golpe verde, seus países vão fracassar.”
Trump revogou restrições à exploração de petróleo, gás e carvão, assinou bilhões de dólares em incentivos fiscais para empresas de combustíveis fósseis e liberou terras federais para extração.
Além disso, Trump e sua equipe têm pressionado governos em todo o mundo a abandonar seus programas “patéticos” de energia renovável e a comprar petróleo e gás dos EUA — em alguns casos, sob ameaça de tarifas punitivas. Japão, Coreia do Sul e países europeus concordaram em comprar dezenas de bilhões de dólares em hidrocarbonetos americanos.
O objetivo é claro: Trump afirma querer transformar os EUA na “maior superpotência energética do mundo”.
Enquanto isso, trabalha para desmontar a agenda de energia limpa de seu antecessor, Joe Biden.

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Subsídios e incentivos fiscais para energia eólica e solar foram drasticamente reduzidos, licenças foram revogadas e projetos, cancelados. O financiamento para pesquisa também sofreu cortes.
“A energia eólica nos EUA é subsidiada há 33 anos — não é tempo suficiente?”, disse o secretário de Energia, Chris Wright, quando a BBC o perguntou sobre a política do governo, em setembro. “Depois de 25 ou 30 anos de subsídios, é preciso aprender a andar com as próprias pernas.”
John Podesta, assessor de clima que trabalhou com Obama e Biden, vê a situação de outra forma. “Os EUA estão usando uma bola de demolição contra a energia limpa”, afirmou. “Eles tentam nos levar de volta não ao século 20, mas ao 19.”

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No mês passado, um acordo histórico que reduziria as emissões globais do transporte marítimo foi abandonado depois que os EUA, junto com a Arábia Saudita, conseguiram encerrar as negociações.
O movimento preocupa apoiadores das conferências do clima. O que acontece se o caminho seguido pelos EUA levar outros países a reduzir seus compromissos?
Anna Aberg, pesquisadora do Centro de Meio Ambiente e Sociedade do instituto Chatham House, diz que a COP ocorre “em um contexto político muito difícil”, considerando a postura de Trump.
“Acho mais importante do que nunca que esta COP envie algum tipo de sinal ao mundo de que ainda existem governos, empresas e instituições agindo contra a mudança climática.”
Tarde demais para vencer no tênis de mesa
A estratégia de Trump coloca os EUA em rota de colisão com a China, que também trabalha há décadas para dominar o suprimento global de energia — mas por meio de tecnologia limpa.
Em 2023, as tecnologias verdes responderam por cerca de 40% do crescimento econômico chinês, segundo o site especializado Carbon Brief. Após uma leve desaceleração no ano passado, as fontes renováveis representaram um quarto de todo o novo crescimento e hoje compõem mais de 10% da economia do país.
E, assim como os EUA de Trump, a China atua internacionalmente muito além da COP — está levando seu modelo energético ao mundo.

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A divisão transformou o debate climático: agora ele opõe as duas superpotências globais em uma disputa pelo controle da indústria mais essencial do planeta.
Isso deixa Reino Unido e Europa — além de potências emergentes como Índia, Indonésia, Turquia e Brasil — presos no meio.
Durante a COP deste ano, uma fonte do governo de um grande país desenvolvido afirmou: “De tudo o que mais os apavora, o pior é parecer que estão criticando Trump.”
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, alertou no mês passado que a Europa não deve repetir o que chamou de erros do passado e perder outra indústria estratégica para a China.
Ela classificou a perda da base europeia de fabricação de painéis solares para concorrentes chineses mais baratos como “uma lição que não podemos esquecer”.

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A Comissão Europeia prevê que o mercado de energias renováveis e outras fontes limpas crescerá de € 600 bilhões (R$ 3,6 trilhões) para € 2 trilhões (R$ 12 trilhões) em uma década — e quer que a Europa capture ao menos 15% desse valor.
Mas essa ambição pode ter chegado tarde demais.
“A China já é a superpotência mundial em tecnologia limpa”, diz Li Shuo, diretor do China Climate Hub, do instituto Asia Policy. O domínio da China em energia solar, eólica, veículos elétricos e baterias avançadas, afirma, é hoje “virtualmente inatingível”.
Shuo compara a situação a tentar vencer a seleção chinesa de tênis de mesa: “Se você queria superar a China, precisava ter se organizado há 25 anos. Se quiser fazer isso agora, não há esperança.”

