
Crédito, PABLO PORCIUNCULA/AFP via Getty Images
- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Belém
“Qualquer texto sem uma menção clara para reduzir o consumo de combustíveis fósseis é frustrante e não vai na direção do que a ciência defende”, disse à BBC News Brasil o climatologista brasileiro Carlos Nobre.
Apesar disso, a ausência dos Estados Unidos, segundo maior emissor individual de emissões de gases do efeito estufa, e a possibilidade de que a COP30 terminasse sem que os países chegassem a um acordo entre os 194 participantes fizeram com que o resultado das negociações fosse aplaudido na plenária final do evento. Havia o temor de que ausência dos norte-americanos pudesse levar a um travamento de todas as discussões relevantes da conferência.
“Sabíamos que esta COP ocorreria em águas políticas tempestuosas. A negação, a divisão e a geopolítica desferiram duros golpes na cooperação internacional este ano. Mas, amigos, a COP30 mostrou que a cooperação climática está viva e forte, mantendo a humanidade na luta por um planeta habitável, com a firme determinação de manter o 1,5ºC ao seu alcance”, disse o secretário da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC), Simon Stiel, em seu discurso durante o último dia da conferência.
“Belém entregou o que era possível em um mundo radicalmente transformado para a pior. Evitou a implosão do Acordo de Paris, hoje a única coisa a nos separar de um mundo 3ºC mais quente”, disse em comunicado o coordenador de política internacional da organização não-governamental Observatório do Clima, Cláudio Angelo.
Apesar da ausência de menções a combustíveis fósseis nos documentos principais acordados durante a COP30, ambientalistas apontaram que houve avanços, ainda que moderados, entre alguns dos temas debatidos ao longo das duas semanas da conferência. Confira abaixo quatro dos principais assuntos sobre os quais a COP30 deliberou.
1 – “Mapas do caminho” barrados
Os “mapas do caminho” propostos pelo presidente Lula durante suas passagens por Belém foram um dos temas que mais causaram tensão durante as negociações da COP30.
Lula propôs que a COP30 terminasse com a aprovação de alguma menção para a elaboração de roteiros com dois objetivos: acabar com o desmatamento e com a dependência mundial em relação aos combustíveis fósseis.
A queima de combustíveis fósseis é apontada por cientistas como responsável por até 80% das emissões de gases do efeito estufa que causam as mudanças climáticas.
A proposta chegou a ganhar o apoio formal e informal de aproximadamente 80 países liderados por nações como a Colômbia, França, Reino Unido, Suécia e Dinamarca.
Na terça-feira, um rascunho de um dos textos em negociação trazia menções ao mapa do caminho sobre combustíveis fósseis, mas elas acabaram sendo retiradas nos rascunhos seguintes.
Países como a Arábia Saudita, Índia e China, grandes produtores ou consumidores de petróleo e outros combustíveis fósseis como carvão mineral, fizeram oposição à proposta e, segundo dois negociadores brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado, chegaram ameaçar bloquear o restante das negociações caso o tema não fosse retirado dos textos em discussão.
Países do bloco europeu e da América Latina protestaram, mas prevaleceu a posição capitaneada pelos países árabes e o texto final ficou sem nenhuma menção sequer a combustíveis fósseis ou a mapas do caminho.
Em entrevista coletiva à imprensa durante o G20 neste domingo (23/22), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi questionado se ele teria ficado realmente satisfeito com o resultado do documento, considerando que os ‘mapas do caminho’ não entrou no texto.
Em resposta, Lula afirmou que já sabia que o tema seria polêmico. “Quando nós introduzimos a discussão, nós sabíamos que era um tema difícil. O Brasil é produtor de petróleo, estamos tirando cerca de cinco milhões de barris por dia, não é pouca coisa”, disse.
Segundo ele, o “mapa do caminho” “não é uma imposição de data, é uma discussão”. “Você tem que envolver especialistas, tem que envolver as empresas de petróleo para começar a vislumbrar os passos que têm que ser dados até chegar a extinguir o uso de combustível fóssil”, afirmou.
