Hoje, se você discorda do desfecho de uma série ou não se conforma com uma virada contra o seu time, é fácil. Sentado no seu sofá com o celular, você “corrige” em segundos o desfecho da história ou o resultado do jogo. Ninguém é dono de mais nada —qualquer um pode se meter num filme ou vídeo, alterá-lo, invertê-lo, adulterá-lo, desfigurá-lo ou, quem sabe, até melhorá-lo. A verdade e a mentira estão agora às suas ordens, na palma da mão. Já foi bem mais difícil. No passado, com os recursos de então, intervir numa obra pronta requeria tempo, paciência e habilidade.
Meu amigo Paulo Perdigão, pioneiro da programação de filmes na TV Globo, nunca aceitou que, no final de seu filme favorito, “Os Brutos Também Amam” (1953), o herói Shane, interpretado por Alan Ladd, fosse embora deixando para trás o garoto Joey e sua mãe, ambos apaixonados por ele. Usando uma cópia da TV, Perdigão inverteu a cena, fazendo com que, ao ouvir Joey gritar “Shane, volte!”, Shane se virasse em seu cavalo, parecesse hesitar e voltasse. Só não sei o que Perdigão fez com o marido dela.
Outro amigo, João Luiz de Albuquerque, usando cópias em VHS, reeditou o final de “Casablanca” (1942). Em sua versão, Ingrid Bergman, em vez de tomar aquele avião com o marido, deixa o fulano embarcar sozinho e volta para ficar com Humphrey Bogart em Casablanca.
Perdigão e João Luiz sabiam que seus finais seriam impossíveis na antiga Hollywood. Nela, o herói nunca tomaria a mulher de alguém, mesmo de um quase desconhecido. Mas nada impedia João Luiz de corrigir a derrota do Brasil para o Uruguai por 2×1 na final da Copa de 1950, no Maracanã. Usando lances de outras partidas, refez os minutos finais. Neles, o segundo gol do Uruguai não aconteceu —o chute fatal de Gigghia bateu na trave e, no contra-ataque, Zizinho desempatou e fomos campeões.
Não me entenda mal. Acho perfeitos os finais originais de “Shane” e “Casablanca”, e um jornalista que foi ao Maracanã me garantiu que o Uruguai mereceu vencer o jogo.
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Fonte.:Folha de S.Paulo