Uma primeira olhada no cardápio do Clandestina mostra que a chef, Bel Coelho, brinca com ingredientes brasileiros em preparos de outros cantos do mundo. O quiabo vira kimchi, o feijão-manteiguinha vira homus, o pato no tucupi vira guioza, a jabuticaba vai parar no crème brûlèe. Causa um certo estranhamento —mas também dá vontade de começar a experimentar.
Nas receitas há referências aos biomas brasileiros, da Amazônia à caatinga. Ingredientes regionais que não necessariamente aparecem como protagonistas. Por vezes, surgem em detalhes que tornam a experiência instigante.
O resultado é uma cozinha tecnicamente madura, que entrega sabores que a gente só come lá e pratos completos —mesmo que o cardápio opere no sistema de porções para compartilhar, que popularizou-se recentemente.
O guioza de pato com tucupi (R$ 65, quatro unidades) foi o eleito para começar a refeição nesse estilo, para dividir.
Dava vontade de tomar às colheradas o caldo, com jambu infusionado e azeite de pimentas brasileiras, de tão bom. Uma porção de pão de fermentação natural (R$ 6) ajudou a limpar o que ficou no prato. O da casa é uma focaccia, que chegou quentinha.
Na sequência, a opção foi pela tábua A.mar (R$ 65), composta por um saboroso salame de atum, peixe defumado (no dia, era cavala), karasumi (ovas de peixe salgadas, secas e prensadas) e lula em conserva. Com sabores bem marcados, eram o contraponto ideal para acompanhar uma cerveja gelada.
Entre os pratos principais, o primeiro foi o tortelli (R$ 69), uma massa firme que envolve queijo Quina, de sabor suave e textura macia. Vem com um caldo de cebola que adiciona umami e, para arrematar, cogumelos e lascas de queijo Maratimba. Levemente adocicado, ele é feito com leites de vaca e ovelha.
Mas o pedido que mais surpreendeu foi a barriga de porco (R$ 84). Ela é glaceada com tucupi preto (uma redução do tucupi amarelo, que fica mais denso e concentrado) e servida com feijão-manteiguinha, leve e saboroso. Um encantador picles de maxixe completa o prato.
Para ir em turma, o conceito de compartilhar funciona bem, porque os pratos não precisam de complemento. Ou seja, não precisa quebrar a cabeça fazendo combinações —e ainda correr o risco de errar (ou ficar com fome).
Para ir em dois, vale saber que dividir duas entradas, dois principais e uma sobremesa talvez não seja suficiente. Nem para matar a fome nem para saciar a curiosidade sobre as criações da chef, que entrega cozinha brasileira feita com pesquisa, técnica e olhar original e cuidadoso.
A sobremesa também não decepcionou
Os franceses que nos perdoem, mas a versão clandestina do crème brûlée (R$ 39) é difícil de superar. A receita ganha uma base de queijo, em homenagem aos mineiros, baunilha do cerrado e uma reluzente calda de jabuticaba. Para acompanhar, café especial, de pequeno produtor, coado na mesa.
Fonte.:Folha de São Paulo