Lula disse ainda que “o petróleo não é só para gasolina” e que ele “vai continuar tendo sua importância”, citando o uso na indústria petroquímica. “Eu sabia que era difícil a Arábia Saudita concordar”, declarou.
“O que nós quisemos foi começar um debate sobre uma coisa que todo mundo sabe que vai ter que acontecer”, disse.
Apesar disso, o presidente afirmou que a discussão foi “extraordinária” e “um grande começo”.
Na plenária final, o presidente da COP30, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, anunciou que, apesar de o assunto ter ficado de fora dos textos finais da conferência, a presidência brasileira da COP, que termina no final de 2026, vai elaborar os dois “mapas do caminho” que depois serão apresentados aos países membros do Acordo de Paris.
“Nós precisamos de mapas para que possamos ultrapassar a dependência dos fósseis de forma ordenada e justa. Eu vou criar dois mapas: um para reverter desmatamento e outro para fazer transição para longe dos fósseis de maneira equitativa e justa”, disse o diplomata.
Mais tarde, em entrevista coletiva, o embaixador afirmou que sabia que a proposta enfrentaria dificuldades para ser aprovada durante a COP30.
“Nós imaginávamos que seria de ter um consenso sobre isso. Desde que aprovamos (uma menção sobre o assunto) em Dubai (na COP28), houve uma grande resistência em continuarmos a falar sobre isso”, afirmou.
Na coletiva, Corrêa do Lago afirmou ainda que os dois mapas do caminho que serão desenvolvidos pela presidência brasileira da COP deverão reunir informações sobre medidas que precisariam ser tomadas em escala global para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e para acabar com o desmatamento e o resultado desses estudos deverá ser apresentado na COP31, que será realizada na Turquia, mas cuja presidência ficará a cargo da Austrália.
Para ambientalistas, a ausência de menções aos dois roteiros (sobre desmatamento e combustíveis fósseis) foi um ponto negativo.
“O assunto mais importante dessa COP ficou fora das decisões formais. Apesar de um crescente apoio de países ao chamado do Presidente Lula para a construção de mapas do caminho para acabar com o desmatamento e se afastar dos combustíveis fósseis, não foi possível dentro do processo formal”, lamentou a especialista em políticas climáticas da organização não-governamental Observatório do Clima, Stela Herschamnn.
Em nota, a diretora de mobilização da ONG S.O.S Mata Atlântica, Afra Balazina, também lamentou o resultado.
“Mais uma vez, os países que mais contribuíram historicamente para o aquecimento global, e os que mais emitem hoje, atuaram para bloquear avanços essenciais. Continuam também resistindo a financiar e apoiar os países e populações mais vulneráveis, que já sofrem, e seguirão sofrendo, os impactos mais graves dos eventos extremos”.
A decisão de criar os mapas do caminho fora do circuito convencional das negociações da COP foi vista como reserva por ambientalistas.
“A decisão da Presidência de criar os dois mapas do caminho, tanto para zerar o desmatamento quanto para o fim dos combustíveis fósseis, tem gosto de prêmio de consolação. É claro que isso permitirá que o trabalho siga no próximo ano, e que o momentum criado em Belém não se perca. Mas não é o avanço que esperávamos, e que o mundo desesperadamente precisa”, disse, em nota, diretora-executiva da organização não-governamental Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali.
2 – Aumento do financiamento para adaptação
Um dos pontos que avançaram na pauta de negociações da COP30 foi a previsão de um aumento no orçamento destinado ao financiamento de ações voltadas para adaptação de países em desenvolvimento às consequências das mudanças climáticas.
O texto acordado na COP30 prevê triplicar para até US$ 120 bilhões o valor a ser destinado por ano até 2035 para projetos relacionados à adaptação.
O aumento desse montante era uma das principais reivindicações dos países em desenvolvimento e encontrava resistência de blocos de países desenvolvidos, principalmente da União Europeia.