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A China produz mais de 80% dos painéis solares do mundo, proporção semelhante de baterias avançadas, 70% dos veículos elétricos e mais de 60% das turbinas eólicas — todos a preços extremamente baixos.
A recente decisão da União Europeia de elevar tarifas sobre veículos elétricos chineses reflete a dimensão do dilema. Abrir o mercado pode levar ao colapso da indústria automotiva europeia; fechá-lo pode comprometer as metas ambientais.
Restringir o acesso da China a esses mercados pode desacelerar a redução das emissões, diz Garman, da Loom. Mas, segundo Garman, “ignorar questões de segurança econômica, empregos e segurança nacional pode minar o apoio público e político a todo o esforço climático”.
COP: novo propósito ou perda de tempo?
Com as mudanças nas prioridades e na política global, Anna Aberg, do instituto Chatham House, afirma esperar que a COP se torne um fórum anual de “prestação de contas” para países e organizações — algo que, segundo ela, continua sendo “um papel importante”.
O encontro no Brasil ocorre após o reconhecimento do secretário-geral da ONU, António Guterres, de que a meta de 1,5°C definida em Paris não será atingida — o que ele classificou como “negligência mortal” da comunidade internacional.
O ano passado foi o mais quente já registrado, e 60 dos principais cientistas do clima afirmaram, em junho, que o planeta pode ultrapassar o limite de 1,5°C em apenas três anos, mantidos os níveis atuais de emissões de dióxido de carbono. Mesmo assim, cresce o questionamento sobre a necessidade de uma conferência anual.
“Acho que precisamos de uma grande COP a cada cinco anos. Entre uma e outra, não sei bem para que serve”, diz Michael Liebreich, fundador da consultoria Bloomberg New Energy Finance e apresentador do podcast sobre energia verde Cleaning Up.
“Não dá para esperar que os políticos continuem fazendo compromissos cada vez maiores. É preciso tempo para que as indústrias se desenvolvam e as coisas aconteçam. A economia real precisa alcançar as promessas.”

Liebreich acredita que seria muito mais produtivo realizar encontros menores, voltados à remoção de barreiras para a energia limpa.
Mas também considera que certos temas, como a implementação, deveriam ser debatidos em lugares mais relevantes — como Wall Street, “onde as pessoas realmente podem financiar projetos” —, e não às margens da floresta amazônica.
Mesmo assim, as negociações desta edição da COP serão importantes. Entre outros pontos, a conferência busca um acordo para criar um fundo de bilhões de dólares de apoio às florestas tropicais do mundo, como a Amazônia e a Bacia do Congo.
Michael Jacobs, ex-assessor de política climática do ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown (2007-2010) e hoje professor de política na Universidade de Sheffield (Reino Unido), acredita que o apoio coletivo contínuo ao processo é essencial.
“É uma mensagem política importante, porque Donald Trump tenta minar o processo coletivo, mas também é um recado às empresas para que continuem investindo na descarbonização, já que os governos seguirão adotando políticas climáticas.”

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O secretário de Energia do Reino Unido, Ed Miliband, diz acreditar que essas reuniões trouxeram avanços concretos ao envolver países no combate à mudança climática e ao incentivar políticas que tornaram possível a revolução das energias renováveis.
“É árido, é complicado, é angustiante, é cansativo”, afirma — “e é absolutamente necessário”.
Ainda assim, muitos reconhecem que há bons argumentos para reduzir a escala desses encontros internacionais.
No fim das contas, a verdadeira escolha que se impõe a grande parte das nações presentes é até que ponto alinhar-se à revolução energética limpa liderada pela China — ou dobrar a aposta em uma agenda centrada nos combustíveis fósseis.
Por isso, muitos observadores afirmam que o processo de descarbonização tende a depender menos dos compromissos multilaterais do passado e mais de acordos bilionários entre países, tanto nesta edição da cúpula quanto nas COPs futuras.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


