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27 de agosto de 2025

Cuidar de si para cuidar do mundo: como sobreviver aos tempos de crise

Cuidar de si para cuidar do mundo: como sobreviver aos tempos de crise

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Vivemos em tempos de normalização da injustiça, em que atitudes como compaixão e solidariedade soam piegas, e abusos são naturalizados nas mais diversas esferas: nas dinâmicas familiares, nas relações de trabalho, contra crianças e mulheres, no desprezo por idosos, na devastação ambiental e na exploração de recursos finitos.

A polarização política, alimentada por discursos de ódio, sufoca a diversidade e as diferenças, desaguando em guerras tarifárias, conflitos armados, fome e genocídios.

Diante de um cenário tão desolador, surgem perguntas inevitáveis: qual é o sentido da vida? E, de forma mais pragmática, como preservar a saúde mental?

Hábitos saudáveis — como boa alimentação, sono de qualidade, prática de atividades físicas e acompanhamento profissional — são essenciais, mas não menos importante é ter consciência de nossa condição humana e das escolhas que fazemos diariamente: do modo como consumimos e do grupo político que apoiamos.

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Cuidar de si, em sua essência, significa cuidar do espaço e do tempo que nos pertencem — e também daqueles que compartilhamos com outros.

Cuidar do espaço envolve desde organizar gavetas, prateleiras e armários até zelar pelo quintal, pela rua, pelo bairro, pela cidade, pelo país e pelo planeta. Cuidar do tempo implica ocupar-se das diferentes dimensões em que ele se manifesta, permitindo que possamos compreender melhor quem é o outro.

O corpo como primeira dimensão do tempo

Podemos começar pela primeira dimensão do tempo que podemos perceber em nós mesmos: nossos corpos. Como assim? Queremos dizer com isso que nossos corpos não são materialidade, espaço?

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De maneira alguma. Somos matéria, muitíssimo bem organizada, expressão da evolução da vida e do tempo que a lapidou. Nossos corpos são espaço, matéria, mas também história genética, tempo daqueles que nos antecederam. Tempo, histórico e biológico, encarnado.

Afetos e a segunda dimensão do tempo

A partir de nossos corpos, podemos vislumbrar uma segunda dimensão temporal de nossas existências: nossos afetos. O modo como o mundo se desdobra para cada um de nós, seus encontros e desencontros, se manifesta como afetos.

Nossas tonalidades afetivas se espraiam no tempo, retumbam como um acorde grave ou uma nota aguda, nos lançam a contemplar nosso passado e nosso futuro, a partir do instante presente, atravessados pelo colorido do humor que pode ser acalentador como uma cor quente ou impávido como o frio.

Nossos afetos são as notas da melodia que executamos a todo momento de nossas vidas. Tempo do instante que se espraia no já ter sido, que se afasta, mas também no porvir, que se aproxima.

A dimensão da angústia

Essa melodia, todavia, pode se apresentar cacofônica. Pode se desestruturar, perder seu fluxo, não servir mais a distinguir o passado, do presente e do futuro. Um tempo massivo e acachapante, que nos faz perder lastro e vislumbre, esgarça a tessitura da vida: a angústia.

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Essa é a terceira de nossas dimensões temporais: a supressão do próprio acontecer do tempo num modo harmonioso. Quem já viveu a angústia sabe o significado de se ver em chão, de atravessar uma crise de pânico, de flertar com o medo da iminência da morte ou da perda de controle sobre si, o medo de enlouquecer.

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A quarta dimensão

Nossos corpos e seus modos de estarem afinados nessa melodia, mas sujeitos aos seus desacordes, estão lançados em suas existências, a viver uma quarta dimensão de nossa temporalidade: a história.

Avançamos, ao longo de nossas vidas, por histórias que são determinadas por nossos corpos. Corpos negros, corpos femininos, corpos idosos, corpos gordos, corpos amputados, corpos adoecidos, não vivem as mesmas histórias que outros corpos. Nossas histórias lapidam nossos corpos. Nossos corpos lapidam nossas histórias.

Narrativas e sonhos

Essas histórias são contadas e se expressam numa quinta dimensão do modo como o tempo se produz: nossas linguagens, nossas narrativas. De maneira linear, tortuosa, simples, complexa, falada, gesticulada, livre, censurada, nossas histórias serão narradas.

Podem, com isso, produzir clareza, obscuridade, autenticidade, trapaça, profundidade, vilania. Nossas narrativas cristalizam formas de nos traduzirmos a nós mesmos e podem expressar por fim a última de nossas dimensões temporais: nossos sonhos.

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Não somente o sonho que se sonha dormindo, mas o que se sonha acordado, e até em conjunto. O que nos move, nos baliza, nos aproxima e nos distancia, e que podemos nomear utopia, quiçá fé.

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Cuidar da própria saúde significa reconhecer e se tornar guardião de cada uma dessas facetas de como a vida se nos atravessa. Fazendo isso, reconhecemos que cada um de nós carrega seu quinhão do qual se é responsável, e também nos permite perceber que, se por muitos aspectos todos nós somos diversos um dos outros, por outro, em nossa humanidade, somos fundamentalmente os mesmos.

Qual o sentido da vida?

Podemos retornar agora à pergunta inicial. Qual o sentido da vida? Uma resposta possível seria: procurar seu sentido. Produzir-lhe um sentido. Fazê-la ter um sentido. Mesmo diante do caos, da mentira, do terror, da morte. Saber escolher aquilo que é vivificante.

Não se deixar confundir pelos que dizem ser pela vida, mas, que por suas ações, contribuem para a morte. Tomar a responsabilidade de si, por si, para si, e pelo mundo que nos circunda. Zelar pela nossa saúde, pela do outro e pela do mundo.

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Seguir adiante apesar da desesperança e do pessimismo. Não é um convite para um se tornar egoísta, mas sim para cuidar do outro como se cuida de si. Cuidar de si, como se cuida do outro. O outro, este de quem eu não consigo, existencialmente, me diferenciar.

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Fonte.:Saúde Abril

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