Pelas normas do Acordo de Paris, os países desenvolvidos devem repassar recursos para os países em desenvolvimento para financiar projetos que preparem essas nações para os impactos mais nocivos das mudanças climáticas.
Apesar de o aumento no volume de recursos ter sido comemorado internamente por alguns dos países em desenvolvimento, ambientalistas avaliam que o prazo dado para que o valor chegue a US$ 120 bilhões, 2035 e não 2030, como estava previsto antes, é um fator negativo em função do agravamento da crise climática e do aumento na intensidade e frequência de eventos climáticos extremos.
“A promessa de triplicar o financiamento para adaptação é bem-vinda, mas, estendida até 2035, ainda fica aquém. A adaptação não pode esperar, especialmente porque o financiamento para os países em desenvolvimento está diminuindo enquanto os impactos climáticos se aceleram”, disse a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell.
A especialista em políticas climáticas do Greenpeace Brasil, Ana Cárcamo, também avalia a decisão com ressalvas.
“Apesar de pressões de países menos desenvolvidos para triplicar o financiamento para a adaptação até 2030, a decisão final apenas decide convocar esforços para triplicar até 2035, de forma vaga e sem ano de base. Assim, os países desenvolvidos, mais uma vez, mantém suas carteiras fechadas, enquanto comunidades marginalizadas pagam com suas vidas”, disse a especialista em um comunicado divulgado pela organização.

Crédito, Anderson Coelho/Reuters
3. Menção a afrodescendentes
Outro tema comemorado ao fim das negociações foi a inclusão do termo “afrodescendentes” no principal texto negociado durante a COP30.
O documento reconhece a importância das populações de descendência africana no combate às mudanças climáticas.
A inclusão do termo é considerada uma vitória de movimentos em defesa dos direitos da população negra em diversos países, inclusive do Brasil, onde comunidades quilombolas são reconhecidas por trabalharem na preservação de ecossistemas como o Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica.
“O reconhecimento de afrodescendentes nos textos da UNFCCC abre caminho para políticas climáticas mais justas, eficazes e enraizadas nas realidades dos territórios historicamente afetados por desigualdades estruturais”, disse, em nota, a organização não-governamental Geledés – Instituto da Mulher Negra.
A diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores (MRE), embaixadora Lillian Chagas, também celebrou a inclusão afirmando que essa era uma pauta defendida pelo Brasil e que envia uma “mensagem clara” a essas populações.
4. Indicadores de adaptação
Outro ponto considerado como um avanço da COP30 foi o acordo em torno de um conjunto de indicadores para medir a velocidade e a forma como os países estão se adaptando às mudanças climáticas.
Esta era uma pauta defendida por países latino-americanos e os do bloco europeu, mas vinha encontrando resistência do bloco de nações africanas que alegavam, nas negociações, que a adoção desses critérios poderia ser usada por países desenvolvidos para condicionar o repasse de recursos para adaptação às mudanças climáticas.
Outro impasse era a resistência dos países desenvolvidos em aceitarem a inclusão de um indicador que avaliasse o volume de financiamento que eles deveriam prover às nações mais pobres.
Inicialmente, especialistas elaboraram uma lista com mais de mil indicadores. No decorrer das negociações, a lista foi reduzida para aproximadamente 100 e, no final, foram definidos 59 critérios de avaliação.
“A adoção dos indicadores da GGA (sigla em inglês para ‘Meta global sobre adaptação’) é um progresso real: pela primeira vez, mediremos a ação climática não apenas em toneladas de carbono evitadas, mas em vidas protegidas e infraestrutura capaz de resistir ao que está por vir”, disse Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa.
Para Ana Cárcamo, do Greenpeace Brasil, a decisão trouxe pontos positivos, mas poderia ter sido melhor.
“Os indicadores para acompanhar os avanços globais da adaptação foram reduzidos de forma política e muitos não são mensuráveis. Os países ainda devem trabalhar para revisar os indicadores até a COP32, na África”, disse.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


